III DOMINGO DE ADVENTO

Temas

de

fundo

1ª leitura (Is 35,1-6a.8a.10):  Alegrem-se o deserto e a terra árida e desabrochem na estepe flores belas como narcisos. Sim, cubram-se de flores e transbordem de júbilo e de alegria. O deserto será belo como as montanhas do Líbano e fértil como os campos do Carmelo e como a planície de Saron. Todos verão a glória do Senhor e a grandeza e o esplendor do nosso Deus. Fortalecei as mãos débeis, robustecei os joelhos vacilantes. Dizei aos de coração pusilânime que tomem ânimo e não temam. O vosso Deus vem resgatar-vos e punir os vossos inimigos. Deus vem em pessoa retribuir-vos e salvar-vos. Então abrir-se-ão os olhos do cego, os ouvidos do surdo ficarão a ouvir, o coxo saltará como um veado e a língua do mudo gritará de alegria. Haverá aí uma estrada e um caminho que se chamará Via Sagrada. Os que o Senhor libertar é que passarão por ela. Chegarão a Sião entre cânticos de júbilo, com a alegria estampada nos seus rostos, transbordando de gozo e de alegria. Nos seus corações, não haverá mais tristeza nem aflição.

 

Que o coração pusilânime não tema.

 

   Não é assim tão difícil descobrir que o objetivo principal do profeta Isaías, com este trecho, é dirigir-se a gente abatida e desanimada, para lhe incutir coragem. Por isso,é muito possível que estas palavras sejam dirigidas, antes de mais, ao «resto de Israel», que estava ainda a viver no exílio da Babilónia (com efeito, a primeira deportação dá-se em 597 a.C.). Com a abundância de imagens que é característica deste escrito, Isaías procura incutir-lhes esperança, quando, com efeito, as pessoas constatam com tristeza e amargura que nada na vida lhes acontece como esperam. Em termos cronológicos, estar-se-á possivelmente nos últimos anos de atividade do chamado Primeiro Isaías. Mas as aplicações ficam bem a toda a gente de todos os tempos. O profeta dá a entender claramente que a autêntica salvação não pode vir nem do poder humano (pela assimilação, por exemplo, dos usos e costumes da Babilónia) nem da favorabilidade das circunstâncias, mas, sim, do Senhor. Nesse sentido, pode então dizer-se que ele antecipa, de alguma forma, o Segundo Isaías (cc. 40-54), cujo conteúdo tem a ver já com o regresso dos judeus do exílio. O acento vai, pois, para o facto de que é necessário não temer, mas sim confiar no Senhor. O que, naturalmente, continua a ser válido nos tempos que correm.

 

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.

2ª leitura (Tgo 5,7-10):  Irmãos, sede pacientes até à vinda do Senhor. Vede com que paciência o lavrador espera que a terra produza boas colheitas. Ele aguarda com paciência que venham as chuvas temporãs e também as tardias. Assim também vós deveis ser pacientes. Fortalecei os vossos corações na esperança, porque a vinda do Senhor está próxima. Não vos queixeis uns dos outros, irmãos, para não serdes julgados. Olhai que o Juiz já está à porta. Irmãos, tomai como modelos de perseverança e de paciência os profetas, que falam em nome do Senhor.

 * Fortalecei os vossos corações na esperança.

 

   Se bem que haja algumas dúvidas quanto ao saber ao certo quem é o autor desta Carta (se é ou não o apóstolo Tiago, que foi bispo da cidade-berço do cristianismo, Jerusalém), a verdade é que, em todo o caso, se trata de um escrito muito didático e moral, a ser aplicado a sério por todos na vida prática. Em termos de leitura, a compreensão da Carta de S. Tiago não apresenta dificuldades de maior. Eventualmente, o contexto desta leitura pode ligar-se ao facto de muitos cristãos não compreenderem o motivo por que «aos ricos tudo corre bem e aos pobres tudo corre mal». Esse seria, digamos assim, o pano de fundo. Mas isso não é um dado certo. Seja como for, esse é um problema também de hoje, sobretudo se dermos aos termos «rico» e «pobre» um sentido mais largo. Eu acho que, quando o tema é proposto assim, a resposta mais sábia e prática é a que dá o autor desta Carta, quer seja ele quer não: «Fortalecei os vossos corações na esperança, pois está perto (próxima) a vinda do Senhor». Esta expressão «a vinda do Senhor está próxima» não deve ser entendida como a marcação duma data e muito menos como ameaça, mas «demonstração» de que, ao fim e ao cabo, para quem crê, Deus está presente na vida e no destino das pessoas e das nações (em qualquer altura). Por outro lado, mesmo que nos pareça que tudo corre mal, nunca nos esqueçamos da sabedoria popular que diz que Deus nunca se deixa vencer em generosidade e, por isso mesmo, um dia, as coisas hão-de compor-se.

