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fundo

1ª leitura (2Sam 5,1-3):  Todas as tribos de Israel foram ter com David a Hebron e disseram-lhe: «Nós somos da tua carne e do teu sangue. Tempos atrás, quando Saul era ainda nosso rei, guiaste o povo de Israel na batalha e o Senhor prometeu-te que irias ser rei deste povo». Vieram então todos os anciãos de Israel ter com David a Hebron. David fez com eles, perante Deus, uma aliança sagrada e eles sagraram-no rei de Israel.

 

* David fez com Deus uma aliança sagrada.

A relevância dos acontecimentos do passado não se mede nem da abundância das palavras nem da sua eloquência. Esta leitura é disso um exemplo. De facto, com poucas palavras, é narrado um dos acontecimentos fundamentais da história de Israel: David é ungido como rei e é reconhecido como tal por todas as tribos de Israel. Cumpre-se assim uma «promessa» do Senhor contida no primeiro livro de Samuel (cf. 16,1.13). Agora, o que talvez valha a pena realçar é o facto de o escolhido ser o mais novo de oito irmãos (cf. 1Sam 16, 10ss). O que significa que, aos olhos de Deus, não conta o aspecto e o lugar que se ocupa, mas sim o coração. De resto, no fundo, o grande «projecto» de Deus não se consubstancia num reino terreno, mas sim num reino celeste e esse nasce sobretudo no coração, espalhando depois a sua influência nas realidades terrenas. Digo mais: só esse tipo de reino é realmente eficaz na transformação da realidade, porque esta não muda se não mudar o coração. Seja como for, a aliança que Deus faz com David e, por seu intermédio, com o povo, é uma aliança sagrada e é essa que deve ter importância.

 

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2ª leitura (Cl 1,12-20):  ... Cristo é a imagem visível do Deus invisível. Ele é o primogénito superior a todos os seres criados. Por meio dele, Deus criou tudo no céu e na terra, criou as coisas visíveis e invisíveis, incluindo os poderes espirituais, as potestades, os reis e as autoridades. Deus criou todo o universo por Ele e para Ele. Cristo existe antes de todas as coisas e é por Ele que tudo subsiste. Ele é a cabeça do corpo que é a Igreja. Ele é a fonte da vida desse corpo. Ele é o primogénito que ressuscitou dos mortos, de maneira que tem o primeiro lugar entre todas as coisas. Foi pela decisão soberana de Deus que o Filho tem em si mesmo a plena natureza de Deus. É pois através do Filho que Deus decidiu reconciliar consigo todo o universo.

 

* Imagem visível do Deus invisível.

Começo por dizer que não devemos esquecer que o pano de fundo que ilustra esta Carta de S. Paulo é o facto de haver na comunidade de Colossos alguns elementos que queriam desvalorizar a importância essencial de Cristo, tentando fazer passar a ideia de que era realmente um grande homem - talvez o maior de todos os homens - mas não mais do que isso. É um erro que começou cedo e que, pelos vistos, continua a grassar, pois a grande preocupação de alguns escritores e até cineastas (que até ganham dinheiro com isso) é tentar fazer crer exatamente que, afinal, Jesus não foi mais do que um homem. Pois bem, claramente, este texto aos cristãos de Colossos é a afirmação da identidade de Jesus com Deus e um hino entusiasta ao primado absoluto de Cristo. É precisamente nesse sentido que se pode atribuir a Jesus Cristo também o título de rei (se bem que as modas de hoje em dia não aprovem muito este aspeto). E então, se Ele tem o primado absoluto, pode-se dizer que Ele é o rei do universo.

 

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Evangelho (Lc 23,35-43):  O povo estava ali a olhar enquanto os chefes judeus faziam troça dele: «Salvou os outros. Vamos ver se é capaz de se salvar a si mesmo, se é que é o Messias que Deus escolheu!». Também os soldados faziam pouco dele. Aproximando-se para lhe oferecer vinagre, diziam: «Salva-te a ti mesmo, se és o rei dos judeus!». Ao alto, por cima da sua cabeça, estava a seguinte inscrição: «Este é o Rei dos Judeus». Até um dos criminosos que tinham sido crucificados com Ele o insultava gritando: «Não és tu o Messias? Então, salva-te a ti mesmo e a nós!». Todavia, o outro, respondeu-lhe dizendo: «Não temes a Deus, tu que recebeste a mesma sentença que Ele? Nós estamos a pagar pelo que merecemos. Agora, Ele não fez nada de mal». E depois acrescentou: «Jesus, lembra-te de mim quando entrares no teu Reino». Jesus respondeu-lhe: «Em verdade te digo: hoje mesmo estarás comigo no paraíso».

 

* Hoje estarás comigo no paraíso.

