TRÍDUO PASCAL

* CEIA DO SENHOR

   1ª Leitura: Ex 12,1-8.11-14    

     2ª Leitura:   1Cor 11,23-26

     Evangelho:   Jo 18,1-19,42

 

* PAIXÃO E MORTE DO SENHOR

   1ª Leitura: Is 52,13-53,12

     2ª Leitura: Hb 4,14-16-5,7-9

     Evangelho (Paixão): Jo 18,1-19,42

 

* VIGÍLIA PASCAL

   Leituras:     Gn 1,1-22    -    Gn 22,1-18    -    Ex 14,15-15,1    -    Is 54,5-14    -    Is 55,1-11    -    

     Bar 3,9-15.32-4,4    -    Ez 36,16-167ª.18-28    Rm 6,3-11    -    Lc 24-1-12

 

    Naquela sexta-feira, os inimigos de Jesus pensavam que, com a morte, o iam calar para sempre, pois os mortos não falam; pensavam que iriam parar-lhe o coração, porque os mortos não amam, pensavam que acabavam com aquele que os tinha arrancado ao torpor duma consciência atordoada. Mas enganaram-se, não alcançaram os seus fins.

   Eis o acontecimento mais importante da nossa fé: descobrir que Deus planeou para nós uma vida que vai por para além desta vida. Isso deve ser o centro da nossa existência. Sim, a ressurreição não é só para depois da nossa morte física; é já realidade atual, realizável hoje. Cada homem deve lutar, como fez Jesus, contra a morte. E morte é o outro nome do mal vencedor, é o nome do depravado, do egoísta, do explorador, do soberbo, do desesperado, do medroso e do angustiado, do vaidoso e do opressor. Estes estão mortos, porque neles venceu o mundo, a carne e o demónio. Ora, depois da ressurreição de Cristo, é possível vencer essas mortes. E, quanto mais se vencem os males que afligem a sociedade, quanto mais o amor abre o caminho à doação, à confiança e à generosida­de, então todos os dias há mais um pedacinho de ressurreição no mundo.

   Há assim à nossa volta mil formas de ressurreição. O problema é descobri-las. E, para o fazer, é preciso olhar para o mundo, para as coisas e para as pessoas com um olhar novo: o olhar de Cristo. Os discípulos, muito provavelmente, ao seguirem-no, pensaram que era uma boa ocasião para chegarem a lugares importantes no futuro governo. Mas, pouco a pouco, foram descobrindo que, nesse aspeto, as coisas iam de mal a pior… E eis que então ficaram desiludidos e O abandonaram. Para eles, tudo tinha acabado... Miseravelmente!

   Mas, eis que algumas mulheres começaram a falar de ressurreição. Se tivesse havido um golpe de teatro antes, os discípulos ainda teriam acreditado, mas agora, não... eles não eram tão ingénuos como isso! Tinham-se deixado «enrolar» antes, mas agora não. E voltavam agora para casa desiludidos de todas as ambições políticas. Foi o que aconteceu com os discípulos de Emaús. Mas é exatamente neste momento, neste caminhar cheio de desilusões, que encontram Jesus, sem, todavia, o reconhecerem. E agora, como que vazios das suas ambições terrenas e de si mesmos, estão dispostos a escutar esse desconhecido que se aproxima deles. Agora compreendem o sentido da dor, o sentido da humilhação e até o significado da morte: «Era necessário que o Filho de Deus sofresse para entrar na glória» (cf. Lc 24,26)...

   Talvez nós tenhamos também um dia sonhado em grandezas e riquezas e feito o possível para não perder a ocasião de sermos alguém na vida. Mas talvez também nos tenha acontecido que, apesar dos es­forços e das tentativas, havia sempre qualquer coisa que não fun­cionava... chegou uma doença ou uma outra prova dolorosa, a aflição e o sofrimento bateram-nos à porta... e então vimos ir por água abaixo os nossos projetos. É possível que o sofrimento e o fracasso nos deixem tristes, quase desesperados. Mas, quando nos sentimos desiludidos, talvez seja então que nos damos conta de ir ao encontro de nós mes­mos. Talvez seja então que sentimos a presença de Jesus que está para entrar na nossa vida. Quando estamos cheios de ilusões e ambições, não compreendemos nem aceitamos Jesus; não há lugar para Ele. Mas, quando chega um desengano, Jesus caminha ao nosso lado, explica-nos as Escrituras, explica-nos como é necessário sofrer para entrar na vida gloriosa. Ele valoriza o sofrimento como «matéria-prima» da salvação. Não nos promete que nos livre do sofrimento e das dificuldades, mas explica-nos o valor e o signi­ficado deles e produz em nós uma alegria que não tínhamos nunca experimentado.... É, se calhar, esse o começo da nossa ressurreição.