 

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.

 

Evangelho (Mt 11,2-11):  Quando João, que estava na prisão, ouviu falar das obras que Jesus fazia, enviou-lhe alguns dos seus discípulos com esta pergunta: «És Tu aquele que há-de vir ou devemos esperar por outro?». Jesus respondeu: «Ide contar a João o que vedes e ouvis: os cegos vêem e os coxos andam, os leprosos são limpos e os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e a Boa Nova é anunciada aos pobres. E felizes os que não se escandalizarem por causa de mim!». Enquanto os discípulos de João partiam, Jesus começou a falar de João às multidões: «O que fostes ver no deserto? Uma cana dobrada pelo vento? Sim, o que fostes ver? Um homem vestido de roupas luxuosas? Mas os que usam roupas luxuosas vivem nos palácios dos reis! Que fostes então ver? Um profeta? Sim, digo-vo-lo Eu. E mais que um profeta. Ele é aquele de quem está escrito: “Eis que envio o meu mensageiro à tua frente para te preparar o caminho”. Asseguro-vos que, entre os nascidos de mulher, não apareceu ninguém maior do que João Baptista. E, no entanto, o menor no Reino do Céu é maior do que ele». 

 

* À frente para preparar o caminho.

 

   Como é sabido, João Batista era primo de Jesus e, por isso, partimos facilmente do suposto que, em termos gerais, o conheceria bastante bem. No entanto, bem examinados os textos, as coisas não parecem bem o que são. Afinal, também João Batista tinha dúvidas acerca do seu primo. E isso torna-se ainda mais evidente, como se costuma dizer, «quando a vida aperta» (como é, por exemplo, o caso de João, que se encontra na prisão, donde já não sairá com vida). É então que a dúvida «existencial» o assalta e manda perguntar a Jesus se é Ele ou não Aquele que há-de vir, ou seja, o Messias. Então, assim, apesar de parente, talvez O não conhecesse assim tão bem como isso (nada se sabe da infância do Batista e, de resto, há conhecer e conhecer). Vindo a nós, parece-me que se trata de uma pergunta sempre atual: a de saber se realmente Jesus é o Mestre ou se devemos esperar por outro. Há certos momentos da vida das pessoas - e o caso do Batista não é exceção - em que se questiona se a ideia que temos do Messias corresponde ou não à ideia que Deus faz dele. Surgem então algumas dúvidas, que em si, ao fim e ao cabo, são perfeitamente legítimas. O Batista procura tirá-las e, ao que podemos supor, perante a resposta de Jesus, ele fica esclarecido e já pode morrer em paz. Nós também não devemos estranhar que nos assaltem as dúvidas (não ter dúvidas é que é de estranhar). O que temos a fazer é ver o que Jesus disse e fez e depois daí tirar as devidas consequências e aplicações à vida de todos os dias.

 

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.

*   Deus vem

    salvar-vos

    em pessoa.

 

*   Sede pacientes

    até à vinda

    do Senhor.

 

*   És Tu aquele

    que há-de vir

    ou devemos

    esperar

    outro?

OS CEGOS

VÊEM 

E OS COXOS

ANDAM,

OS

LEPROSOS 

SÃO

LIMPOS 

E OS SURDOS

OUVEM, 

OS MORTOS

RESSUSCITAM 

E A

BOA NOVA É

ANUNCIADA 

AOS POBRES.

