I.          PARA QUE A MENSAGEM PASSE

 

  1. A tarefa dos evangelizadores

 

   A grande tarefa que Jesus deixou aos discípulos, antes de voltar para o Pai, está condensada nas seguintes palavras: «Ide pelo mundo inteiro e proclamai o Evangelho (Boa Nova) a todas as criaturas» (Mc 15,15; cf. Mt 28,20; Act 1,8). O objetivo da catequese e da evangelização em geral é, pois, comunicar a toda a gente o facto de Deus ser um «Deus connosco» em Jesus Cristo (cf. Jo 1,14; Is 7,14), a fim de que todo aquele que acreditar nele não se perca, mas se salve (cf. Jo 3,16-18; Mc 16,16). Poe outras palavras, a tarefa da Igreja é comunicar ao mundo o seguinte facto: Deus está no meio dos homens de múltiplas maneiras e, dum modo definitivo, por meio de Jesus Cristo (cf. Hb 1,1-2).

 

  1. Objectivo: descobrir a Deus por Jesus Cristo

   Pois bem, a palavra comunicar, segundo o seu sentido etimológico e genérico, significa «tornar comum» algo a alguém. Pode tratar-se de informações, ideias, ordens ou então de factos da vida e pensamentos e sentimentos. No caso específico da evangelização e da catequese, parece óbvio que não se trata apenas de informações, ideias e ordens. Trata-se, isso sim, de comunicar uma experiência, factos e palavras referentes a uma pessoa muito concreta. Ou seja, o objetivo último é sempre fazer com que as pessoas descubram vivencialmente a Jesus Cristo como Caminho, Verdade e Vida (cf. Jo 14,6) rumo a Deus. Por outras palavras, é fazer com que as pessoas descubram que Jesus é «a Imagem visível do Deus invisível» (cf. Cl 1,15).

 

  1. Primeiro, a pessoa; depois, as ideias

   Continuemos. Enquanto a comunicação de informações e ideias pode ser feita através duma apresentação impessoal, a comunicação duma pessoa, como a própria palavra o diz, já não pode ser feita a esse nível. Daí que, para poder comunicar Jesus Cristo, o anunciador tem que passar por um processo de conhecimento, primeiro de Jesus Cristo e, depois, das pessoas a quem quer comunicar esse mesmo Jesus. De facto, antes de mais, supõe-se que quem falar de Jesus Cristo sabe quem Ele é; e sobretudo que teve uma experiência dele. Não será um conhecimento e uma experiência a cem por cento. Mas pelo menos será o mínimo indispensável.

   Por outro lado, é igualmente verdade que comunicar com alguém que se conhece e com alguém que não se conhece são duas coisas totalmente distintas. É óbvio que, para os dois casos em exame, o tipo de abordagem terá que ser necessariamente diferente. Se quem nos escuta nos é desconhecido, nós nunca poderemos partir do suposto que está dentro do contexto, digamos assim. Supor isso significa não ser capaz de acertar no alvo.

 

  1. Para haver comunicação...

   Seja como for, e simplificando o tema, nunca podemos esquecer o ambiente, as ideias e ideais, o grau de cultura e a maneira de ser daqueles a quem nos dirigimos. E, dum modo particular, nunca se deve esquecer que, para podermos comunicar com alguém, é condição essencial que esse alguém perceba o que estamos a dizer, independentemente dos meios que utilizemos. Ou seja, se os sinais que utilizamos – palavras, sons ou imagens – não são entendidos por quem nos escuta, pode haver o que quisermos, mas não se pode dizer que haja comunicação. Poderá haver – passe a expressão, que, de resto, é atual – algo como «processamento de informação», mas não comunicação.

 

  1. Idênticos códigos de «leitura»

   Só há, pois, comunicação quando os «sinais» – é através de sinais que se estabelece a comunicação – são «percebidos» por alguém. Ou seja, por mais elegantes e bem estruturadas que sejam as suas roupagens e por mais perfeitos que sejam os sinais, a mensagem não passará se porventura quem comunica e quem recebe a comunicação não utilizarem os mesmos códigos de interpretação, se não estiverem sintonizados na mesma onda. Ao contrário, se o «receptor» é capaz de «descodificar» o sinal do «emitente», então – e só então – é que pode haver comunicação. Este princípio aplica-se a qualquer tipo de comunicação e, claro, também à comunicação de cariz «religioso».