Jesus é apresentado como o justo sofredor, aquele que, em nosso nome, paga a nossa dívida. Só isto é suficiente para concluirmos que a forma como Ele nos quer «conquistar» não é através da força e da «vingança definitiva» dos bons sobre os maus. Já agora, entre parêntesis, quem são os  bons e quem são os maus? Segundo o texto de hoje, Jesus morre cravado numa cruz. Pois bem, é esse o trono sobre o qual o coloca o evangelista Lucas. Mais uma vez, como muito bem disse Isaías, os caminhos de Deus não são os nossos caminhos e os seus planos não são os nossos planos (cf. Is 55,8). A forma como Ele procede, por vezes, chega a escandalizar-nos, porque faz precisamente aquilo de que nós não estamos à espera. A propósito, repare-se na «facilidade» com que Ele perdoa ao ladrão arrependido. Se calhar, temos que confessar que aceitamos esta sua atitude com relutância, porque - achamos - as coisas não se fazem assim. Ora, já alguma vez se viu perdoar assim com tanta facilidade? Não será isso não se dar ao respeito? Mas, a verdade é que, embora porventura contra a nossa opinião, aquele a quem nós começámos a chamar o «bom ladrão» foi de facto o primeiro a ser «canonizado», e directamente por Jesus. Jesus começou, logo ali, ainda pregado na cruz, a ser o rei dos corações. E é rei assim que Ele quer ser.

 

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 *     David é ungido como rei de Israel.

 

 *    Cristo é a imagem visível do Deus invisível. Deus criou tudo por Ele e para Ele.

 

 *    «Senhor, lembra-te de mim quando entrares no teu Reino».

HOJE

MESMO ESTARÁS COMIGO NO PARAÍSO.

 

  • Tragédia igual a salvação

    Paulo, na sua pregação, partia sempre, em termos de evangelização, do acontecimento por excelência do cristianismo, que é a ressurreição de Cristo: «Cristo é o princípio, o primogénito daqueles que ressuscitam de entre os mortos».

 

    Com Cristo, começa a nova etapa que atingirá a sua plenitude decisiva e definitiva na hora escatológica. Ora, este acontecimento salvífico não é algo de improvisado que Deus tenha «imposto» ao curso da história, mas faz parte do projeto divino da criação. A pessoa de Jesus Cristo como que está «implicada» substancialmente em todo o contexto cósmico, sendo a absoluta razão de ser de todas as coisas.

 

    Todavia, este «acto salvífico» não foi posto em prática a partir duma plataforma puramente espiritualística, digamos assim, quase angélica (à falta de melhor, estou a expressar-me por palavras humanas). O Salvador assumiu misteriosamente a miséria e limitações humanas, submetendo-se, por assim dizer, a todas as suas consequências... Mas, mais do que as palavras de quem quer que seja, leiam-se devagar as palavras do «hino cristológico» da Carta aos Colossenses, que é proposta para hoje.

 

  • Cristo: rei da reconciliação

    «À semelhança do que acontecia com todas as coisas importantes na Lei mosaica, também era necessário que a entronização fosse reconhecida pelo menos por duas testemunhas. Pois bem, enquanto as testemunhas da investidura real da Transfiguração são duas das principais figuras do Antigo Testamento (Moisés e Elias), ao contrário, as duas testemunhas da entronização do Gólgota são só dois vulgares ladrões e assassinos... o que fica a demonstrar que, para Jesus, o modo de exercer a sua realeza sobre os homens, incluindo os seus inimigos, é o de lhes oferecer o perdão» (cf. comentário próprio do dia do Messale dell'Assemblea Cristiana). Naturalmente, para que se torne efectivo, ocorre que a humanidade aceite este perdão de Deus. Como diria o papa Francisco, Deus está sempre pronto a perdoar, mas nós nem sempre estamos prontos para pedir perdão.

 

  • A realeza de Jesus hoje

    A celebração solene da realeza de Jesus Cristo fecha o ciclo litúrgico ordinário, sendo que o próximo domingo (I do Advento) assinala o início dum novo ano litúrgico. No coração da assembleia cristã, ergue-se a figura soberana do Salvador, que parece chamar todos os seus «súbditos».

 

    Como acontece com todos os soberanos da terra, também Ele é talvez imaginado num trono e rodeado de toda a sua corte. Qualquer um de nós pode cair nessa tentação de o contemplar como o Rei dos Reis, em «toda a honra e glória», mas, pelos vistos, não foi essa imagem que Ele pessoalmente quis deixar. Na sua experiência terrena, Ele preferiu não ser rei nesse estilo. E o evangelista S. Lucas não deixa dúvidas a esse respeito. O texto de hoje dá um valor especial à vertente do perdão, dando a entender que o verdadeiro reino de Jesus é o coração do homem. Disso é exemplo o malfeitor arrependido e a frase que Jesus pronuncia em relação aos seus inimigos mais terríveis, como eram, por exemplo, os que O tinham crucificado: «Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem». 

