Temas de fundo |
1ª leitura (Is 9,1-6): O povo que caminhava nas trevas viu uma grande luz. As pessoas viviam em terra de sombras, mas agora uma luz brilha sobre elas. Senhor, destes-lhes uma grande alegria e aumentaste o seu júbilo. Elas exultam por tudo o que fizeste a seu favor, como se alegra o povo no tempo da ceifa ou como os que repartem os despojos da guerra. Quebraste o jugo que pesava sobre elas e a vara que lhes feria os ombros. As botas que pisam o solo com desdém e as capas ensopadas de sangue serão devoradas pelas chamas. Um menino nasceu para nós! Um filho nos foi dado! Ele será o nosso chefe e chamar-se-á «Conselheiro Admirável», «Deus Poderoso», «Pai Eterno», «Príncipe da Paz». O seu poder real nunca terminará e o seu reino estará sempre em paz. Ele reinará como sucessor de David, baseando o seu poder no direito e na justiça, desde agora e para sempre.
* O poder de Jesus baseia-se no direito e na justiça.
Este trecho da primeira parte do livro de Isaías é, de alguma forma, um pequeno enunciado de teologia. As imagens para descrever o exílio babilónico são aplicáveis a toda a espécie de exílio humano, que é causado pelo mal e pelo pecado. Mas, não obstante isso, um facto é certo: como já tinha sido predito pelo chamado «proto-evangelho» do livro do Génesis (cf. capítulo 3), o Mal não tem a última palavra. Ao Menino, cujo nascimento na sua natureza humana se celebra no Natal, são, todavia, atribuídos títulos que não deixam lugar a dúvidas quanto à sua natureza divina. Além do mais, recebemos a garantia de que o seu reino nunca terá fim e a paz será sempre um perrogativa que não terá fim. Agora, o problema está em saber que ideia é que, ainda hoje, temos de para e de Reino de Deus. Se, por reino, entendemos o exercício do poder sobre todas as coisas à força, então isso quer dizer que ainda não entendemos nada do plano e do projecto de Deus sobre a humanidade. Dito de outra maneira e com palavras simples, Deus não quer vencer ninguém. Se podemos utilizar a expressão, o que Ele quer é convencer a todos de que a vida plena é possível e que Ele está disposto a tudo, mesmo a enviar o seu Filho unigénito, para que todos os que nele crerem não se percam, mas se salvem. PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.
2ª leitura (Tt 2,11-14: Deus revelou-nos a sua graça, que é portadora de salvação para toda a humanidade. Essa graça leva-nos a abandonar a vida mundana e as paixões terrenas e a viver no século presente em atitude de disciplina, justiça e piedade, enquanto esperamos pelo dia bendito em que a glória do nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo se manifestar. Ele entregou-se por nós para nos resgatar de toda a maldade, para nos purificar e para fazer de nós um povo santo que só a Ele pertence e que está desejoso de fazer o bem.
* Ele é portador da salvação para toda a humanidade.
Paulo, neste carta ao seu discípulo e amigo Tito - por ele convertido do (a partir de Roma?) paganismo e depois nomeado e colocado como bispo de Creta - fala sobretudo de três pontos: em primeiro lugar, dá-nos o significado da vinda de Cristo (é manifestação da graça, que é portadora de salvação para toda a humanidade); em segundo lugar, descreve em poucas palavras os efeitos da salvação trazida por Cristo (abandono da vida mundana e das paixões terrenas e vivência da justiça e da piedade); e, em terceiro lugar, garante-nos que Jesus se entregou para nos resgatar de toda a maldade, para assim nos purificar e fazer de nós um povo santo.
PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.
Evangelho (Lc 2,1-14): No ano em que o imperador Augusto mandou fazer um primeiro recenseamento por todo o Império romano, Quirino era governador da Síria. Todos iam recensear-se; cada um à sua terra natal. Também José foi, da cidade de Nazaré na Galileia, à cidade de Belém na Judeia, a terra natal do Rei David. José foi a Belém porque era descendente de David. Foi recensear-se com Maria, que era sua esposa e estava grávida. E, enquanto estavam em Belém, chegou a altura de ela dar à luz. E ela deu à luz o seu filho unigénito, que envolveu em panos e deitou numa manjedoura, pois não havia lugar para eles na hospedaria. Havia naquelas redondezas uns pastores que passavam a noite nos campos a guardar os seus rebanhos. Então apareceu-lhes um anjo do Senhor e a glória do Senhor refulgiu à volta deles. Eles ficaram amedrontados, mas o anjo disse-lhes: «Não temais! Estou aqui para vos dar uma boa notícia, que será uma grande alegria para todo o povo: hoje mesmo, na cidade de David, nasceu o vosso Salvador, o Messias Senhor. E este será o sinal do que vos digo: encontrareis um menino envolto em panos e deitado numa manjedoura». De repente, apareceu uma multidão do exército celeste a cantar louvores a Deus: «Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados!».
