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Categoria: Domingos do Tempo Comum - Ano C
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XII DOMINGO COMUM

1ª leitura (Sir 3,19-21.30-31):  Os homens altivos e soberbos são muitos, mas é aos humildes que Deus revela os seus segredos. O poder do Senhor é grandioso e Ele é glorificado pelos que são humildes. Não queiras entender o que é demasiado difícil para a tua inteligência nem investigar assuntos que estão para além da tua capacidade de conhecimento. Dar aos pobres expia os pecados, assim como a água apaga o fogo. Quem retribui aos outros com atos de bondade está a pensar no futuro, pois encontrará ajuda quando chegarem tempos difíceis.

 

* O poder do Senhor é glorificado pelos humildes.

   Antes, o Livro de Ben-Sirá era conhecido por Eclesiástico por ser muito utilizado pelas igrejas (eklesía) ou comunidades cristãs. Eventualmente, também lhe poderemos chamar «Sirácide». O autor deste livro (Jesus, filho de Sirá) escreve, segundo os entendidos, por volta do ano 180 a.C., um pouco antes da sublevação dos irmãos Macabeus. O conhecimento destes dados é importante para compreender que o contexto supõe uma razoável influência grega. O quue naturalmente não pode deixar de se refletir na forma de escrever do autor. Nessa perspetiva, há a tentativa a aproveitar o que há de bom no pensamento «pagão», mas defendendo sempre a fé tradicional. No caso presente, nota-se a preocupação do autor em deixar claro que nem tudo é atingível pela inteligência e aferível pelo pensamento grego. E, nesse sentido, é um «aviso» válido para os tempos de hoje, na medida em que, por vezes, se nota a tendência para admitir apenas o que cabe dentro dos parâmetros da lógica humana. Por outras palavras, somos postos de sobreaviso contra a tentação de querer aferir a realidade só pelo metro da cientificidade. Ora, o que este texto nos diz é que isso não corresponde à verdade, porque há coisas na vida que ultrapassam as capacidades da nossa inteligência.

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2ª leitura (Hb 12,18-19.22-24a):  Não viestes, como fez o povo de Israel, para o que é palpável com os sentidos, para o Monte Sinai com o seu fogo ardente, a sua escuridão e as suas trevas, com os seus relâmpagos e com os sons de trombeta e o som da voz. Quando o povo ouviu esta voz, pediu para não ouvir mais nenhuma palavra, porque não era capaz de suportar as ordens que vinham através dela. Pelo contrário, vós viestes para o Monte Sião e para a cidade do Deus vivo, a Jerusalém celeste com os seus milhares de anjos. Vós viestes para a reunião festiva dos primogénitos de Deus, cujos nomes estão escritos no céu. Vós viestes para Deus, que é o juiz de toda a humanidade, e para vos unirdes ao espírito dos justos que atingiram a perfeição. Vós viestes para Jesus, o mediador duma nova aliança.

 

* Vós viestes para a Jerusalém celeste, para a cidade do Deus vivo.

   Continuamos a leitura e a reflexão sobre a Carta aos Hebreus. Ora, embora podendo parecer aborrecido, insisto no facto de que o seu autor quer levar os seus ouvintes e leitores a não ter saudade dos tempos passados, em que possivelmente as coisas lhes pareciam mais solenes. No caso presente, trata-se da Aliança antiga que tinha sido assinalada com relâmpagos, trovões, sons de trombeta. Ao contrário, a nova Aliança é a que é feita a partir da intimidade. Por outras palavras, o que daí se pode concluir é que a antiga Aliança induzia nos seus destinatários mais uma atitude de escravos do que de filhos, ao passo que a nova é uma aliança de amor e de paz. Por isso o autor pode dizer aos seus cristãos que estão em vantagem sobre os antepassados, na medida em que podem abeirar-se de Deus sem medo, mas com confiança, por meio do grande Mediador Jesus Cristo, que por todos deu a vida. E esta constatação é também para nós um convite e deixarmos de lado o temor e a tratarmos a Deus como Pai.