 

  • Narcisos e lírios no deserto

     A imaginação poética de Isaías (1ª leitura) parece não conhecer limites. O seu estro é de tal forma fecundo que é capaz de transformar a terra árida em jardim de flores e frutos. Pois bem, como fiz na reflexão do domingo anterior, é caso para nos perguntarmos mais uma vez: a intenção de Isaías será mesmo referir-se a uma realidade «material» em que os narcisos e os lírios são protagonistas dos  poéticos do profeta e em que as leis da natureza são alteradas de maneira caprichosa? Para quem tiver o mínimo de familiaridade com a força das imagens, de modo particular no terreno da poesia, a resposta é obviamente negativa.

 

    O que acontece é que o profeta inventa e idealiza, com imagens, o que não lhe é possível abarcar ou definir na realidade. As palavras são insuficientes para veicular inteiramente as ideias. Mas, neste campo, a poesia tem um condão de fazer passar a mensagem que a prosa não tem. Em todo o caso, o objetivo do autor é chamar a atenção dos seus leitores precisamente para uma dimensão que ultrapassa a própria realidade. Assim, as suas palavras são um convite para que as pessoas saibam descobrir que, para além e apesar de todos os obstáculos e contrariedades, a esperança, como se costuma dizer popularmente, é a última a morrer. Até porque, mesmo que os problemas persistam (acrescento eu), não é deixando morrer a esperança que eles têm a possibilidade de serem resolvidos. E os concidadãos de Isaías viviam circunstâncias tão dramáticas que bem precisavam duma palavra de ânimo e esperança.

 

  • Optimista inconsciente?

    Mas, mesmo nessa perspetiva, não se pode dizer que Isaías tenha sido um otimista inconsciente em relação ao futuro. Ele sabia, porventura bem melhor que muitos outros do seu tempo (até pelo cargo que, segundo os exegetas, exercia de «consultor» oficial no palácio real) que a situação de Judá era catastrófica, sobretudo depois de Jerusalém ter sido arrasada pelo poder e pela prepotência da Babilónia e depois de os seus melhores cidadãos terem sido aniquilados ou então deportados para o cativeiro para serem escravos da Babilónia.

 

    Sendo assim, nesse contexto, o que Isaías pretende realçar é que, mesmo ou sobretudo nessas circunstâncias, não se justifica a atitude passiva dos que acham que é melhor baixar os braços. Antes pelo contrário, quando as coisas correm mal, é que é preciso reagir com maior determinação. É isso mesmo que o profeta se sente na obrigação de dizer aos seus concidadãos, utilizando para o efeito imagens que têm, pelo menos, o condão de despertar a atenção e de dizer o que outra linguagem não consegue dizer.

 

   Falando na sua qualidade de «porta-voz do Senhor», Isaías não pode deixar de aduzir também o que podemos chamar argumento «teológico»: ou seja, «Deus vem em pessoa retribuir-vos e salvar-vos» (Is 35,4c). Por outras palavras, Deus não se desinteressa da sorte do seu povo, pese embora o facto de as coisas não estarem a correr nada bem. Efetivamente, os judeus, a passar por uma situação calamitosa, não podem perder de vista que, à semelhança do que tinha acontecido no passado, Deus continua a ter os seus projetos para o futuro, embora, entretanto, seja preciso seguir por passagens intermédias cobertas por trevas e incertezas. É caso para repetir com o mesmo Isaías que os tempos de Deus não são os nossos tempos e é sua intenção salvar o maior número de pessoas.

 

   E Isaías exprime essa esperança e essa certeza com imagens fortes, que um dia virão a ser também utilizadas pelo próprio Jesus para descrever a sua própria missão: «Então se abrirão os olhos do cego, os ouvidos do surdo ficarão a ouvir, o coxo saltará como um veado e a língua do mudo dará gritos de alegria» (Is 35,5-6a).

 

  • Paciência para esperar

    Agora, podemos dar um passo em frente no aprofundamento ulterior desta reflexão sobre o tema da paciência. Não me é possível afirmar, de maneira categórica, o que o profeta Isaías tenha tido em mente ao falar de paciência, mas eu pessoalmente leio nas entrelinhas das suas palavras um apelo a que as pessoas não vejam apenas o lado obscuro da realidade, o lado fúnebre da escuridão.