* Nasceu o vosso Salvador, o Messias Senhor.
Nesta nota não me quero imiscuir em explicações técnicas sobre problemas históricos e de exegese que o texto supõe e que, porventura, fazem as delícias dos peritos na matéria. Se calhar, essas explicações fazem também as delícias, de alguma forma, dos «detratores» que em todo o pequeno sinal de «contradição» veem um pretexto válido para ridicularizar o cristianismo e para adjetivar o texto evangélico como mítico ou coisa que o valha. Ora bem, a verdade, porém, é que é preciso ter uma mentalidade suficientemente aberta para entender que a linguagem bíblica não se envergonha de lançar mão de todas as «técnicas» literárias para veicular uma mensagem que é sempre de cariz religioso. Isto para dizer pura e simplesmente que os que pretendem descortinar neste texto - e noutros - uma tentativa de fazer ou história no sentido rigoroso do termo, ou então ciência, não chegaram ainda a perceber a índole da Bíblia. E são os que veem um significado literal uns primeiros a pensar que quem não percebe as coisas assim é sinal de que tem pouca inteligência. Ora, passar aos outros o estatuto de estúpido é do que mais custa a aceitar. Seja como for, para não produzir interpretações erradas, o primeiro passo a dar é não ver tudo um interpretação literal. Em qualquer caso, uma das mensagens a tirar é que Jesus é o único o Salvador, Ele é o Messias e o Senhor, exactamente porque Ele é a «imagem visível do Deus invisível», que é o único que pode verdadeiramente salvar por ser o único Senhor.
PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO. |
* Um menino nasceu para nós. Um menino nos foi dado!
* Deus revelou a sua graça para a salvação de toda a humanidade.
* Glória a Deus nas alturas e na terra paz aos homens que Ele ama. |
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NASCEU O VOSSO SALVADOR, O MESSIAS SENHOR. |
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Não falta nada; falta Alguém
Antigamente, havia a Novena de Natal celebrada com solenidade como momento culminante e significativo de preparação dos cristãos para o nascimento de Jesus. Hoje em dia, em virtude de as circunstâncias serem outras, muito possivelmente, a novena talvez tenha passada a ser feita noutros moldes, segundo as novas circunstâncias e exigências tecnológicas. Seja como for, mesmo com este desconto, nos dias que correm, durante a novena, suspeito que o supermercado esteja mais cheio de pessoas do que a igreja. Ou seja, muitos cristãos (e também não cristãos) estão mais atarefados com os preparativos para a festa externa e não têm tempo para o Natal como deve ser. Bem, se calhar, nem sequer chegam a pensar no que realmente significa o Natal.
Bom, embora correndo o risco de exagerar talvez um pouco, eu diria que as pessoas percorrem com uma certa angústia a lista de parentes e amigos a quem é preciso oferecer o presente de Natal, preocupam-se com as receitas da Consoada, com o problema dos vestidos novos e... assim vão passando rápidos os dias. Quem é que tem tempo para se preocupar com Deus, que, amando de tal maneira os homens, não duvidou vir viver com eles? (cf. Jo 3,16). «Felizmente que é Natal uma só vez por ano!», lamentam-se alguns, chegados a casa com os braços paralisados com tantos pacotes e embrulhos.
Mas, mesmo neste caso, quando se pensa que, mesmo no que às «exterioridades» diz respeito, parece tudo estar em conformidade com o cardápio da ocasião, eis que, a gente acaba por chegar à conclusão de que falta sempre qualquer coisa. O que acontece é que, na realidade, mais do que alguma coisa, o que falta é Alguém; falta Aquele que deve ser a razão de toda a azáfama deste período do ano. Numa palavra, atarefamo-nos a preparar o Natal, quando, pelo contrário, deveríamos era preparar-nos para o Natal.
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Deixem crescer o Menino!
Mas passemos ao que interessa realmente na óptica religiosa. Porque as exteroiridades não nos devem condicionar de tal maneira que nos mantenham abstraídos do essencial. E, assim, eu diria: parece uma coisa estranha, mas o homem deve ser uma criatura muito especial... para Deus se dar ao trabalho de, por amor dele, se fazer homem também! Já o salmista contemplava extasiado esta atitude de Deus, sem realmente compreender: «Quando contemplo os céus, obra das tuas mãos, a lua e as estrelas que Tu criaste: que é o homem para te lembrares dele, para com ele te preocupares? Quase fizeste dele um ser divino; de glória e honra o coroaste!» (cf. Sl 8,4-6).