 

 

DOMINGO DE PÁSCOA

 

Temas

de

fundo

 

1a leitura (Act 10,34.37-43):  Pedro tomou a palavra e disse: «Agora sei que Deus não faz aceção de pessoas. Vós sabeis o que aconteceu em toda a terra de Israel, a começar pela Galileia, depois de João ter pregado o batismo de penitência. Sabeis como Deus ungiu com o Espírito Santo e com o poder a Jesus de Nazaré, que andou por toda a parte fazendo o bem e curando todos os que estavam sob o poder do demónio, pois Deus estava com Ele. Nós somos testemunhas de tudo o que Ele fez em Israel e em Jerusalém. Aqui Ele foi condenado à morte e cravado numa cruz. Mas, três dias depois, Deus ressuscitou-o dos mortos e Ele apareceu, não a toda a gente, mas só às testemunhas que Deus já tinha escolhido, ou seja, a nós que comemos e bebemos com Ele a seguir à sua ressurreição. E Ele mandou-nos pregar a Boa Nova ao povo e testemunhar que Ele é Aquele que Deus escolheu como juiz dos vivos e dos mortos. Todos os profetas se referiram a Ele, dizendo que quem acreditar nele receberá o perdão dos pecados pelo poder do seu nome».

 

* Quem acredita nele recebe o perdão dos pecados.

     Antes de mais, há que ter em atenção que esta leitura não é a transcrição do discurso que Pedro pronuncia logo a seguir ao Pentecostes (narrado em Act 2,14ss). Trata-se, isso sim, do discurso que Pedro profere em casa do «pagão» Cornélio, depois de, em visão, lhe ter sido comunicado que a salvação se destinava também aos não judeus. É certo que o núcleo central da mensagem e do testemunho de Pedro anda à volta dos últimos acontecimentos da vida terrena de Jesus (a paixão e condenação à morte, a morte, a ressurreição, as aparições e a missão confiada aos Apóstolos em favor do povo), mas não é menos certo que aqui se fala de uma abertura clara à possibilidade de todos - não só judeus, mas também não judeus (ou «pagãos») - de «aceder» à salvação trazida por Cristo: «Quem acredita nele recebe, pelo seu nome, o perdão dos pecados». A frase não deixa margem para dúvidas. Esta leitura, pois, não se limita a traduzir as palavras que Pedro terá pronunciado, mas é também como que uma «elaboração teológica» de S. Lucas, autor dos Atos dos Apóstolos. Sendo assim, os princípios de que a fé em Jesus Cristo e o facto de Ele ter sido constituído juiz dos vivos e dos mortos são essenciais: para os primeiros cristãos e também para nós hoje.

 

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.

 

2a leitura (Cl 3,1-4):  Vós fostes restituídos à vida com Cristo. Por isso, ponde o vosso coração nas coisas lá do alto, onde Cristo está sentado no seu trono, à direita de Deus. Tende os vossos pensamentos fixos nas coisas lá do alto e não em coisas terrenas. Vós morrestes (para essas coisas) e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. A vossa autêntica vida é Cristo. E, quando Ele aparecer, então também vós aparecereis com Ele e participareis da sua glória!

 

* Procurai as coisas lá do alto.

     Pode-se dizer que um dos mais importantes objetivos da Carta aos Colossenses é combater a doutrina «herética» segundo a qual Jesus não seria senão uma espécie de consubstanciação, digamos assim, duma força superior comparável às grandes forças cósmicas. O autor desta Carta proclama então, alto e bom som, que Jesus Cristo é o único e universal mediador entre Deus e o mundo criado. Nessa ótica, a fé em Jesus morto e ressuscitado é o único caminho para atingir a glória do próprio Deus. Na esfera da salvação, Jesus tem um primado universal e, por isso, os que acreditam nele não podem adotar um outro comportamento que não seja o de proclamar também que Ele é o único que pode salvar. Com isso, por consequência, proclama-se que Jesus é Deus, visto que só Deus pode salvar.

 

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.