 

    Utilizando também eu uma imagem, diria que, por exemplo, a noite, apesar de «meter medo», não é de maneira nenhuma apenas e exclusivamente tenebrosa por se caracterizar pela escuridão. Todos sabemos como ela é necessária e indispensável (através do sono) para o retempero e o equilíbrio físico e psicológico das pessoas e da própria natureza. Desta realidade nem sequer duvidamos, tão habituados estamos a ela, pese embora o facto de alguns «sinistros» peritos em não sei que ciência nos virem dizer que o sono é um estado de quase-morte. Seja como for, transpondo a imagem para as vicissitudes da vida das pessoas e da humanidade, há noites que não só não representam a morte da esperança, como são até o húmus graças ao qual irá desabrochar uma visão nova das coisas e do mundo.

 

    Quando Isaías diz aos seus concidadãos para não serem pusilânimes, mas para terem coragem e para não terem medo (cf. Is 35,4), certamente não está só a repetir frases bonitas de circunstância; e muito menos está a ser cínico. Perante tudo o que está a acontecer à sua volta, certamente ele não tem nenhuma vontade de ser cínico, até porque é um patriota como poucos. Mas, por outro lado, se ele faz apelo à «esperança», é óbvio que não se trata apenas de esperança superficial, circunscrita à situação temporal determinada que Judá está a viver.

 

    Se Isaías conseguiu ou não o seu intento de convencer o povo, é pouco provável, por que o povo acabou por ter que ir para o cativeiro, mas, em todo o caso, a sua preocupação era incutir, no coração dos seus ouvintes e leitores, a certeza de que, acontecesse o que acontecesse, Deus, um dia, havia de «escrever direito por linhas tortas». Ou seja, o conceito da certeza esperançosa de que os projetos do Senhor, no fim, se revelam corretos, não obtante todas as aparências em contrário, é acentuado de forma clara pelo profeta com imagens fortes e coloridas que entram pelos olhos dentro.

 

  • Mas... paciência operosa

    Em todo o caso, devo acrescentar que a paciência, a que até aqui me tenho vindo a referir, inclui uma componente ativa, que me parece muito importante. E trata-se da capacidade e sabedoria para descobrir os sinais dos tempos, não só num plano meramente humano, mas na óptica divina. Isto a nível de história individual e também a nível de histórica coletiva. Continuando a utilizar imagens, devem passar as diversas noites da história, digamos assim, antes de podermos contemplar a alvorada do dia escatológico.

 

   Assim, nesta mesma linha, penso que é também esta a forma correta de interpretar, por exemplo, em termos de linguagem actual, o pensamento do apóstolo Tiago, quando diz, nomeadamente: «Sede pacientes, irmãos, até à vinda do Senhor» (Tgo 5,7). A paciência, porém, não significa passividade face às situações concretas da vida. De resto, pode-se constatar que Tiago não se contenta em recomendar pura e simplesmente a paciência imobilista, como a de quem está à espera «para ver o que acontece». Tiago aduz, como exemplo e estímulo a todos os que vivem em dificuldades, a figura do agricultor que, para poder colher o fruto da terra, espera pacientemente pelas chuvas temporãs e tardias (cf. ibidem). A imagem do agricultor é a prova de que Tiago não se refere certamente a uma atitude de desinteresse e desresponsabilização.

 

    Por vezes, a espera pode apresentar-se-nos estéril, porque os «sinais» precursores da mudança das coisas tardam a aparecer. Pois bem, como se diz em linguagem popular, também neste caso, é preciso «dar tempo ao tempo», sem, no entanto, passar toda a vida a perder tempo. A paciência evangélica não deve ser uma resignação fatalista, mas sim a decisão de colaborar com o Senhor, mas tendo a consciência e aceitando que Ele continua a ser o «patrão» da história, respeitando, como é claro, os tempos previstos nos seus planos (e não os nossos tempos, porque Ele também é o Senhor e o «patrão» do tempo!).