 

   Os reis e os grandes da terra fazem-se servir, mesmo quando afirmam solenemente que o seu objetivo é servir o povo. E nem sequer lhes passa pela cabeça, nem por sombras, ver diminuído o seu poder e os benefícios que advêm desse poder. Para eles, não faz sentido nenhum dizer que vence quem sabe perder. Nesse aspecto, Jesus Cristo é um rei que não faz concorrência a nenhum dos reis terrenos. Por isso, não se percebe porque é que há ainda tanta gente - sobretudo entre os grandes da terra e os que se julgam grandes e influentes - que tem tanto «medo» de Jesus.

 

  • Um reino totalmente diverso

    Apesar de a monarquia não ser hoje em dia uma instituição muito da moda (pelo menos é essa a propaganda que se faz nos chamados regimes republicanos) há, todavia, exemplos de monarcas que não têm nada a invejar, em matéria de governo, a outros que se reclamam republicanos e democratas. De resto, pensando bem, a ideia que se tem de rei ou monarca numa monarquia supostamente reveste-se duma cor simpática.

 

    Como é evidente, não é minha intenção meter-me agora em política. Aquilo que quero realçar é apenas o facto de que, mesmo para quem não tenha fé, a realeza de Cristo hoje não deveria colocar dificuldades intransponíveis, desde que seja apresentada segundo as coordenadas evangélicas. Acho que, hoje em dia, não há ninguém que não esteja disposto a aceitar um rei que é um rei de paz, de justiça, de amor, completamente alheio a qualquer aspiração de tipo político.

 

   Bom, mas não basta aos cristãos ter um rei semelhante. É necessário que eles sejam realmente «súbditos» dum rei assim. Mas o que acontece infelizmente é que muitos cristãos, com frequência, pretendem (como pretendiam os contemporâneos de Jesus e até os seus próprios apóstolos e amigos) um rei que «dê cabo» de tudo e de todos com a força e com o poder da sua omnipotência. Por outras palavras, os cristãos, na prática, muito facilmente se esquecem que Jesus Cristo é o Rei dos Reis por ser o único mediador da salvação: que nele todas as coisas têm a sua verdadeira consistência. Cristo é aquele por quem tudo foi feito. Ele é o primogénito de toda a criação. Só Ele é a imagem perfeita do Deus invisível. Só Ele, biblicamente e por excelência, é o «rei da criação».

 

  • Realeza da liberdade e responsabilidade

    A «realeza» de Jesus Cristo é universal, exercendo um «poder efectivo» sobre todos e tudo. Mas situa-se numa outra esfera de actuação que não pura e simplesmente a humana. É nessa esfera que nenhuma realidade escapa ao seu juízo supremo. Sendo Ele, como de facto é, o Filho de Deus, com a sua morte, livrou todo o género humano do pecado. Ora, quem resgata alguém duma escravidão, de alguma forma é seu «patrão».

 

    A realeza de Cristo é um tema cristológico abundantemente tratado em teologia. Em todo o caso, só que as naturais consequências aplicadas ao papel que a Igreja deve exercer no mundo é que nem sempre foram as mais lógicas. A pretexto de implantar em todo o mundo o que era (e é) designado por Reino de Deus, cometeram-se muitas «barbaridades», que a história tem imensa dificuldade em esquecer, apesar dos esforços que têm sido envidados no sentido de enquadrar o momento histórico em que se deram e apesar do facto de, várias vezes, já ter sido pedido publicamente perdão pelos erros do passado. Na prática, deu-se o que o próprio Jesus se esforçou por evitar a todo o custo: que a sua realeza se apresentasse sob a capa do poder e da instituição política.

 

    Não há nenhum argumento escriturístico válido para justificar uma situação de privilégio para a Igreja neste campo. Isso todos nós o sabemos perfeitamente em teoria. Mas, infelizmente, ainda há certas correntes que, de bom grado, voltariam a algumas práticas e processos que não se compadecem nem com a verdade bíblica nem com as circunstâncias do mundo actual. Ou seja, não podemos, como cristãos, apelar para a realeza de Cristo no sentido de defender a todo o custo certas instituições, que de cristãs nada têm, e para combater os «inimigos» da Igreja com um espírito que não é o espírito do mandamento de Jesus: amar os próprios inimigos; ou, melhor ainda, tudo fazer para não ter inimigos.

 

    Por um lado, vivemos numa sociedade que põe cada vez mais dificuldades à actividade dos cristãos. Por outro lado, talvez por linhas tortas, a concepção da realeza de Cristo aos poucos é assim purificada dos elementos algo espúrios, que nada contribuem para que a real mensagem de Cristo penetre na sociedade.