 

 

II.        PARA QUE A MENSAGEM PASSE MELHOR

 1. Evangelização é um «processo»

   Para além da condição de o «emissor» e o «receptor» terem que possuir códigos comuns para haver comunicação, não se pode nem se deve ignorar que, no caso da mensagem cristã, se trata de um «processo» de aprendizagem parecido a outros, com a diferença que é uma aprendizagem que mexe com a vida das pessoas no que se refere ao sentido que se quer dar a essa mesma vida. De toda a maneira, como processo, segue a mesma regra fundamental: a perceção da comunicação «religiosa» leva tempo e tem que respeitar várias fases de progressão.

 

  1. Aprendizagem por fases

   Ora bem, no processo de transmissão da mensagem cristã, não se correrá, por vezes, o risco de ignorar essa constatação tão simples de que a comunicação é um processo que leva tempo? Supor, por exemplo, sem mais, que as pessoas percebem o que se está a dizer nem sempre é uma suposição correta. O facto de a mim me parecer que o que estou a dizer é muito claro, não corresponde necessariamente ao nível de compreensão de quem me está a ouvir.

   O catequista ou evangelizador terá, muito provavelmente, que percorrer todas as fases de aprendizagem, se pretende que as pessoas cheguem a uma determinada conclusão. Pretender, pois, que um catequizando ou um catecúmeno cheguem, numa aula de catequese ou em dez minutos de homilia, a uma conclusão que eles levaram anos a amadurecer é exigir demais. É verdade que «Deus faz maravilhas» e «esconde estas coisas aos sábios e inteligentes e revela-as aos pequeninos» (cf. Mt 11,25; Lc 10,21), mas também é verdade que, mesmo nesse caso, as coisas, como regra, acontecem por fases.

   Enfim, sem negar o papel principal e a importância do Espírito Santo – que age efectivamente na mente e no coração dos ouvintes – o facto é que, como regra, Ele é muito respeitador da liberdade e do processo de aprendizagem da pessoa humana; de cada pessoa em particular. Nisto, como em tudo o resto, como regra, a natureza não «queima etapas».

 

  1. Começar pelas bases

   Nesta perspectiva, quanto mais complexa for a mensagem, tanto mais será necessário parti-la e reparti-la aos pedacinhos. Sendo assim, tem que se ter a noção quanto possível exata sobre o estádio de compreensão dos ouvintes ou catequizandos. Assim, a título exemplificativo, não se pode falar do valor salvífico da morte e ressurreição de Jesus (o que, diga-se de passagem, é fundamental na mensagem cristã) a quem nunca ouviu falar dele ou mal O conhece. Esse tipo de informação mais «teológica», se assim se pode dizer, só vem depois. Os missionários sabem isso por experiência. Ou seja, como se costuma dizer, não se pode começar a construção duma casa pelo telhado.

   É preciso lançar primeiro as bases; como seja, por exemplo, pura e simplesmente contar a história de Jesus; inserindo-a em toda a perspetiva do Antigo Testamento, a partir da promessa de salvação de que o pecado e o mal não têm a última palavra, como está patente no chamado «Proto-Evangelho» (cf. Gn 3,15). Sei lá, seria um contrasenso falar de Proto-Evangelho a quem nem sequer ouviu falar de Bíblia e do livro do Génesis. Ora bem, e a este propósito, não será que é necessário fazer - ou refazer - também essa catequeziação prévia em relação a uma grande parte dos que se dizem cristãos?

 

  1. Atenção às circunstâncias concretas

   Por outro lado, não se pode esquecer também que os ouvintes, quando são tocados por uma determinada mensagem, nem sempre estão com as mesmas disposições. É pena? Será, mas é um facto! Estarão então recetivos nesse preciso momento? Não estarão? Estarão distraídos? Porquê? Daí a necessidade de criar um ambiente de acolhimento que facilite a passagem da mensagem que estamos a tentar passar.