 

    A paciência cristã implica, pois, uma operosidade cujos resultados sabemos serem lentos. Mas, voltando à imagem do agricultor, também sabemos que ele não fica só à espera que o seu campo produza frutos automaticamente. Antes de mais, tem que desbravar o terreno, semear, mondar, limpar e, quando é caso disso, regar. Desbravar e semear são muito importantes, são essenciais. E o trabalho não acaba aí: há que regar, arrancar as ervas daninhas... enfim, tudo o que um bom agricultor sabe que tem que fazer. E depois esperar - mais uma vez uma paciência esperançosa - que o fruto apareça graças a quem tem o poder de o fazer brochar.

 

  • Intervir não é destruir

    Este conceito de paciência faz-nos entender outro aspeto da existência, que podemos esquecer (e esquecemos) com facilidade, mas que Deus não esquece. No campo da vida moral e ética, mais frequentemente do que seria de desejar, em vez da paciência, o que nós cultivamos é a impaciência. Com efeito, temos imensa dificuldade em esperar que às situações dolorosas se sigam não só um maior amadurecimento mas também um conhecimento mais enriquecedor. Inclusivamente, por vezes, pretendemos a intervenção imediata de Deus para resolver tudo de maneira milagrosa, mas, claro, em primeiro lugar, em nosso proveito, mesmo que para isso os outros tenham de «perecer» ou pelo menos sofrer. A isso chama-se pura e simplesmente impaciência. Por mais que nos custe - e isso leva muito tempo a assumir - temos que aceitar que Deus, infinitamente paciente, não quer que ninguém se perca; nem sequer os que nós gostaríamos que se perdessem...

 

    Felizmente (para os outros - e também para nós), o Senhor é um Deus paciente, misericordioso e compassivo. Deus intervém quando lhe apraz, não para destruir, mas sim para construir, para salvar. Deus conduz o rumo da história dos homens e da humanidade em geral no sentido da salvação. E isso pode passar também por várias vicissitudes, que a nós nos parecem, no momento, negativas e dolorosas, mas que Deus «vê», num único golpe de vista, sob outra perspetiva e que, no fim, podem acabar por ser salvíficas para nós e para os outros. Temos que nos capacitar que é necessário ver as coisas - a história - com os olhos de Deus. E quem nos diz a nós que a perspetiva de Deus não é necessariamente a nossa perpetiva!

 

    A este propósito, talvez seja oportuno lembrar aqui a conhecida história ou parábola evangélica do trigo e do joio (cf. Mt 13,24-30), que são deixados crescer juntos. Perante uma proposta dos seus trabalhadores que pretendiam ir arrancar o joio, o dono do terreno responde: «Não (o arranqueis já), para que não suceda que, ao apanhar o joio, arranqueis também o trigo ao mesmo tempo» (Mt 13,29). Deus, que é Senhor do tempo, sabe dar tempo ao tempo melhor do que ninguém, porque pretende salvar o maior número de pessoas possível... E, já agora, melhor ainda se, entre o número daqueles que Ele quer salvar no último momento, estivermos nós (e os outros também)!

 

  • Os caminhos de Deus

    As pessoas raramente estão dispostas a aceitar os «tempos de Deus». Ao contrário de Deus, que (repito) é «cheio de misericórdia e compassivo» (cf. Tgo 5,11), os homens podem cair facilmente na tentação de querer mudar tudo através da simples eliminação e destruição, invocando raios e coriscos e ameaçando castigos tremendos e catastróficos, (sempre contra os outros, que são uns malandros).  Não sei se faço ofensa ou não a João Batista (certamente não é essa a minha intenção) se disser que nem sequer ele conseguiu evitar esses sentimentos salpicados de ameaças, vinganças e castigos. Com efeito, aquando do batismo de Jesus, e segundo as versões de Mateus e Lucas (cf. Mt 3,7-10; Lc 3,7-9), João Batista não se abstém de «dizer uma série de coisas» (isto para não utilizar a palavra «ameaça») àqueles que vêm ter com ele para serem batizados.

