Temas

de

fundo

1ª leitura (Is 52,7-10):  Como são formosos os pés do mensageiro que anuncia a paz pelos montes, apregoa a Boa Nova e proclama a salvação assegurando a Sião: «O rei é o teu Deus!». Ouve! As tuas sentinelas gritam em uníssono, porque vêem com os próprios olhos o regresso do Senhor a Sião. Ruínas de Jerusalém, irrompei em cânticos de alegria. O Senhor consola o seu povo com o resgate de Jerusalém. O Senhor mostra a força do seu braço poderoso perante os olhos das nações. Todos os confins da terra verão a salvação do nosso Deus.

* Irrompei em cânticos de alegria. O anúncio de alegria que ressoa em toda esta 1ª leitura, extraída da terceira e última parte do chamado Segundo Isaías, é muito significativo. Ao mesmo tempo, é tanto mais intrigante quanto mais se sabe que o autor, não obstante a libertação (da Babilónia) que está iminente, vive, juntamente com o povo, a experiência dura e traumatizante da «colonização» babilónica. Mas, é precisamente nesse contexto que o profeta exorta os concidadãos não só a não desanimar, mas também a acreditar que Javé (Deus) é o Senhor do céu e da terra, o Senhor e o Dono da Vida e da História. Nessa perspectiva, comparados com Deus, os deuses babilónicos não têm nenhum poder, não são nada. Assim, esta leitura antecipa, por assim dizer, o anúncio que se encontra em passagens do NT, entre as quais me permito citar as seguintes cuja leitura sugiro vivamente: Rm 10,15; Mc 16,15-16; Lc 2,14;10,9b;11,20; 17,21; Ef 1,13.

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.

 

2ª leitura (Hb 1,1-6):  No passado, Deus falou aos nossos pais muitas vezes e de muitos modos, por meio dos profetas. Mas, nestes dias, que são os últimos, Deus falou-nos por meio do seu Filho, que constituiu herdeiro de todas as coisas e por meio do qual fez também o mundo. Este Filho é o reflexo da sua glória e a imagem fiel da sua substância (natureza), sustentando o universo com o poder da sua palavra. Depois de nos ter alcançado a purificação dos pecados, sentou-se à direita de Deus, Majestade suprema, no alto dos céus, e tornou-se tão superior aos anjos quanto superior ao deles é o nome que recebeu em herança. Com efeito, a nenhum dos anjos disse Deus alguma vez: «Tu és meu Filho, Eu gerei-te hoje». E também Deus nunca disse de nenhum anjo: «Eu serei para Ele um Pai e Ele será para mim um Filho». E, quando introduz o Primogénito no mundo, diz ainda: «Adorem-no todos os anjos de Deus».

* O Filho é o reflexo da glória do Pai. O nascimento/chegada de Jesus é apresentado pelo autor da chamada Carta aos Hebreus como cume da revelação de Deus feita ao homem. Todavia, devo acrescentar que a mensagem não se esgota nisso. Jesus não é apenas o ponto mais alto da revelação de Deus. Ele é também Aquele que alcança a purificação dos pecados e é «o reflexo da sua glória e a imagem fiel da sua substância». Isto significa, em palavras mais simples, que Jesus é o Filho de Deus, como, de resto, é dito logo a seguir: «Eu serei para Ele um Pai e Ele será para mim um Filho». Note-se que não se diz: «Serei para Ele como um Pai». Mais: juntamente com o Pai, Ele é criador e conservador do universo. Tendo sido exaltado acima de todas as coisas (cf. Fl 2,9-11), tornou-se herdeiro de tudo. Pois bem, o Menino cujo nascimento celebramos é precisamente esse Filho de Deus. Enquanto não o reconhecermos como tal, ou seja, como Deus Humanado (como se ensina na catequese, verdadeiramente Homem e verdadeiramente Deus), rigorosamente falando, não estamos ainda a celebrar o verdadeiro Natal.

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.

 

Evangelho (Jo 1,1-18):  No princípio existia o Verbo. O Verbo estava em Deus e o Verbo era Deus. Sim, desde o princípio, Ele estava com Deus. Tudo foi feito por Ele. Nada do que existe foi feito sem Ele. O Verbo era a fonte da vida e essa vida era a Luz dos homens. A Luz brilhou nas trevas, mas as trevas não a receberam. Veio um homem, enviado por Deus, chamado João. Este veio como testemunha, a fim de dar testemunho da Luz e para que todos acreditassem por meio dele. Ele não era a Luz, mas veio para dar testemunho da Luz. O Verbo é que é a luz verdadeira que, ao vir ao mundo, ilumina todo o homem. Ele estava no mundo e, embora este tivesse vindo à existência por meio dele, o mundo não o reconheceu. Veio para o que era seu e os seus não o receberam. Mas, a quantos o receberam, aos que nele crêem, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus. Estes não nasceram de laços de sangue nem de um impulso da carne, nem da vontade do homem, mas sim de Deus. E o Verbo fez-se homem e veio habitar connosco. E nós vimos a sua glória, glória que possui como Filho Unigénito do Pai, cheio de graça e de verdade. João deu testemunho dele ao gritar: «Eis aquele de quem eu disse: “O que vem depois de mim passou-me à frente, porque existia antes de mim”». Da sua plenitude todos nós recebemos graça sobre graça. Deus deu a Lei por Moisés, mas a graça e a verdade vieram-nos por Jesus Cristo. A Deus jamais ninguém o viu. Foi precisamente o Filho Unigénito, que é Deus e que está no seio do Pai, quem o deu a conhecer.