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Evangelho (Lc 14,1.7-14):  Num sábado, Jesus foi jantar a casa dum dos chefes dos fariseus. As pessoas estavam a observá-lo com atenção. Jesus notou como os convidados escolhiam os melhores lugares. Sendo assim, contou-lhes a seguinte parábola: «Quando alguém te convidar para um banquete, não vás sentar-te no melhor lugar. Pode acontecer que alguém mais importante do que tu tenha sido também convidado e quem vos convidou aos dois tenha que te dizer: "Cede o lugar a este". Então tu ficarás envergonhado e terás que ir sentar-te no último lugar. Ao contrário, quando fores convidado, senta-te no último lugar, de maneira que quem te convidou virá ter contigo para te dizer: "Amigo, vem mais para cima". Isso será para ti uma honra aos olhos de todos os outros convidados. Pois quem se fizer grande será humilhado e quem se humilhar será exaltado»...

 

* Quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado.

   Partindo dum facto ou, melhor dizendo, duma constatação real, Jesus exorta os que O ouvem a que não se julguem mais do que realmente são. Mas, como é óbvio, a sua intenção não é reduzir a sua mensagem a propor só critérios de etiqueta ou comportamento social. Ao contrário, o alcance das suas palavras vai muito além das simples normas de etiqueta. Por outras palavras, Jesus faz desse facto real uma espécie de parábola que tem a ver com a forma como nos devemos comportar naquele que é o «banquete do Reino». Nesse sentido, na escala de prioridades que Jesus estabelece para a comunidade cristã, o primeiro deve ser o último, ou seja, aquele que serve. Mais do que em qualquer outro encontro, no banquete do Reino há que agir sem cálculos e jogadas interesseiras. O primeiro lugar atrai sempre as pessoas. Mas, a fazer fé no texto evangélico (e acho que assim deve ser), a honra que conta é a que é atribuída pelo anfitrião do banquete, que é o próprio Deus. Eu diria mais: no que concerne ao Reino, não vale a pena fazer cálculos. Pretender fazer contas com Deus é seguir o caminho menos indicado. Já agora, a este propósito, eu acrescentaria que não nos convém alimentar a preocupação sobre o lugar que devemos ocupar. Ou, por outra, como diz a sabedoria popular, nunca nos esqueçamos que Deus nunca se deixa vencer em generosidade.

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.

 *   O poder do Senhor é honrado pelos que são humildes.

 

 *   Vós viestes para a Jerusalém celeste, para a cidade do Deus vivo.

 

 *   Quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado.

 

 

    O tema para hoje foi-nos sugerido já pela liturgia da palavra do domingo passado: os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos. E o texto mais explícito sobre o assunto é mais uma vez o texto evangélico. Parece tudo muito estranho, quando aparece Jesus em cena. A situação é como que mudada por completo, a tal ponto de os primeiros passarem a ser os últimos e os últimos passarem a ser os primieros. Há aqui uma lógica que não tem nada a ver com a lágica a que chamamos lógica humano. É o que sucede no espísódio evangélico de hoje. É sábado e Jesus, participando num jantar oferecido por um fariseu distinto, com as suas palavras e gestos, insinua, aliás, sugere, sem sombra para dúida, uma viragem profunda na perspetiva do jantar; acena a um outro tipo de banquete, a que, em termos mais recentes, se chama o banquete escatológico do Reino.

 

    Para além de outras atitudes, que não vem para o caso aqui referir, Jesus deixa clara a sua opinião sobre o que devem ser as relações entre as pessoas no mais profundo do ser e, certamente, essas relações não se medem pela superficialidade das coisas. É caso para dizer que as aparências iludem. No fundo, o que Lhe interessa é fazer ver que o banquete de Deus é um dom gratuito aberto a todos e, se se pode falar de previligados, os que mais «respeito e dignidade» recebem são o que estão na última fila, os abandonados da terra.

 

    É pena que a proposta do texto do Evangelho tenha saltado a referência a um homem doente de hidropisia. Pois bem, este homem doente que é curado é como que o paradigma do primeiro convidado ao banquete de Deus. Não se pode pretender ocupar o primeiro lugar ou ser honrado em razão da própria dignidade ou importância social. Na óptica do Reino de Deus, a vida alcança-se através do serviço aos outros. A autêntica grandeza é sempre um efeito ou expressão do dom que, oferecido aos outros, se recebe, em câmbio, enriquecido...

