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de

fundo

1ª leitura (Is 60,1-6):  Levanta-te, Jerusalém, e resplandece, porque está a chegar a tua luz! A glória do Senhor brilha sobre ti! Repara: as trevas cobrem a terra e a escuridão cobre os povos, mas sobre ti resplandece o Senhor. O esplendor da sua glória vai brilhar sobre ti. As nações serão iluminadas pela tua luz e os reis caminharão ao esplendor da tua aurora. Levanta os olhos e vê à tua volta: todos eles se reuniram para vir ao teu encontro. Os teus filhos chegam de longe, e as tuas filhas são transportadas nos braços. Perante essa visão, ficarás radiante de alegria; e o teu coração palpitará de estremecimento. Para ti afluirão as riquezas do mar e os tesouros das nações. Serás invadida por uma multidão de camelos, pelos dromedários de Madian e de Efá. Virão de Sabá trazendo ouro e incenso e proclamando a glória do Senhor.

 

* As nações serão iluminadas pela tua luz. Estamos, sem sombra de dúvida, perante um trecho altamente poético, em que Jerusalém (na releitura cristã, trata-se da Igreja) é apresentada como uma luz que brilha nas trevas e a ela ocorrem todos aqueles que andam errantes. Mas essa luz é uma luz reflectida; exactamente da Luz por excelência que é o próprio Deus, que nela habita. E, na verdade, sem cair em falsos triunfalismos, há que reconhecer que a Igreja, quando realmente se deixa guiar pela luz resplandecente do Senhor, é a única força capaz de aglutinar na unidade os mais variados povos. Nesse aspecto, este texto tem um claro cunho universalístico, que condiz efectivamente com o espírito da festa da manifestação (= epifania) do Senhor a todos os povos.

 

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2ª leitura (Ef 3,2-3a.5-6):  Com certeza que ouvistes falar da graça que Deus me confiou para vosso bem, a fim de realizar o seu plano: como, por revelação, me foi dado a conhecer o mistério. Não foi dado a conhecer às pessoas das gerações passadas, como agora foi revelado aos seus santos apóstolos e profetas por meio do Espírito. E o mistério é que os gentios são chamados, em Cristo Jesus, a participar da mesma herança, a ser membros do mesmo Corpo e a ser objecto da mesma promessa, por meio do Evangelho.

 

* O mistério é que todos são chamados a participar da mesma herança. O mistério confiado ao apóstolo Paulo é precisamente o seguinte: a salvação de Deus estende-se e aplica-se a todos povos - tanto judeus como não judeus. Jesus é apresentado no NT como a revelação de Deus, a palavra definitiva de Deus aos homens. À herança de Cristo são chamados não só os judeus (cf. Gl 4,4-7), mas também os pagãos, já que, desfeita toda e qualquer barreira (cf. Ef 2,14-18), eles formam juntamente com os judeus um único povo e são também eles participantes das promessas feitas aos antepassados: «Não há judeu nem grego; não há nem escravo nem livre; não há homem nem mulher, porque todos sois um só em Cristo Jesus. E, se sois de Cristo, sois então descendentes de Abraão, herdeiros segundo a promessa» (Gl 3,28-29). Assim, todos podemos ter a certeza de que, embora «descendentes» dos pagãos, pela vontade Deus, participamos do mesmo mistério de redenção.

 

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Evangelho (Mt 2,1-12):  Na altura em que Jesus nasceu em Belém da Judeia, no tempo do rei Herodes, chegaram a Jerusalém uns magos vindos do Oriente que perguntaram: «Onde está o rei dos judeus acabado de nascer? Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo». Ao ouvir uma tal notícia, o rei Herodes ficou perturbado, bem como toda a Jerusalém com ele. Reuniu então os sumos-sacerdotes e os escribas do povo e perguntou-lhes onde devia nascer o Messias. Eles responderam: «Em Belém da Judeia, pois assim foi escrito pelo profeta: “E tu, Belém, terra de Judá, não és, de modo nenhum, a menor entre as principais cidades da Judeia; porque de ti vai sair o Príncipe que há-de apascentar o meu povo de Israel”». Então Herodes mandou chamar em segredo os magos e pediu-lhes informações exactas sobre a data em que a estrela lhes tinha aparecido. A seguir, enviou-os a Belém com as seguintes instruções: «Ide e informai-vos cuidadosamente acerca do Menino. E, quando o tiverdes encontrado, vinde comunicar-mo, de maneira que também eu possa ir prestar-lhe homenagem». Depois de terem ouvido o rei, os magos puseram-se a caminho. E tornaram a ver diante deles a estrela que tinham visto a Oriente. Ao chegarem ao lugar onde estava o Menino, a estrela parou. Ao verem a estrela, sentiram imensa alegria. Entraram na casa e, ao verem o Menino com a sua mãe Maria, prostraram-se e adoraram-no. E, abrindo os cofres, ofereceram-lhe presentes: ouro, incenso e mirra. Avisados, depois, em sonhos, para não voltarem a Herodes, regressaram ao seu país por outro caminho.

