1ª leitura (Sir 15,15-20): Se quiseres, observarás os mandamentos. Ser-lhes fiel será questão da tua boa vontade. Ele pôs diante de ti o fogo e a água. Estende a mão para o que quiseres. Diante do homem estão a vida e a morte. O que ele escolher isso lhe será concedido. É grande a sabedoria do Senhor, Ele é forte e poderoso e vê todas as coisas. Os olhos do Senhor estão sobre os que o temem. Ele conhece as acções de cada homem. A ninguém Ele deu ordem para fazer o mal e a ninguém deu permissão de pecar.

* Ser fiel aos mandamentos depende de ti.

   Jesus, filho de Sirá, que é o autor deste livro - também conhecido por Sirácide ou então Eclesiástico - afirma, contra toda a tendência fatalista, que o homem é responsável pelos seus atos e, portanto, pela sua vida e pelo seu destino. Ao falar de destino, é possível que surja a objeção clássica: se a gente já tem o destino traçado, então não há nada a fazer. E esta é uma objeção que contém uma espécie de cilada quando aplicada à salvação ou à condenação eternas. Mas a verdade é que, segundo este nosso autor, essa objeção não tem razão de ser porque, seja como for, Deus não dá ordens a ninguém para fazer o mal e para pecar. Agora, o que acontece, porém, é que Deus, como o dá a entender também o autor («Deus vê todas as coisas»), sabe no mesmíssimo instante aquilo que é a vida das pessoas desde o primeiro momento até ao último. Mas isso não quer dizer que Deus tire ao homem o dom inestimável da liberdade, embora sabendo de antemão qual o uso que ele dela irá fazer. O facto de Deus saber o que se passa em todo o instante na vida das pessoas não é razão para estas deixarem de tomar nas próprias mãos as rédeas do destino, porque isso é um facto que depende das decisões de vontade.

2ª leitura (1Cor 2,6-10): Irmãos, é de sabedoria que falamos entre os perfeitos. Mas trata-se de sabedoria que não é deste mundo, nem dos chefes deste mundo, votados à destruição. Ensinamos a sabedoria de Deus, mistério que permaneceu oculto e que Deus, antes dos séculos, predestinou para nossa glória. Nenhum dos chefes deste mundo a conheceu, pois, se a tivessem conhecido, não teriam crucificado o Senhor da glória. Mas, como está escrito, o que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram, o coração do homem não pressentiu, isso Deus o preparou para aqueles que o amam. A nós, porém, Deus revelou-o por meio do Espírito. Pois o Espírito tudo penetra, até às profundidades de Deus.

* Nem sequer imaginamos o que Deus tem preparado para nós.

    Esta leitura vem na sequência da insistência de Paulo em que aquilo de que ele fala não tem a ver com aquilo que as pessoas julgam inteligente, interessante e científico. Houve sempre a tentação (e continua a haver) - bem, eu quase diria, a mania - de afirmar que o que não se puder provar cientificamente não tem valor. Uma das grandes objeções que se continuam a opor à religião, e nomeadamente ao cristianismo, é o facto de que não se baseia em «dados objetivos e científicos». E há pessoas de tal maneira entrincheiradas no seu cientifismo que se tornam mais dogmáticas ainda do que as que supostamente baseiam os seus raciocínios em normas e princípios dogmáticos. Agora, o que me parece uma evidência (embora não pareça a todos) é que nem só o científico é verdadeiro. É como se me viessem dizer que a mensagem duma poesia não é verdade porque não é história ou ciência. Só que, para descobrir a verdade daquilo que não é científico, é preciso algo mais do que a simples inteligência, por maiores capacidades que se tenham. É preciso que o homem aja na sua globalidade, com a sua inteligência, a sua vontade, os seus sentimentos, a sua interioridade. Só nesse caso é que é possível intuir o que Deus tem preparado para nós. Ou seja, só nesse caso é possível intuir que, com a ajuda do Espírito, é inclusivamente possível atingir, de alguma forma, a profundidade de Deus.