   Por outro lado, a linguagem tem que se adaptar aos meios utilizados. E os meios serão tanto mais percetíveis quanto mais simples forem. Assim, uma conversa em particular tem vantagens que um discurso em público não tem e, nesse aspecto, tem naturalmente outro tipo de dinâmica, podendo-se dizer em particular o que se não pode dizer em público. Uma homilia destinada a uma assembleia heterogénea não é como uma conversa para um grupo homogéneo nem é uma aula de teologia. Ou seja, um grupo mais ou menos heterogéneo e informal não é uma aula de estudantes de teologia. Um programa de rádio também não é a mesma coisa que uma homilia ou um sermão. Por sua vez, fazer uma homilia numa paróquia do centro da cidade não é o mesmo que fazer uma homilia na periferia ou numa aldeia a uma dúzia de anciãos. Tratar diferentes públicos com o mesmo tipo de «discurso» é não perceber qual o alvo que se quer atingir.

 

III.      FAZER PASSAR O QUÊ OU QUEM?

  1. O conteúdo e a forma

   O conteúdo da catequese ou evangelização é, em resumo, tornar própria a vida de Deus e a sua Palavra. Ora bem, quando Deus decide falar com os homens, quando decide entrar em contacto com eles e viver com eles – é essa a base – para se fazer entender por eles, então Ele fala, digamos assim, a linguagem humana. Mais, as palavras que Ele utiliza são palavras não apenas humanas, mas utiliza palavras que as pessoas em concreto percebam. Por mais belas que sejam as palavras de que nos socorramos, não há possibilidade de comunicar a realidade de Deus e a sua Palavra - já agora, isso é válido em relação a qualquer outra realidade -  se as pessoas a quem nos dirigimos não entendem as palavras ou os sinais que nós utilizamos.

 

  1. Comunicar que Ele está connosco

   Dizendo apenas numa palavra, o conteúdo da pregação e da catequese é Deus, que queremos fazer descobrir como Pai sempre preocupado por nós, como «Emanuel», inserido no nosso dia-a-dia, e como Espírito que guia os nossos passos na direcção certa para Deus. A presença do Espírito é de tal ordem que, sem Ele, nem sequer somos capazes de dizer «Jesus Cristo é o Senhor». A ideia parece simples, mas trata-se de uma mensagem que não é tão fácil de fazer passar como se julga; e sobretudo pode levar muito tempo. Nesse aspeto, seja-me permitido fazer a pergunta: saberemos nós respeitar aquilo que se costuma chamar a pedagogia de Deus?

 

  1. A Bíblia: fonte da mensagem

   A principal fonte em que bebemos essa realidade é, segundo a proposta cristã (e não só), a Bíblia. A propósito, talvez ainda não nos tenhamos dado conta de como, na mensagem que queremos passar, nós podemos dispensar a Bíblia. Por isso, temos que a descobrir nós próprios em primeiro lugar.

   Ora, a Bíblia é um livro muito especial. Se, por um lado, é divina, na medida em que foi escrita sob inspiração de Deus, por outro lado, não deixa de ser profundamente humana, pois é Deus que quer comunicar com os homens de maneira que estes percebam. Utiliza, pois, todas as características que distinguem a linguagem humana. O catequista ou evangelizador tem que ter isso presente e esforçar-se por ter com a Palavra de Deus a familiaridade suficiente, para não fazer dizer à Bíblia aquilo que ela de facto não quer dizer.

 

  1. Atenção às características da linguagem

   Este – como se sabe – é todo um capítulo à parte. Mas, como mínimo, os comunicadores da mensagem cristã devem ter bem presente que o Livro Sagrado se rege por géneros literários que são comuns aos outros livros. Aliás, na Bíblia, que levou uns cerca de 11 séculos a completar, encontramos, por vezes, em algumas páginas, vários géneros literários ao mesmo tempo. Assim, e para dar só um dos exemplos mais simples, uma parábola é uma história e não mais do que isso. Sendo assim, o que mais interessa é a sua lição moral e, por conseguinte, não é legítimo extrair outras conclusões de carácter histórico ou científico, porque a finalidade principal da parábola ou história (e da Bíblia em geral) é de carácter religioso.

 

  1. Anunciador como suporte

   Fazer passar Deus e a sua Palavra, no entanto, não é bem a mesma coisa que fazer passar outra palavra qualquer. A Bíblia é um livro que conta o «romance de Deus com os homens» e exige das pessoas uma resposta que compromete para a vida. Qualquer um tem a possibilidade de ler esse livro, mas ter alguém que ajuda na sua leitura e na descoberta dessa resposta é uma vantagem incomensurável. O anunciador ou evangelizador deve ser esse suporte.