* O Verbo fez-se homem e veio habitar connosco. Quando era novo - e eu não sei bem porquê - estava preconceituadamente (passe o advérbio) convencido de que este Prólogo do Evangelho de S. João era um assunto complicado. A verdade é que, embora tratando-se dum texto profundo (além de muito belo), não me parece que apresente particulares dificuldades de compreensão e interpretação. É um texto que hoje me dá um grande prazer ler, mas devagarinho, acentuando bem as palavras. Por ele, fico a saber que Aquele que começou a existir no tempo, existe desde sempre no seio de Deus Pai. Por ele, sei que Aquele que os evangelistas me ensinam a tratar por «Deus-connosco» é mesmo Deus, e não apenas uma cópia barata de Deus. Por este Prólogo, intuo que o Verbo de Deus é igual ao Pai e, ao mesmo tempo, uma pessoa distinta do Pai, embora eu o não compreenda. Por ele, sei que o Natal não é apenas uma mistura mais ou menos feliz de sentimentalismo, mas sim a certeza de que Deus quer estar comigo; tanto que se fez um de nós e que, por isso mesmo, também gosta que Lhe chamemos «Deus-connosco».

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.

    * Todos os confins da terra verão a salvação de Deus.

  * Nos últimos tempos, Deus falou por intermédio do seu Filho.

   * O Verbo fez-se homem e habitou connosco.

Cristo,

que é Deus

e está

no seio

do Pai,

foi quem

deu a

conhecer

o Pai.

 

  • Não falta nada, falta Alguém

    Há alguns anos atrás, celebrava-se com maior solenidade que agora a Novena do Natal como momento culminante e significativo de preparação espiritual. Era a espera gozosa dos cristãos relativamente ao nascimento de Jesus. Hoje em dia, durante a Novena (quando e onde ainda se faz), o supermercado está mais cheio de pessoas que a igreja. Muitos cristãos (e não-cristãos também) estão mais ocupados com a azáfama e os preparativos para uma festa externa que ninguém parece querer dispensar e que muito poucos compreendem na sua essencialidade. As pessoas não têm tempo para o Natal no que ele significa de profundo e único. Se calhar - e não será por mal - nem sequer pensam nisso.  

Nesta época festiva, percorre-se com uma certa angústia a lista das pessoas a quem é preciso mandar o cartão de Boas Festas ou então daqueles a quem é preciso dar o presente de Natal. Não é assim tão raro ler ou ouvir dizer a algumas pessoas que estão «fartas do Natal», mesmo antes de o dia de Natal chegar. As pessoas preocupam-se com as receitas para a consoada, com o problema dos vestidos... e isso, em si, não é mal nenhum. Mas, quando isso se torna obsessivo, quem é que tem tempo para se preocupar com Deus que, amando de tal maneira os homens, não duvidou vir viver com eles? (cf. Jo 3,16). «Ah, felizmente é Natal uma só vez por ano», talvez se lamentem alguns, chegados a casa com os braços carregados de pacotes com coisas e bugigangas, a maior parte das vezes, inúteis.

 

E o pior é que, depois desta azáfama toda, ao fim e ao cabo, chega-se à conclusão que falta sempre qualquer coisa. Mas, na realidade, muito provavelmente, o que falta é Alguém. Na óptica cristã, falta aquele que é a razão de serde toda essa azáfama característica desta quadra festiva. Numa palavra, atarefamo-nos a preparar o Natal, quando, ao contrário, nos deveríamos atarefar a preparar-nos para o Natal...

  • Deixem crescer o Menino!

Quando me ponho a pensar um pouco, parece-me uma coisa estranha, mas o homem deve ser uma criatura muito especial para que Deus «se tenha dado ao trabalho» de, por amor dele, se fazer também Ele homem! Já o autor dum dos Salmos contemplava extasiado esta «atitude» de Deus sem realmente o compreender: «Que é o homem para te lembrares dele, que é o filho do homem para com ele te preocupares? Quase fizeste dele um ser divino; de glória e honra o coroaste» (cf. Sl 8,5-6).  

E Deus comete a «loucura» de se fazer homem expondo-se ao perigo de ser sufocado por tanta coisa. E, com efeito, muitos sufocam-no fazendo do Natal a festa do consumismo por excelência, do gasto institucionalizado, da futilidade e  superficialidade canonizadas. Em linha de máxima, nos tempos que correm, em muitos lugares, o Natal não passa, com muita frequência, de festa envolta num misto de poesia ligeira, de bondade contabilizada e de sentimentalismo envernizado de dó e comoção. Em muitos casos - talvez a maioria dos casos - o Natal tornou-se a grande oportunidade de fazer negócio. E a verdade é que muitos não se preocupam sequer em descobrir porque é que isso acontece nesta época do ano e não noutra qualquer.  