 

Evangelho (Jo 20,1-9):  No primeiro dia da semana, logo de manhã cedo, ainda escuro, Maria Madalena foi ao sepulcro e viu que a pedra que tapava a entrada tinha sido removida. Foi então a correr ter com Simão Pedro e com o outro discípulo, que Jesus amava, e disse-lhes: «Tiraram o Senhor do túmulo e não sei onde O puseram!». Então Pedro e o outro discípulo foram ao túmulo. Ambos foram a correr, mas o outro discípulo correu mais depressa que Pedro e chegou primeiro ao túmulo. Inclinando-se para dentro, viu os panos de linho espalmados no chão, mas não entrou. Depois dele, chegou também Simão Pedro, que foi directamente ao sepulcro. Ficou admirado por ver os panos de linho ali espalmados, ao passo que o lençol que tinha envolvido a cabeça de Jesus não estava ao pé dos outros, mas sim dobrado à parte. Quando o outro discípulo, que tinha chegado primeiro, entrou, viu e acreditou (eles ainda não tinham compreendido a Escritura que dizia que Ele devia ressuscitar dos mortos).

 

* Ele viu e acreditou.

     Deste trecho evangélico (e não só), percebe-se que é fundamental a fé em Jesus que retoma a vida «pelas suas próprias mãos». Mas, ao mesmo tempo,  percebe-se também que essa fé não é algo de mágico e de «milagroso», como se se tratasse de algo que cai dentro do coração do homem e produz uma mudança de atitude e de vida, sem que ele tenha que fazer nada. Não, a fé é algo de vivo, algo que faz parte do processo de crescimento das pessoas e que demora o seu tempo. Pedro e João não são exceção. Por um lado, a fé destes dois apóstolos na ressurreição começa por ser despertada graças ao testemunho de Maria Madalena e, por outro lado, é antecedida por aquilo que poderia designar-se por «fase de incredulidade». Ou seja, eles sentem necessidade de se ir certificar das palavras de Madalena e isso é para nós - parece-me a mim - uma ajuda, sobretudo nas alturas em que também a dúvida nos assalta. É muito Interessante notar ainda, neste texto, não obstante a peculiaridade da pessoa de João e de ser ele o autor do texto, o facto de se dar ênfase e importância especial à pessoa e à figura de Pedro, ao qual vai competir confirmar a fé dos seus irmãos.

 

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.

* Quem crer nele ficará  livre dos seus pecados pelo poder do seu nome.

* A vossa vida    autêntica reside   em Cristo.

* O outro discípulo entrou,   viu e acreditou.

ELE DEVIA

RESSUSCITAR

DOS MORTOS.

  • Questão decisiva: um túmulo vazio

    «Em Jerusalém, um douto arqueólogo procede a algumas escavações na zona do Calvário. Um dia, anuncia ter feito uma descoberta mirabolante: veio à luz do dia o sepulcro onde tinha sido depositado Jesus; precisamente o sepulcro de José de Arimateia. O sepulcro, no entanto, não está vazio. Não. Dentro há um cadáver mumificado»... 

 

    «Não é verdade, portanto, que Jesus tenha ressuscitado. E a notícia espalha-se num instante, levada a toda a gente pela rádio, pela televisão e pelos jornais até ao mais remoto lugar da terra. Tudo quanto fala de Jesus e é assinalado com a sua passagem, é condenado a desaparecer. Fecham-se as igrejas, destroem-se as catedrais, os seminários e os conventos esvaziam-se, os missionários voltam às suas terras, nenhum crucifixo fica pendurado das paredes»... 

 

    «Como que abalado por um terramoto catastrófico, o mundo precipita em pouco tempo nas mais profundas trevas espirituais... Mas eis que o arqueólogo, pouco antes de morrer, confessa que, afinal de contas, não se tratava senão duma invenção sua, que tudo era falso, que realmente o sepulcro estava vazio!».

 

  • Duas atitudes: aceitação ou rejeição

    Esta é, evidentemente, uma hipótese. Mas, pelos vistos, é uma hipótese que muitos gostam de levantar com alguma regularidade, a fim de tirar a Jesus a importância que Lhe é dada. Sim, como esta, outras se têm levantado ao longo da história, não sendo de excluir um dos últimos romances que têm por objectivo pôr em causa a divindade de Cristo. Cito como exemplo o Código da Vinci e o Evangelho de Judas.