E, ainda por cima, Deus faz essa «loucura» expondo-se ao perigo de ser esquecido e até sufocado por tantas outras preocupações. E, com efeito, muitos sufocam-no, fazendo do Natal a festa do consumismo por excelência, do gasto institucionalizado. Em linha de máxima, o Natal não passa, com frequência, de uma festa envolta num misto de poesia, bondade e sentimentalismo envernizado de comoção, sem impacto real na vida concreta.
Outros - talvez a maioria - sufocam o Menino impedindo-o de crescer. Nessa perspectiva, o Deus feito homem permanece menino por toda a vida. As palavras deste Menino, que cresceu e se fez adulto e morreu não por puro sentimentalismo, não são escutadas e postas em prática. Talvez algo do que Ele disse até seja conhecido, pelo menos nos chamados países «cristãos», mas a prática é nula.
Seja como for, se Deus se dá a esse trabalho todo, passe a expressão, é porque deve ser um assunto muito sério. Faltando isso, a festa não tem sentido, as luzes cintilantes não chegarão a romper a obscuridade da injustiça e do ódio, a árvore nunca ganhará raízes de salvação, a mesa ficará desoladoramente pobre e triste, não obstante a sua escandalosa abundância, o vestido ou o fato novo servirão apenas para mascarar o vazio duma existência toda sacrificada no altar da mera aparência e da superficialidade.
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E os seus não O receberam
É evidente que o sentido original e profundo do Natal não pretende eliminar, de maneira nenhuma, o ambiente festivo e de poesia que rodeia esta quadra festiva. Se esse ambiente e essa poesia existem, convenhamos, é por ser Natal. Mas é preciso evitar, a todo o custo, a redução do Natal a uma tradição anual, reduzir Jesus a um mito ou a uma fábula, para contar às criancinhas. Quer queiramos quer não, duma maneira ou doutra, Jesus é parte da nossa vida humana. É, pois, necessário repensar e redimensionar a exterioridade do Natal, colocando-a no seu contexto exacto: o Jesus que nasce é a Palavra de Deus que se faz homem.
Na época do Natal, nós talvez sejamos mais propensos a fixar a nossa atenção em Jesus Menino, seguindo as narrações de Mateus e de Lucas. E, no entanto, se olharmos bem, mesmos essas narrações não são assim tão «folclóricas» como se julga. Por outro lado, lendo com atenção o evangelista João (que, aliás, nos é proposto numa das três missas deste dia), não há muito lugar para sentimentalismos. O facto é que é necessário aceitar o recém-nascido não só na sua «fase» de menino, mas na totalidade da sua vida, desde o nascimento até à morte.
Aliás, ainda segundo o mesmo evangelista João, para além da «fase» do nascimento e da infância, é necessário aceitá-lo na «fase» anterior à sua humanização, bem como na «fase» posterior, ou seja, na sua qualidade de verdadeiramente Deus e na sua qualidade de verdadeiramente homem, que cresce e morre. São necessários estes três tempos, por assim dizer, para O conhecermos realmente. Se O não conhecermos assim, quer dizer que a mensagem do Natal ainda não entrou a fazer parte da nossa mentalidade e da nossa vida.
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Nos caminhos de Maria
Para nos ajudar nesta descoberta, temos a Sua Mãe a chamar-nos a atenção para o essencial e, por outro lado, para a simplicidade, com o seu silêncio luminoso, mais eficaz do que qualquer palavra, enfim, com a sua atitude constante de escuta e disponibilidade.
Deus fez-se homem para salvar os homens, mas é indispensável que não encontre resistência aos seus planos inauditos. Ele tem precisão de pessoas que não exclamem: «Eis o que eu decidi, eis os planos que eu preparei!», mas que digam simplesmente: «Eis aqui, Senhor!». Maria preparou o verdadeiro santuário que Deus esperava, muito longe dos planos mirabolantes do rei David, que lhe queria construir uma «casa» rica que rivalizasse com todos os palácios dos reinos vizinhos de Israel (cf. 2Sam 7,1-3). Deus só está como que «à sua vontade» quando está em nossa casa. É essa a sua casa preferida. Quem sabe quando poremos de lado a mania de imitar David na idealização dos seus preparativos e quando encontraremos a calma, o silêncio, a paz, a oração (à imitação da Virgem de Nazaré) para viver esta época do ano! Quando é que nos haveremos de convencer que a Deus dificilmente O encontraremos nas coisas, no supermercado, no frenesim do consumismo?