 

* Ao verem a estrela, sentiram grande alegria. Não entrando na «questão» de exegese, deve-se dizer que esta história dos chamados Magos vindos do Oriente - exclusiva do evangelista Mateus - tem por objectivo mostrar que o Salvador que acaba de nascer não é «propriedade exclusiva» dos judeus. Ele nasce para toda a humanidade, representada precisamente pelos Magos. Os pagãos são atraídos pelo grande astro de Deus, que é Jesus nascido em Belém. A história tem neste Menino o seu ponto mais alto, mas ela não é um ponto de chegada apenas, mas sim um ponto de partida. A nova «ordem das coisas» é, sim, a continuação da antiga, mas é, ao mesmo tempo, uma ruptura com o passado, que acontece não graças à força da Lei, mas sim à força da fé e do amor. Disso são testemunho os Magos, que graças à astrologia, chegam à fé, ao passo que contra-testemunho são Herodes e os seus conselheiros que, apesar do seu background de judeus a par dos «segredos» do Messias, se recusam a aderir à nova ordem.

 

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.

* A glória do Senhor brilha  sobre ti.          

* Todos os  povos são chamados, em Jesus Cristo, a  participar  da mesma herança.        

*  Viemos do Oriente para adorar o Rei.

MAGOS:

O SÍMBOLO

DA

SALVAÇÃO

PARA

TODOS.

 

  • A salvação é para todos

 A festa da Epifania (= manifestação do Senhor), segundo a tradição latina ocidental, é o fim e coroamento, digamos assim, das celebrações natalícias, que terminam oficialmente com esta festa. É uma ocasião propícia a uma reflexão sobre os «últimos dados» (ou seja, a manifestação aos Magos) fornecidos em ordem à compreensão do mistério da Incarnação; nomeadamente no que se refere ao seu alcance fora do chamado «povo de Deus», ou seja, a expansão da mensagem de salvação de Jesus a todos os povos da terra.

A descrição do esplendor de Jerusalém, para onde vão acorrer todos os povos (1ª leitura) é feita em tons poéticos bastante ousados. O que dá claramente a entender que os dados não são para interpretar à letra. Isso parece-me uma razão muito forte para desconfiar de que talvez a intenção do seu autor (o Terceiro-Isaías) não seja apenas referir-se à «cidade santa» em termos sócio-geográficos.

Essa intuição é, aliás, comprovada e especificada pela leitura do Evangelho deste dia. Com efeito, da reflexão da Igreja sobre o «episódio» dos Magos podem extrair-se várias conclusões ou mensagens; nomeadamente: o mistério do chamamento de todos os povos à fé; e que, para Deus, não há nem privilegiados nem excluídos, pois a todos Ele manifesta o seu amor e desejo de salvar.

A luz da estrela que guiou os Magos é o símbolo do chamamento de Deus através da «evidência» de numerosos e diversificados meios. A partir de agora (estes tempos que são os últimos), essa luz deve manifestar-se para iluminar todos os povos, a fim de que todos confluam na unidade duma só fé. Uma das missões mais importantes da Igreja é, pois, revelar este segredo misterioso (2ª leitura): a salvação destina-se a todos.

  • Que tipo de salvação?