 

   Agora, é um facto que a polémica que envolve o nome de Cristo e os problemas com Ele relacionados não tem apenas um objetivo de reduzir a figura de Jesus. É que, por incrível que pareça, é um filão que dá sempre dinheiro. Mas, em todo o caso, isso tem pelo menos o mérito de demonstrar que nada tem tão vital importância para o mundo como saber o que realmente aconteceu naquela manhã de Páscoa. As perguntas são sempre atuais. Estava o sepulcro vazio ou não? Jesus realmente tinha ressuscitado? A questão está toda aqui. Para os apóstolos, é a questão decisiva. É como se perguntássemos: «Vivemos todo este tempo para nada? É o Filho de Deus vivo este Jesus que seguimos ou é um impostor?». De uma resposta a estas perguntas depende a vida deles e a dos crentes cristãos. 

 

    Mais: depende a vida do género humano. Com efeito, desde essa manhã de Páscoa, os homens estão divididos (e hoje talvez mais do que nunca) em dois grupos opostos diante desse sepulcro vazio. Para uns, Jesus não ressuscitou. Para outros, Jesus morreu, sim, mas vive e da sua morte nasceu a vida. Segundo se opta por uma ou por outra solução, muda a maneira de olhar para o mundo e a escala de valores. Se Jesus - mesmo que se admita que tenha sido o maior homem de todos os tempos - não ressuscitou, o céu está ainda fechado, a terra é para sempre reino de trevas e de morte. Mas, se Ele ressuscitou, então a realidade muda de figura... Já Paulo o escreveu na sua primeira Carta aos Coríntios (cf. cap. 15).

 

  • Se Jesus não ressuscitou...

    Se Jesus não ressuscitou, tiremos mesmo a cruz dos altares e das igrejas. Tiremo-la mesmo do coração, se formos capazes. É lógico! Se Jesus não ressuscitou, os mártires que deram a vida por Ele, todos os mártires, desde Sto. Estêvão até aos nossos dias, morreram por nada e para nada... foi uma morte em vão.

 

   Mas se, ao terceiro dia, Ele ressuscitou, como tinha predito, então o céu ficou aberto, já que um dos nossos lá entrou vitorioso, quebrando os grilhões do pecado e da morte. Se Ele ressuscitou, não é vã a nossa fé e a nossa esperança é legítima. Se Jesus ressuscitou, então deixemos que os campanários continuem a cantar de alegria; deixemos que a cruz redentora esteja lá bem alto, nos altares e sobretudo nos corações. Então o sangue dos mártires será realmente semente de vida.

 

  • A alegria e a tristeza

   Na Páscoa destes nossos dias, parece que não há a alegria que devia haver. Os inimigos de Deus são otimistas demais e gargalham vitória baseados em teorias e os amigos são demasiado pessimistas, deixando-se abater pelos mesmos ataques de sempre. Os inimigos estão demasiado otimistas porque acreditam terem vencido ou estarem prestes a vencer.

 

   No fim do século XIX, Nietzsche declarava solenemente que «Deus tinha morrido». E, em parte, tinha razão, porque, hoje, psicólogos, sociólogos e até alguns teólogos afirmam que, pelo menos na terra, Deus está morto. Ou melhor: é como se estivesse morto, na medida em que, para o homem de hoje, Ele parece não representar muito. É, em minha opinião, um exagero, mas aceito pelo menos como hipótese de trabalho.

 

   Por outro lado, os amigos de Deus podem deixar-se vencer pelo pessimismo. Ouvir de notícias de missionários a ser barbaramente assassinados (notícias destas são praticamente diárias) ou expulsos das terras de evangelização e o seu trabalho de anos, e às vezes de séculos, ser destruído em pouco tempo; ver nações, tradicionalmente baluartes de valores cristãos, deitarem por terra esses valores, pode levar os seguidores de Jesus a gritar: «Até quando, Senhor?». Mas o que é esse opimismo dos inimigos de Deus e esse injustificado pessimismo dos seus amigos senão o repetir de quanto aconteceu nos últimos dias da vida terrena de Jesus? 

 

   Mesmo antes de Nietzsche, os inimigos de Cristo gritavam vitória: Jesus morreu! O assunto ficou resolvido. Os inimigos de agora entoam o mesmo hino de triunfo. Por seu lado, parecem pessimistas e desesperados demais os seus amigos... Mas a Igreja continua a dizer hoje: «Alegrai-vos, porque Aquele que estava morto agora está vivo. Não vos deixeis vencer pelo desânimo!». A Igreja, como Jesus, não só vive, mas sempre sobreviveu a milhares de crucifixões através de milhares de ressurreições» (cf. Luigi Barra).