Evangelho (Mt 5,17-37): Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas. não vim revogá-los, mas levá-los à perfeição. Porque em verdade vos digo: Até que passem o céu e a terra, não passará um só jota ou um só ápice da Lei, sem que tudo se cumpra. Portanto, se alguém violar um destes preceitos mais pequenos, e ensinar assim aos homens, será o menor no Reino do Céu. Porque Eu vos digo: Se a vossa justiça não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, não entrareis no Reino do Céu. Ouvistes o que foi dito aos antigos: Não matarás. Aquele que matar terá de responder em juízo. Eu, porém, digo-vos: Quem se irritar contra o seu irmão será réu perante o tribunal. Quem lhe chamar imbecil, será réu diante do Conselho. E quem lhe chamar louco será réu do fogo do inferno. Se fores, portanto, apresentar uma oferta sobre o altar e ali te recordares que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa lá a tua oferta diante do altar e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão; depois, volta par apresentar a tua oferta. Com o teu adversário mostra-te conciliador, enquanto caminhardes juntos, para não acontecer que ele te entregue ao juiz e este à guarda e te mandem para a prisão. Em verdade vos digo: Não sairás de lá até que pagues o último cêntimo. Ouvistes o que foi dito: Não cometerás adultério. Eu, porém, digo-vos que todo aquele que olhar para uma mulher, desejando-a, já cometeu adultério com ela no seu coração. Portanto, se a tua vista direita for para ti origem de pecado, arranca-a e lança-a fora, pois é melhor perder-se um dos teus órgãos do que todo o teu corpo ser lançado na Geena. E se a tua mão direita for para ti origem de pecado, corta-a e lança-a fora, porque é melhor perder-se um só dos teus membros do que todo o teu corpo ser lançado na Geena. Também foi dito: Aquele que se divorciar da sua mulher, dê-lhe documento de divórcio. Eu, porém, digo-vos: Aquele que se divorciar da sua mulher - excepto em caso de união ilegal - expõe-na a adultério, e quem casar com a divorciada comete adultério. Do mesmo modo, ouvistes o que foi dito aos antigos: Não perjurarás, mas cumprirás diante do Senhor os teus juramentos. Eu, porém, digo-vos: Não jureis de maneira nenhuma: nem pelo Céu, que é o trono de Deus, nem pela Terra, que é o estrado dos seus pés, nem por Jerusalém, que é a cidade do grande Rei. Não jures pela tua cabeça, porque não tens poder de tornar um só dos teus cabelos branco ou preto. Seja este o vosso modo de falar: Sim, sim; não, não. Tudo o que for para além disto procede do espírito do mal.

* Não vim revogar a Lei e os Profetas, mas sim aperfeiçoá-los.

   Este trecho, que é a continuação ou, se quisermos, a especificação do Sermão da Montanha, insiste, a meu ver, sobretudo na necessidade de olhar para a Lei e os Profetas sob a perspectiva do espírito. Ou seja, para poder estar de bem com Deus, digamos assim, não basta limitar-se a cumprir a letra das coisas. De resto, isso é patente quando se afirma no texto: «Se a vossa justiça não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, não entrareis no Reino do Céu». Jesus promete cumprir a Lei na sua integridade e isso refere-se, mais do que à letra ao espírito, até porque a letra mata e o espírito é que dá vida. Jesus não se contenta, pois, apenas com a «casca» da Lei, mas pretende que ela seja informada pelo amor, que a tudo dá sentido. A este propósito, diz S. Paulo que «o amor é o pleno cumprimento da Lei» (Rm 13,10). É com este espírito que se devem enfrentar os problemas concretos. No nosso texto, temos referências explícitas ao direito à vida humana (vida física e moral), à fidelidade e sinceridade no amor, à indissolubilidade do matrimónio e à necessidade de afirmar sempre a verdade. A moral cristã - e é de moral que se trata neste caso - não se pode limitar à observância ritualista dum determinado código de normas. Tudo isso, sem coração, de pouco vale. Quando se ouve, pois, a alguns cristãos dizer que «não matam, não roubam nem fazem mal a ninguém», há que concluir que se contentam com o chamado mínimo indispensável. Mas, na verdade, será mesmo esse o mínimo indispensável?