 As três leituras, portanto, com matizes diferentes, focam o tema da salvação oferecida a todos os povos. Segundo a primeira dessas leituras, a oferta de salvação a todos é feita, em primeiro lugar, através da cidade santa de Jerusalém e do povo eleito. A segunda leitura diz que a salvação é um dom gratuito e inescrutável de Deus. A leitura evangélica, por seu lado, pode ser um convite a meditar sobre as atitudes opostas dos Magos e do rei Herodes.

Suponho que o evangelista Mateus, com este episódio (exclusivo dele), está consciente de que estas duas atitudes opostas exprimem uma espécie de arquétipo de comportamento aplicável ao homem de todos os tempos. Como é óbvio, Mateus não poderia ter utilizado este tipo de linguagem, mas a ideia é essa. Ou seja, também hoje (como em todos os tempos), a oferta de salvação, que Deus nunca deixa de fazer a cada um segundo as próprias inclinações, encontra sempre quem a acolhe e quem a rejeita.

 A mim parece-me que, para além dos traços mais ou menos lendários e folclóricos da visita dos chamados «Reis Magos» (o Evangelho, com efeito, não diz nem que eles sejam reis nem que sejam três, mas este é um assunto que não é minha intenção discutir), Mateus quer realçar precisamente este facto: que uns (judeus, Herodes incluído), que teriam mais obrigação de descobrir o Messias, o não reconheceram; e que outros (os pagãos, aqui representados por «uns Magos vindos do Oriente»), que desconheciam o que acerca dele estava escrito na Bíblia ou Escritura, o reconheceram. E obviamente é essa a mensagem que ele quer transmitir, em primeiro lugar, aos seus leitores; os daquele tempo e a nós hoje.

  • A caminho do universalismo

 Entre as iniciativas levadas a cabo pelo II Concílio do Vaticano, uma das ideias mais importantes e significativas é, sem dúvida, a referência contínua à unidade fundamental da família humana; que naturalmente dever ser aglutinada pela doutrina de Jesus Cristo. Di-lo claramente, por exemplo, a GS (Gaudium et Spes 24, 26 e 27), que não temos espaço para transcrever, mas cuja leitura aconselho.

Não obstante todos os sinais adversos, continuo a pensar que a humanidade tende para o universalismo a escala tão universal que um novo tipo de homem nascerá, apesar dos sinais negativos e das limitações que, em muitas partes, ainda se notam. Perante Deus, todos os homens são fundamentalmente iguais, sem distinções e limites de raça, fronteiras, espaço e tempo. E, com o tempo, chegar-se-á a essa verificação.

Sem cair num optimismo exagerado, eu diria que este é também um dado característico da esperança contemporânea, embora nem sempre explícito. Aliás, esta tendência para o universalismo, apesar de desvios incríveis que nos surpreendem (particularmente agora, em que as guerras e os efeitos do terrorismo global proliferam), sempre foi uma constante, sobretudo a partir da vinda de Jesus Cristo. Os acontecimentos dos dias que correm não lançam apenas sinais negativos sobre os destinos da humanidade.

A história é testemunha da utilização de diversos meios, geralmente violentos (é preciso acrescentar) para atingir esse objectivo, por vezes com resultados totalmente nefastos e condenáveis. Mas o princípio em si é valido: o universalismo é um sonho que não se pode anular, apodando-o simplesmente de utópico. Só que, também nesta matéria, os fins não justificam os meios. E as pessoas têm a tendência a confundir isso.

  • Caminharão os povos à tua luz

De acordo com a Bíblia, Israel, sem algum mérito da sua parte, foi o primeiro escolhido a ser o povo de Deus e foi encarregado de reunir todos os povos, realizando assim a promessa de universalidade que a missão do Messias claramente implica e anuncia. Só que os seus chefes e líderes espirituais cometeram o grave erro de pretender realizar esse objectivo por intermédio de ritos e práticas simplesmente exteriores. O anúncio da formação dum novo povo de Deus, em dimensões universais, prefigurado e preparado no âmbito do «povo eleito», realiza-se plenamente a partir da figura e na pessoa de Jesus, para o qual converge e no qual se recapitula todo o plano de Deus.