Há outros - quero crer que a maioria nos chamados países cristãos - não desconhecem que o Natal está relacionado com Jesus, mas sufocam o Menino impedindo-o de crescer. Ou seja, este Deus feito Menino permanece menino toda a vida. As palavras deste Menino, que cresceu e se fez adulto e morreu (e não por puro sentimentalismo), nem são escutadas nem muito menos postas em prática.  

Seja como for, se o próprio Deus se dá a esse trabalho todo (passe a expressão), é porque a incarnação é algo que Ele leva muito sério. Por conseguinte, o Natal sem a vivência da realidade dum Deus que se faz homem não tem do Natal senão o nome. E isso então não passa senão dum arremedo. No fundo, faltando a espera por essa personagem insubstituível, a festa que se celebra não faz sentido, as luzes cintilantes não chegam a romper a obscuridade da injustiça e do ódio, a árvore de Natal nunca ganha raízes de salvação, a mesa da consoada fica desoladoramente pobre. Não obstante a escandalosa abundância, o vestido ou o fato novo servem apenas para mascarar o vazio duma existência votada à vaidade e à superficialidade.

  • E os seus não O receberam

É óbvio que o sentido profundo do Natal não pretende eliminar o ambiente festivo e de poesia próprio desta época do ano. De modo nenhum. Mas há que evitar a todo o custo a redução do Natal a uma tradição anual, é preciso evitar reduzir Cristo a um mito ou a uma fábula para contar às criancinhas. Jesus, quer se queira quer não, duma maneira ou doutra, passou a fazer parte da vida humana como tal (mesmo relativamente aos povos não cristãos, há que acrescentar). Seria, pois, necessário redimensionar a exterioridade do Natal, colocando-a no contexto exacto. Jesus, e mais ninguém, é a razão de ser do que acontece no Natal. Mas Jesus, que nasce e inicia uma história de amor e solidariedade com o género humano, não é uma pessoa qualquer. Ele é a Palavra de Deus que se comunica fazendo-se homem. O Natal sem esta vertente dum Deus que se faz homem não merece verdadeiramente o nome de Natal...

 

Nós talvez sejamos mais propensos a fixar a nossa atenção no Menino, por estarmos habituados a seguir as narrações de Mateus e de Lucas (os únicos evangelistas canónicos que nos falam da «infância» de Jesus). Mas a verdade é que, lendo com atenção o evangelista João, não há lugar a sentimentalismos. O facto é que é preciso aceitá-lo não só na «fase» de Menino, mas na totalidade da sua vida, desde o nascimento até à morte. E é também absolutamente indispensável aceitá-lo na «fase» anterior à sua humanização, bem como na «fase» posterior. São necessários estes três tempos, digamos assim, para O conhecermos realmente. Se O não conhecermos assim, isso quer dizer que a mensagem mais profunda do Natal ainda não entrou ainda a fazer parte da nossa mentalidade e da nossa vida.

  • No caminho de Maria

Para nos ajudar nesta descoberta, é-nos proposta a figura de Maria, que chama a nossa atenção para o essencial e para a simplicidade. O seu silêncio é mais luminoso e mais eficaz que qualquer palavra. A sua atitude constante de escuta e disponibilidade é a chave que nos abre a porta para a compreensão do mistério dum Deus feito homem. Ela é aquela que escuta e guarda tudo no seu coração (cf. Lc 2,51b) e, por isso, está preparada para O aceitar também quando é mais difícil. 

Se, por um lado, Deus se fez homem para salvar os homens, por outro, Ele não quer salvar os homens à força. E, nesse aspecto, a sua incarnação na figura e na pessoa dum Menino indefeso, é o sinal mais palpável de que o que Ele quer é como que «insinuar-se» na vida da gente quase imperceptivelmente.

Se um Deus que não tem necessidade de nada nem de ninguém, decide fazer-se homem, é porque a salvação deste lhe é muito querida. Só que é indispensável que não encontre resistência aos seus planos inauditos. Ele «precisa» duma pessoa que não exclame: «Eis o que decidi!», «Eis os planos que preparei!», mas sim que diga simplesmente: «Eis-me aqui, Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra». Maria preparou o verdadeiro santuário que Deus esperava, um santuário que distava anos-luz dos planos do rei David (cf. 2Sm 7,1ss). Deus só está «à sua vontade», por assim dizer, quando está em nossa casa, não numa casa de pedra. Quem sabe quando é que acabaremos com a mania de imitar o rei David nos seus preparativos de fausto e auto-satisfação, e quando encontraremos a calma, o silêncio, a paz, a oração, à imitação da Virgem de Nazaré, para viver esta época do ano como deve ser! Quando é que nos havemos de convencer que Deus não O encontramos nas coisas, no supermercado, no frenesim programado do consumismo?