1. DESGRAÇA DOS VALENTES
 

 

A situação em Israel não melhorava. Nem podia melhorar, porque, em vez de se unirem, os hebreus se desentendiam cada vez mais. Apesar de aparecer, de vez em quando alguém para os dirigir, não se entendiam. Eles não queriam saber nem de sacrifício nem de trabalho. Julgavam que podiam viver à vontade sem se importar com nada. E iam-se esquecendo pouco a pouco do Deus dos seus antepassados. E, com isso, esqueciam também os próprios antepassados, a sua história, as suas origens. E, como consequência, iam perdendo a sua identidade.

 

Como consequência dos seus desentendimentos, bastou que aparecesse um povo unido e corajoso para os desbaratar. Esse povo eram os Filisteus, pelos quais foram dominados durante quarenta anos. Mas, nessa altura, viveu um homem chamado Manué, que estava casado com uma mulher estéril. Um dia, o anjo do Senhor apareceu a essa mulher transmitindo-lhe a seguinte mensagem: «Vais ter um filho. Mas, de hoje em diante, não bebas vinho nem licor... Nunca cortarás o cabelo ao filho que te vai nascer, porque ele será consagrado ao Senhor desde o dia do seu nascimento. Será ele a libertar Israel das mãos dos Filisteus»...

 

Ela foi contar tudo ao marido. Este não quis acreditar lá muito nisso. O facto é que, depois do devido tempo, nasceu a este casal um filho, a quem puseram o nome de Sansão. Sansão tinha um carácter impetuoso e apaixonado. Quando cresceu, tendo ido para fora do seu país, viu uma filisteia e apaixonou-se por ela à primeira vista. Pelo que foi imediatamente pedir aos pais para se interessarem no sentido de poder casar com ela. Os pais procuraram desviá-lo dessa intenção: «Mas então não há mulheres aqui em Israel? Que ideia é essa agora de ires escolher uma mulher de entre os filisteus que, ainda por cima, são nossos inimigos»?

 

Sansão ficou-se com a sua e não houve maneira de o remover dessa ideia. E então os pais não tiveram outro remédio senão ir acompanhá-lo a Tamna, que era a terra de onde era a moça. Quando chegaram às vinhas, apareceu-lhes no caminho um jovem leão feroz que arremeteu contra eles. Mas o espírito do Senhor entrou em Sansão e este despedaçou o leão como se fosse um cabrito, sem necessidade de utilizar qualquer arma...

 

Combinado o casamento, Sansão foi um dia a Tamna para desposar a filisteia, ficando lá durante vários dias. Sucede, porém, que se meteu lá em brincadeiras com os rapazes da sua idade. E começou logo a ter problemas. Concretamente, acabou por fazer uma aposta estúpida. Propôs aos seus companheiros uma adivinha qualquer: se algum deles fosse capaz de dar a resposta, casaria com a sua noiva. Ninguém foi capaz de adivinhar. Mas um deles foi ter com a noiva ameaçando-a assim: «Vai ter com Sansão e faz-lhe dizer a resposta. Se não nos deres a resposta, deitamos fogo à casa dos teus pais com toda a gente lá dentro».

 

Perante estas ameaças, a noiva usou de todas as suas artes e poder de sedução para arrancar a resposta a Sansão e foi contá-la aos outros. Obviamente, Sansão foi enganado. Mas, e segundo uma lei que existia, o que se sabe é que a noiva que estava para ser sua esposa foi dada em casamento ao jovem que tinha aceitado a sua aposta e a tinha ganho. Houve batota, como se disse, mas o facto foi esse. Mas foi então que as coisas começaram a aquecer.

 

Passado algum tempo, na época das ceifas, Sansão foi ver a que devia ser sua mulher, levando-lhe um cabrito. Ao pretender entrar no quarto dela, o sogro impediu-o: «Como sabes, dei-a a outro em casamento e, por isso, não podes fazer isso. Mas, se quiseres, eu tenho uma filha mais nova. Podes casar com ela». Mas Sansão respondeu-lhe: «Desta vez, ninguém me poderá censurar pelo mal que fizer aos filisteus». Saiu então dali, apanhou trezentas raposas, prendeu-as duas a duas pela cauda e atou-lhes uma tocha. Pôs-lhes fogo e soltou-os nas searas dos filisteus. Incendiou assim todo o trigo, tanto o que já estava enfeixado como o que estava por enfeixar, queimando ainda as vinhas e os olivais...

 

Ao terem conhecimento deste facto, os filisteus vingaram-se, queimando a que devia ser mulher de Sansão, mas não era, o marido e os pais dela e tudo o que era deles. Sansão apareceu e falou-lhes nestes termos: «Porque é que procedestes assim, seus cobardes? Não era a mim que vocês queriam? Mas ficai descansados que isto não fica assim. Desde já, vos aviso: não estarei bem com a minha consciência enquanto não me vingar novamente de vós». E o facto é que lhes deu várias lições em muitos episódios que não estou agora aqui a contar.

 

Entretanto, Sansão apaixonou-se por outra mulher chamada Dalila. Os filisteus então aproveitaram-se para se desfazer dele. Foram ter com Dalila: «Procura seduzi-lo e procura saber de onde lhe vem a sua força. Se o fizeres, pagar-te-emos bem». Dalila, que não tinha muitos escrúpulos, tudo fez para descobrir de onde lhe vinha a força. Depois de muitas tentativas, conseguiu finalmente saber que Sansão perderia todas as forças se lhe cortassem o cabelo. Vendo que ele lhe abria o coração, Dalila chamou os filisteus e, mediante uma recompensa, adormeceu Sansão no seu regaço e cortou-lhe os cabelos...

 

E o que Sansão dissera aconteceu realmente. Ele foi perdendo pouco a pouco as forças. De tal maneira que vieram depois os filisteus e prenderam-no. Não contentes com isso, arrancaram-lhe os olhos e meteram-no numa prisão em Gaza, obrigando-o a girar continuamente uma mó de moer trigo... Dalila que, afinal de contas, o amava, talvez tenha tomado aquela atitude pensando que ele recuperaria as forças, caso fosse necessário. Mas agora, perante a forma como as coisas se tinham precipitado, procurava remediar tudo, mas já era tarde demais.

 

Entretanto os filisteus, para celebrar o facto de se terem libertado do seu inimigo número um, aproveitaram o dia consagrado a uma das suas muitas divindades, para comemorar o acontecimento. E, claro, um dos números da festa, seria a apresentação de Sansão ao público naquele estado: mal nutrido, cego, atado com fortes grilhões. Iria ficar ali para ser espectáculo de toda a multidão. Mas tinham-se esquecido dum pormenor muito importante. É que, entretanto, durante a sua prisão, o cabelo de Sansão já tinha crescido e eles não tinham ligado a isso...

 

Sansão foi conduzido para o meio da multidão por um jovem. E então ele pediu-lhe que o deixasse descansar um pouco entre as grandes colunas que sustentavam o templo onde a festa decorria. O jovem acedeu ao seu pedido, sem desconfiar minimamente do que pudesse acontecer. Ora o templo estava cheio de gente que se divertia com os vexames com que Sansão era ridicularizado...

 

Foi então que Sansão invocou o seu Deus da seguinte maneira: «Senhor, lembra-te de mim e restitui-me a minha antiga força para me vingar dos filisteus». E, logo a seguir, apoiando-se nas duas colunas centrais do tempo, gritou em voz forte: «Morra eu e todos os filisteus». Ao mesmo tempo, sacudiu violentamente o edifício que ruiu sobre os príncipes e sobre todo o povo ali reunido.