 

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PAPA FRANCISCO

(MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA
NA CAPELA DA CASA SANTA MARTA)

Tempo de alegria

Publicado no L'Osservatore Romano, ed. em português, n. 16 de 19 de abril de 2018

«Hoje os cristãos são perseguidos, degolados, enforcados na África e no Médio Oriente, ainda mais do que nos primeiros séculos», pois o seu «testemunho incomoda» um mundo que «resolve tudo com o dinheiro»: de resto, há dois mil anos «o suborno» chegou até «ao sepulcro» para corromper os guardas e assim negar a Ressurreição. O Papa relançou o encorajamento a não ter medo de «professar Jesus», sugerindo que se viva a mesma corajosa experiência dos Apóstolos, ou seja, «uma vida de obediência, testemunho e concretude», sem ceder a «compromissos mundanos» com uma «fé superficial».

«Este tempo pascal — afirmou o Papa — é tempo de alegria, a Igreja quer que seja assim: tempo de alegria, de alegria diante da vitória de Cristo ressuscitado». E para os próprios Apóstolos «foi um tempo de alegria», embora «a alegria que viveram nos primeiros 50 dias não fosse igual àquela que viveram depois da vinda do Espírito Santo».

Com efeito, explicou, «a alegria dos primeiros 50 dias era verdadeira, mas “duvidosa”, não a entendiam bem: sim, tinham visto o Senhor, estavam felizes, mas depois não conseguiam entender». E questionavam-se: «Como terminará esta história?». A ponto que, exatamente «no momento da Ascensão, perguntam ao Senhor: agora como será, como se fará a revolução?».

Em síntese, os Apóstolos «entendiam porque viam o Senhor, mas não compreendiam tudo: foi o Espírito Santo quem lhes fez entender tudo e lhes deu coragem, aquele modo de agir totalmente diverso». Assim, reiterou o Papa, «podemos dizer que a alegria dos primeiros 50 dias era receosa; mas após a vinda do Espírito Santo há a alegria corajosa, que é certa: certa pela graça do Espírito».

Precisamente «no âmbito desta alegria corajosa — afirmou, referindo-se à narração dos Atos dos Apóstolos — acontece o que ouvimos na primeira leitura: Pedro e João vão ao templo. Diante da porta chamada “Formosa” havia sempre um paralítico que pedia esmola, e Pedro e João curam o paralítico» que, «feliz, salta, dança, vai e dá testemunho». Mas, acrescentou Francisco, «os sacerdotes estão inquietos, chamam os Apóstolos e proíbem-nos de anunciar Jesus. Depois, põem-nos na prisão. O anjo de Deus liberta-os» e eles, imediatamente, «voltam a ensinar no templo».

Retomando diretamente o trecho dos Atos proposto pela liturgia (5, 27-33), o Papa recordou que «o comandante e os assistentes vão onde os Apóstolos pregavam e levam-nos ao sinédrio». Depois, «o sumo sacerdote interrogou-os, dizendo: “Não vos tínhamos proibido expressamente de ensinar neste nome?”». Eis «a proibição: é proibido o nome de Jesus, é proibido anunciar o nome de Jesus». Mas perante o sumo sacerdote, «Pedro, que receoso tinha renegado o Senhor», tem a coragem de responder simplesmente: «É preciso obedecer a Deus e não aos homens. O Deus dos nossos pais ressuscitou Jesus, que vós matastes, crucificando-o. Deus elevou-o à sua direita como chefe e salvador, para dar a Israel a conversão e o perdão dos pecados. E destes acontecimentos somos testemunhas, nós e o Espírito Santo, que Deus infundiu em quantos lhe obedecem».

A primeira que sobressai é «a palavra “obediência”», disse o Pontífice, recordando que «também no Evangelho de hoje (Jo 3, 31-36) Jesus fala da obediência». Portanto, afirmou, «a vida destes cristãos, destes Apóstolos que receberam o Espírito Santo, é uma vida de obediência, de testemunho, de concretude».

Uma «vida de obediência», prosseguiu Francisco, «para que sigam o caminho de Jesus que obedeceu ao Pai até ao último momento: “Pai, se for possível — pensemos no horto das Oliveiras — que não se faça a minha vontade, mas a tua». Esta é a «obediência até ao fim» e «faz-nos recordar quando o Senhor rejeita Saul: “Não quero sacrifícios, nem holocaustos, mas obediência”».