 

   Permito-me fazer esta espécie de parêntesis baseando-me justamente no texto evangélico proposto para hoje. É certo que, segundo o quarto Evangelho, João Batista apresenta a Jesus como «Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo» (cf. Jo 1, 29), mas isso não impede que eu faça uma pergunta que talvez alguém julgue menos legítima: segundo a maneira de pensar do Batista, até que ponto Jesus seria realmente o Messias que devia vir? Por outras palavras, a actividade de Jesus estaria de acordo com a figura de Messias que João Batista imaginara? Lendo o texto de Mateus de hoje, há razões para duvidar disso. Doutra forma, não se justificaria a «embaixada» que ele enviou a Jesus para lhe perguntar se era Ele ou não «aquele que devia vir».

 

    Isto dá a possibilidade de intuir que o próprio João Batista, nesse momento da sua vida (já estava na prisão, donde não sairia senão decapitado), ainda não parecia inteiramente livre da «configuração» política de que, no seu tempo, era rodeado o papel do Messias. João tinha descrito a chegada do Messias com sinais terríveis e castigos exemplares. E nada disso se tinha verificado na prática. Ao contrário, Jesus não só não condenava nem destruía os pecadores, como inclusivamente comia com eles, desfrutando da sua amizade (cf. Lc 7,34). Ultrapassar uma mentalidade restrita e incorreta em relação ao papel do Messias terá sido, pois, o último obstáculo que o Batista teve que enfrentar.

 

  • O «escândalo» do Messias submisso

    Na sua resposta aos enviados de João, Jesus limita-se a citar as Escrituras (Is 26,19; 35,5-6; 61,1). É de supor que o Batista terá sabido tirar a conclusão, «sem se escandalizar por causa de Jesus» (cf. Mt 11,6). Jesus apresenta-se como o Messias pensado e prometido por Deus, enumerando seis sinais mais uma conclusão: cura os cegos, os coxos, os leprosos, os surdos, ressuscita os mortos e proclama a Boa Nova aos pobres; e acrescenta que quem for capaz de aceitar isto será feliz.

 

    As «obras» de Jesus não podem ser separadas da sua palavra e da sua pessoa. Não queiramos impor as nossas ideias a Jesus. Só quem compreende e aceita como certas as suas obras está em condições de compreender e aceitar a sua pessoa. Quanto a este ponto, não pode haver dúvidas, se é que, de facto, se tem a noção exata do papel do Messias. Mas, na vida prática, por vezes, as dúvidas são mais fortes do que nós. A ideia dum Messias submisso, sem qualquer sinal de vitória, mas antes vergado sob o peso da condenação, parece-nos, senão um absurdo, pelo menos um escândalo. Mas a verdade é que «os caminhos de Deus não são os nossos caminhos» (cf. Is 55,8). Mas (e façamos-lhe essa justiça) os caminhos de Deus, se calhar, são mais acertados do que os nossos!

 

  • Advento do «Messias de Deus»

    O Advento é então, mais uma vez e sempre, um apelo a corrigirmos os desvios de que porventura a nossa noção de Messias e de messianismo possa enfermar. O episódio de hoje  referente a João Batista [e, neste capítulo específico, vale também o referente a Pedro, que é inclusivamente apostrofado de «demónio» por fazer da ideia de Messias uma ideia de poder e prestígio (cf. Mt 16,21-23)] deve ajudar-nos todos a ir ao encontro de Cristo sem esquemas preconcebidos. Ou seja, devemos aceitar o Messias como realmente Ele é e se apresenta através das suas obras, e não como gostaríamos que fosse.

 

    É mais que patente que, bem lá no fundo, nos seria muito mais congenial e agradável imaginá-lo, não deitado na manjedoura tosca duma gruta qualquer no descampado, mas no esplendor dum palácio, rodeado de sinais de poder e de glória. E, claro, nós sempre a fazer parte do seu grupo de escolhidos! Jesus será, sem dúvida, Messias «Juiz» (juiz à maneira dele ou à nossa maneira?), mas, antes disso, é Messias «Salvador» e «Libertador». E é por isso que, antes de condenar e destruir, se apresta a estar perto da gente pobre e abandonada: cegos, coxos, leprosos, surdos, pobres e até mortos (e isso somo-lo todos nós no campo moral). «O mais pequeno no Reino do Céu é maior do que João Batista» (cf. Mt 11,11), precisamente ao descobrir essa realidade desconcertante em termos simplesmente humanos.