   Mas, atenção: o anunciador sabe que não transmite a sua própria mensagem, mas sim uma mensagem em que se nos é comunicado que Deus é Pai, que nos trata como filhos e que quer que procedamos como filhos, reciprocando com o mesmo tratmento de amor. A relação pai-filho é uma realidade que envolve a pessoa toda, com a sua inteligência, a sua vontade, o seu coração, a sua sensibilidade, enfim, toda a sua interioridade. Daí se deve concluir que compete então ao catequista ou evangelizador criar o ambiente em que se faça essa descoberta fundamental.

 

IV.      O PAPEL DE QUEM PASSA A MENSAGEM

 

  1. Criar um ambiente vivencial

   No caso da catequese e da evangelização, trata-se, pois, fundamentalmente de fazer passar uma mensagem de carácter religioso. Se bem que seja necessário fazer-se entender claramente por quem nos escuta, não há dúvida de que a forma como ela é comunicada não é exactamente a mesma que caracteriza uma conversa qualquer. Há que fazer, se calhar, uma preparação adequada. Não é tanto o ambiente físico em si mesmo – que também tem a sua importância – quanto o ambiente psicológico, individual ou de grupo, conforme se fala em particular ou em grupo. Ora, isso exige alguma prática, alguma experiência e alguma preparação próxima.

 

  1. Exemplo arrasta; palavras voam

   Uma outra característica muito importante dum bom catequista e evangelizador é estar convencido do que está a dizer. Se isso é verdade em relação a qualquer tipo de informação, é-o muito mais em relação a uma matéria – catequese e evangelização – que diz respeito a uma opção de vida, que diz respeito à escolha duma Pessoa (Deus) e da sua mensagem, na qual se aposta a própria vida. Daí a necessidade de que o catequista e o evangelizador procurem pôr em prática aquilo que dizem; até porque não é «aquele que diz: “Senhor, Senhor!”, que entra no reino dos céus, mas sim aquele que faz a vontade do Pai que está nos céus» (Mt 76,21; cf. Lc 6,16). Não há comunicação mais contraproducente do que a de quem fala apenas por «dever de ofício».

 

  1. Não supor o que não é de supor

   E, para que a transmissão da Palavra de Deus «tenha sucesso», não é indiferente o tipo de linguagem que se utiliza. E o tipo de linguagem naturalmente segue as tendências das diferentes épocas. Há que ter, pois, em atenção não só os meios mecânicos, digamos assim, mas também as próprias palavras que, em certos casos, podem não ser percebidas exactamente como julgamos. Não se pode, pois, partir do suposto que, para o público a quem nos estamos a dirigir, as coisas que para mim são perfeitamente claras o sejam também para as pessoas a quem me dirijo. Acontece mais nas pregações na igreja e em outras ocasiões «formais», mas também na catequese pode suceder que os catequizandos não percebam o que dizemos, porque têm outros códigos de compreensão.

 

  1. Quando a coisa «não diz nada»

   O conteúdo da mensagem é sempre igual – é verdade – mas pode acontecer que permaneça lá onde está e não passe para o outro lado, ou seja, para o ouvinte. Anunciar um conjunto de verdades abstractas pode até ter um efeito muito interessante e responder até ao desejo de auto-satisfação e comprazimento do evangelizador ou do catequista – que «falaram muito bem» – mas pode muito bem acontecer que a sua mensagem não passe para o ouvinte. Ora bem, se a mensagem não passa, se não diz nada ao ouvinte, então pode ser uma mensagem esplêndida em si mesma, mas é como se, de facto, não existisse.

 

  1. Palavra eficaz, mas é preciso preparar o terreno

   Seja como for, a transmissão da vida e da Palavra de Deus é sempre uma experiência especial, porque é o próprio Deus que fala através da sua Palavra e sobretudo por intermédio do seu Filho Jesus e sob os gemidos do Espírito. Mas, por isso mesmo, ela não pode ser tida apenas como mais uma «chatice», como mais um frete que é preciso aturar. A Palavra de Deus produz efeitos especiais, porque, pensando bem, é o próprio Deus o protagonista. E, como diz Isaías (cf. Is 55,10-11), «ela não voltará para Deus vazia, não votará sem ter cumprido a sua missão». Mas isso não quer dizer que se possa semear à toa, sem preparar o terreno; sem que o ouvinte saiba o que está a receber.