«Obediência — insistiu Francisco — foi o que fez o Filho, o caminho que Ele nos abriu; obediência é apegar-se a Deus, cumprir a sua vontade e dizer: “Sou o teu filho, estou contigo, que és o meu pai, e farei tudo para seguir aquilo que quiseres”».

«É verdade, somos frágeis e caímos em pecados, nas nossas debilidades», reconheceu o Pontífice. Mas «a boa vontade, a graça de Deus, levanta-nos», e assim «vamos em frente: “Quero obedecer”». Por isso, a «primeira caraterística do comportamento, do modo de agir destes Apóstolos é a obediência». Conscientes de que, como declara Pedro, «é preciso obedecer primeiro a Deus e depois aos homens». Portanto, é necessária «uma atitude de obediência: o cristão é um servo, como Jesus, que obedece a Deus». E é também «verdade que a obediência é um modo um pouco diferente de resolver os problemas: diante da Ressurreição, os Apóstolos resolveram a questão com a graça do Espírito Santo, com a obediência».

Ao contrário, interrogou-se o Papa, «como resolveram tudo os sacerdotes que queriam comandar?». Fizeram-no «com uma gorjeta: o suborno chegou até ao sepulcro», pois «quando os soldados assustados foram ter com eles para lhes dizer a verdade, interrogaram-nos, dizendo: «Estai tranquilos”. Meteram as mãos no bolso e disseram-lhes: “Tomai, dizei que vos tínheis adormecido”». E é exatamente com este sistema que «o mundo resolve».

Então, é necessária a «obediência a Deus, não ao mundo, porque o mundo resolve os problemas com soluções mundanas; e a primeira solução mundana, que é própria do “senhor”, do diabo, é o dinheiro». É o «próprio Jesus quem lhe atribui a categoria de “senhor” quando diz: “Não podemos servir a dois senhores, Deus e o diabo».

A «segunda caraterística» dos primeiros cristãos é o «testemunho: dou testemunho de Jesus». E os Apóstolos realmente «dão testemunho porque não têm medo de anunciar Jesus no templo, mas também depois, quando saíram da prisão: são corajosos, mas com a coragem do Espírito». De resto, «o verdadeiro testemunho cristão é uma graça do Espírito, e isto incomoda. O testemunho cristão incomoda, é mais fácil dizer: “Sim, Jesus ressuscitou, subiu ao Céu, enviou-nos o Espírito, creio em tudo isto”, mas procuramos uma vereda de compromisso com o mundo».

Aliás, «o testemunho cristão não conhece vias de compromisso», recordou Francisco. Ao contrário, «conhece a paciência de acompanhar as pessoas que não compartilham a nossa fé, o nosso modo de pensar, de tolerar, de acompanhar, mas de nunca vender a verdade».

Com a força da «obediência»: eis o «testemunho que incomoda tanto»: é suficiente pensar em «todas as perseguições que existem, a partir daquele momento até hoje: pensai — convidou o Pontífice — nos cristãos perseguidos na África, no Médio Oriente; hoje há mais do que nos primórdios, na prisão, degolados, enforcados, por professar Jesus». É o «testemunho até ao fim».

Finalmente, a terceira caraterística dos discípulos são as «concretudes». Os Apóstolos «incomodavam com o testemunho porque tinham a coragem de falar das realidades concretas, não contavam fábulas». Tinham a «concretude» que os levava a dizer: «Não podemos negar aquilo que vimos e tocamos». Eis «o concreto — esclareceu o Papa — e cada um de nós, irmãos e irmãs, viu e tocou Jesus na própria vida».

«Acontece muitas vezes que os pecados, os compromissos e o medo nos fazem esquecer este primeiro encontro, que mudou a nossa vida», explicou. Talvez permaneça «uma recordação diluída» que «nos faz ser cristãos, mas “inconsistentes”, indecisos, superficiais». Por este motivo, acrescentou, devemos «pedir sempre ao Espírito Santo a graça da concretude: Jesus passou pela minha vida, pelo meu coração, o Espírito entrou em mim e talvez depois eu o tenha esquecido»: eis a importância de ter «a graça da memória do primeiro encontro». E «por isso, o testemunho daquelas pessoas era concreto: “Não podemos negar aquilo que vimos e tocamos”».

«O tempo pascal é um tempo para pedir a alegria», concluiu o Pontífice, sugerindo que a peçamos «uns pelos outros: mas a alegria que vem do Espírito Santo, que dá o Espírito Santo; a alegria da obediência pascal, do testemunho pascal, da realidade da Páscoa».