Segundo a óptica do evangelista S. Mateus, ao convocar os Magos do Oriente, Jesus começa a reunir todos os povos, independentemente da raça, e começa a dar unidade à família humana. Poderá demorar tempo (e para Deus o tempo não conta), mas o certo é que a universalidade chegará a ser uma realidade quando a fé em Jesus Cristo fizer cair as barreiras existentes entre os homens, levando-os a sentir-se todos filhos de Deus e, por conseguinte, todos irmãos uns dos outros.

A semente lançada nessa altura (na plenitude dos tempos, segundo a expressão da Bíblia) dá, de facto, origem a um novo povo que é a Igreja, que, em termos mais correctos de uma sã teologia, é considerada mais como comunidade de vida dos crentes do que organização geograficamente delimitada. Através dos séculos, ela realiza e dá testemunho, por entre muitos avanços e recuos, do chamamento universal de todos os homens para a salvação operada por Jesus.

É um facto que, pelo menos aparentemente, ainda estamos muito longe duma realização universal. Mas, por outro lado, é fantástica a visão final do NT: uma multidão de raças, de povos e de línguas, que saúdam em Deus o rei das nações, habitará na nova Jerusalém, onde a família humana reencontrará a unidade tão almejada (cf. Ap 14, 6ss).

  • ... Entretanto, caminhamos com os Magos

 Termino este comentário citando duas reflexões. Da primeira é autor Rosario Esposito (in Rivista Pastorale): «Na história cristã, os Magos sempre suscitaram admiração... Seja qual for a historicidade ou não do facto, entendida no sentido crítico do nosso tempo, a nós interessa-nos é saber o que o hagiógrafo, divinamente inspirado, quis transmitir aos leitores da primeira geração cristã e a todos os que, disponíveis à acção do Espírito Santo, se lhes seguiram no decorrer dos séculos».

«E o facto decisivo é este: os Magos, embora provenientes dum ambiente totalmente estranho à revelação, são capazes de ler nas trajectórias e nas conjugações astrais uma mensagem que sugere um acontecimento novo de grande relevância. E não perdem tempo a verificar os mínimos pormenores. Dão-se logo conta de que algo de importante se está a passar em qualquer parte e, portanto, não se demoram...».

«As grandes empresas nascem de intuições imprevistas: se se dá ouvidos à inspiração, encontram-se grandes coisas. Se, ao contrário, se dá atenção, antes de mais, aos próprios cálculos, fica-se sempre prisioneiro das próprias pequenas coisas...».

«A espiritualidade dos Magos tem que ser identificada em todas as pessoas e grupos sociais que, à nossa volta, andam à procura de novas vias de promoção do diálogo entre as nações e as culturas e que não têm medo de ir ao encontro de momentos de obscuridade, de desvio ou desfalecimento».

  • O caminho faz-se com o coração

A segunda citação é da autoria do saudoso teólogo Karl Rahner: «O coração dos Magos pôs-se a caminho de Deus no exacto momento em que os seus passos se dirigiam para Belém. Eles procuravam a Deus, mas era Deus que guiava a sua procura, logo a partir do momento em que eles a iniciaram. Eles pertencem ao número dos que são devorados pela fome e sede da justiça e recusam a tentação de que, se Deus quer que o homem dê o primeiro passo, Deus tem que dar primeiro mil passos...».

«Eles procuram a Deus no firmamento, mas também o procuram no coração; procuram-no no silêncio, mas também nas perguntas que dirigem às pessoas, incluindo os judeus e as suas Escrituras. Vêem uma estrela levantar-se no firmamento de forma insólita e, de imediato, como que por uma doce condescendência de Deus, a sua astrologia torna-se o único meio para responder às expectativas do coração inocente... O coração terá tremido um pouco, como aliás também terá tremido a sua ciência. A vaga ideia de que os judeus esperavam um Salvador tomava de repente o aspecto de uma exigência prática: a duma viagem muito concreta a encetar... Não era talvez uma falta de realismo e de sentido prático ter tomado uma semelhante decisão?... Mas, não! Inclinam-se e partem».

    «Eis que, logo que abandonam a casa e correm o risco daquele salto corajoso, que lhes era exigido, o coração se lhes torna imediatamente mais leve. Acontece sempre assim àqueles que, tendo arriscado tudo, se revelam mais corajosos do que o que a sua vida precedente de todos os dias poderia levar a crer» (Comentários do ano litúrgico, Karl Rahner).