 

  1. Boa-nova é mesmo boa notícia

   O anunciador/evangelizador sabe, além disso, que tem uma «Boa Nova» a transmitir e, por isso, tem que se esforçar para que a Boa Nova seja mesmo isso: uma Boa Nova. Sim, o Evangelho, ao contrário do que se possa pensar, não é um «manual de condenações», mas sim, antes de mais, uma Boa Nova. O catequista sabe também – é claro – que o Espírito sopra como e onde quer» (cf. Jo 3,8) e, por isso, o sucesso não depende de si em primeiro lugar. Sabe igualmente que o Senhor está presente quando dois ou mais estão reunidos em seu nome (cf. Mt 18,20). Mas isso significa precisamente que tem a obrigação de preparar o terreno para que o Espírito possa soprar mais à vontade e para que Jesus seja descoberto mais facilmente.

 

  1. A vida é o «terreno» de Deus

   Daí a responsabilidade do anunciador/evangelizador no sentido de saber adaptar-se à mentalidade dos interlocutores e às circunstâncias em que eles se encontram. Por outras palavras, tem que saber ser o elo ligação entre a vida concreta das pessoas e Deus que se quer manifestar precisamente através dessa vida concreta. Se Deus é Aquele que, numa aliança que se renova constantemente, quer viver na vida concreta das pessoas, então o catequista ou evangelizador têm que fazer com que esse encontro se dê na vida de todos os dias. É certamente por isso que é tão importante que, para além da transmissão formal, digamos assim, da Palavra de Deus, não se possa descurar também o «contacto» pessoal, que possibilite a experiência do encontro com Jesus.

 

V.        COMO PASSAR A MENSAGEM (MODELOS)

 

  1. Quem são os modelos?

   Como qualquer catequista ou evangelizador deve saber, para aprender a comunicar a «Palavra de Deus», uma das primeiras coisas a fazer é procurar os modelos de comunicação na própria Bíblia. E, nesse aspecto, naturalmente, o primeiro e o supremo comunicador da vida de Deus é o próprio Jesus, que é o «Verbo», ou seja, a própria Palavra de Deus. É por isso que «ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar» (cf. Mt 11,27). A seguir, são aqueles que, de mais perto, privaram com Ele e que, após dúvidas – alguns deles ainda duvidavam quando Ele subiu aos céus (cf. Mt 28,17) – e também algumas «cabeçadas» (passe a expressão!), descobriram e transmitiram aos outros que Deus está a falar a sério quando decide salvar todos aqueles que, por meio deles, acreditarem que Jesus é o Filho que Ele enviou, a fim de restabelecer o modelo original que Ele planeara.

 

  1. Constantes nas primeiras pregações

   Após a leitura de algumas passagens, pude identificar algumas características comuns que se verificam em todos os discursos cujo objectivo é comunicar aos ouvintes a Boa Nova da Salvação:

  • Fundamentam-se na «Escritura». Quando se trata de falar para pessoas com familiaridade com as Escrituras, os primeiros anunciadores ou «evangelistas» nunca dispensam o recurso à «prova» escriturística. Isso é típico nos Discursos dos Actos dos Apóstolos, mas também nos escritos evangélicos; o que é notório dum modo particular no evangelista Mateus. Exemplo disso é também o episódio extraordinário que se refere aos dois discípulos de Emaús (cf. Lc 24,13-35).
  • O convite de Deus permanece sempre em aberto. Um terceiro elemento recorrente em todos é que a sua mensagem é, em primeiro lugar, a transmissão duma experiência de vida e duma «Boa Nova». Tanto no caso de Jesus como no dos primeiros anunciadores, a ideia que prevalece é a de que, apesar do mal e dos pecados, é sempre possível acolher o convite de Deus. Ou seja, na óptica dos primeiros evangelizadores, o mal não pode ser a última realidade.
  • Partem dos casos da vida. A primeira constante é que Jesus – como, de resto, os primeiros pregadores – parte dos factos concretos de todos os dias para falar da preocupação de Deus pelas pessoas: falam do que acontece, do que se diz, do que se passa, do que as pessoas sabem, do clima, das estações, enfim, das coisas da vida. Como exemplo, poderei citar o caso das críticas que são dirigidas a Jesus por não fazer nada pelo facto de alguns dos seus discípulos colherem espigas ao sábado (cf. Mc 2,23ss). Pois bem, Jesus aproveita logo a oportunidade parar falar do plano de Deus a respeito das pessoas e para lhes dizer que as regras devem servir para encontrar a Deus e não para afastar as pessoas dele. Um outro exemplo é o referente ao 1º discurso de Pedro à multidão logo a seguir ao fenómeno do Pentecostes. Como se sabe, perante o assombro com que aqueles «ignorantes» falavam de Deus, alguns dos presentes começam a acusá-los de que estavam bêbados (cf. Act 8,14ss). Pois bem, Pedro parte precisamente desse facto para lhes comunicar um outro tipo de mensagem muito mais importante.
  • Falam para que os outros entendam. Outra característica que consigo identificar é o facto de que, no geral, tanto Jesus como os Apóstolos usam palavras que todos possam entender. As histórias e as parábolas são um veículo privilegiado usado por Jesus e pelos primeiros evangelizadores. De Jesus se diz que falava em parábolas, mas também nos Actos encontramos algo de parecido. Senão, oiçamos os Actos (neste caso, o pregador é Lucas) 10,34ss. Todavia, em casos em que a linguagem é mais elaborada, nomeadamente, nas suas disputas contra os fariseus e os doutores da Lei, Jesus usava uma linguagem mais elaborada (cf. Mt c. 23; Lc c. 20; Jo cc. 3.4; 12,37ss).
  • Partem do que os ouvintes sabem. Em qualquer dos casos, há uma nota interessante que me parece importante realçar. É que começa por se fazer o anúncio precisamente àqueles que tinham lidado com Jesus e que, portanto, sabiam dele e sabiam o que tinha dito e o que tinha feito. Este é um dado característico tanto do 1º Discurso de Pedro (Act 2,22ss), como do 2º Discurso (Act 3,13ss) como no discurso que o mesmo Pedro fez em casa de Cornélio (cf. Act 10,34ss).
  • Tomar uma decisão concreta. Finalmente – e sem com isto querer esgotar o assunto – verifico sempre que, na primitiva pregação, para além dos elementos comuns identificados, há um que me parece importante: é que há sempre o convite explícito feito pelos primeiros evangelizadores a que as pessoas façam algo de concreto. Esse é como que o sinal claro e externo de que perceberam e interiorizaram o alcance das palavras evangelizadores. Cito, ao acaso, o exemplo do próprio Jesus, depois de contar a história do Samaritano: «Vai e faz tu também o mesmo» (cf. Lc 10,29-37). Não será que isso falta muito nas nossas catequeses e pregações?

 

  1. Primeiro a pregação; depois a doutrina

   Para terminar, seja-me permitido acrescentar que, apesar de tudo aparentemente ter sido feito, a evangelização não está completa. Por outras palavras, supõe-se, nessas circunstâncias, que, após uma decisão concreta (a chamada conversão), que deriva da pregação, se segue, muito naturalmente, um aprofundamento do compromisso e da adesão a Cristo.

   Ou seja, a evangelização não está terminado logo que tiverem sido lançadas as primeiras bases. É caso para perguntar: e quais são as primeiras bases? A evangelização, rigorosamente falando, não se reduz às primeiras bases, que assentam na pregação. Seja como for, esse primeiro anúncio é indispensável. Sem ele, não pode haver evangelização subsequente.

   Dito de outra maneira, quando tiverem sido lançadas as primeiras bases, há que prosseguir. Em todo o caso, esta ou as posteriores fases não se podem confundir com o primeiro anúncio. Há assim que fazer a distinção entre Pregação e Doutrina. A doutrina, assim, será como que a complementação, digamos, da primeira fase, que é fundamentalmente a Pregação.

   E então, no que diz respeito ao tema que ocupou a nossa atenção, penso que devo deixar uma pergunta: se bem que, naturalmente, as fases da «doutrinação» sejam indispensáveis, não será que, nas nossas catequeses e nas nossas pregações, não transmitimos a doutrina mesmo antes de termos procedido à pregação?