 

    Sabemos pela experiência da história e pela experiência pessoal que o homem é um ser que estabelece relações com os outros. Não obstante essa seja uma constatação positiva e objetiva, isso não quer dizer que essas relaçõs sejam sempre bem intencionadas. Com frequência, são finalizadas, digamos assim, para um melhoramento da situação da própria vida. E, para isso, caso convenha, não se faz cerimónia em ocupara os primeiros lugares, quando não se espezinham os outros, para demonstrar a própria importância. Ora bem, Jesus acrescenta que, na festa da vida, a troca não é nunca a lei definitiva: «Dou-te para que tu me dês»; «Convido-te para ser convidado»; «Ajudo-te porque um dia espero vir também a ser ajudado». É o que se vê em todo o momento das relações humanas.

 

    O mundo de Jesus está, ao contrário, «centrado» no amor que oferece gratuitamente: «Convida aquele que não te pode restituir o favor, ajuda o pobre que não te pode pagar, oferece o que tens (e sobretudo o que és) sem pensar em nenhuma recompensa». Quando agirmos assim, possivelmente até teremos a impressão de que estamos a perder qualquer coisa (e aos olhos dos homens podemos parecer uns «doidos»), mas Jesus assegura-nos que é esse o caminho que conduz à vida eterna.

 

    Esta temática do serviço aos outros é um dos capítulos mais difíceis de pôr em prática em todo o Evangelho. Em termos teóricos, talvez não nos custe assim tanto a entender que o que Jesus quer dizer é mesmo o que Ele diz. Mas, no que à prática diz respeito, as coisas já são bem assim. A compreensão, nesse caso, torna-se problemática, porque temos a tendência a não quer aplicar a nós pórpios o qu ouvios e entendemos.

 

    Numa perspectiva de fé, agora que temos conhecimento daquela que foi a experiência e vida do próprio Jesus, podemos até nem ter dificuldade em admitir a verdade do serviço... em teoria. Mas a prática é que o problema. Porque, por mais que nos esforcemos, nestas coisas, somos sempre um pouco como os judeus e como os gregos: consideramos o discurso do último lugar, o discurso do serviço desinteressado aos outros, ou como um escândalo ou então como um absurdo.

 

    Foi o escândalo e o absurdo o que aconteceu com a vida e sobretudo com a morte de Jesus. Através de Jesus Cristo, Deus apresenta-se-nos como um Deus «novo», um Deus cuja sabedoria nos parece impensável e imprevisível. Acrescento, em abono da verdade, que Jesus não é um «homem» que se sujeite a reger-se pelas chamadas boas maneiras. E, naquele seu último jantar (cf. Jo 13,4ss), em vez de fazer como todos, não acata as regras do jogo e denuncia as regras do interesse e da ambição arrivista, contrapondo-lhe como valores a humildade e o amor gratuito. Já alguma vez se viu o chefe da mesa levantar-se, cingir-se com uma toalha e lavar os pés aos comensais (cf. Jo 15,5)?

 

    Sabemos que Jesus é a revelação do Pai. Mas a ideia que Ele nos dá do Pai é muito «estranha». A cruz é a sua sabedoria e a morte a sua vitória. A sua paixão e morte, em vez de serem o fim de tudo, são o início dum novo Reino. Na cruz inicia-se a constituição do novo povo, cuja característica fundamental é o amor, que se traduz no serviço aos outros, principalmente aos últimos de todos. Quem quer entrar, pois, a fazer parte integrante deste povo tem que aprender um novo tipo de sabedoria. Ou seja, que a segurança não está na prudência e nos cálculos humanos nem na possessão das riquezas ou na força do domínio.

 

    Não é a dominação duns sobre os outros que pode conduzir a humanidade a novos horizontes de fraternidade e igualdade. Só o reconhecimento de que todos os homens são irmãos uns dos outros, porque filhos do mesmo Pai, é que pode levar a humanidade a autênticas realizações para melhor. De alguma forma, bem entendida frase, pode-se dizer que não há ninguém melhor que ninguém...

 

    É na linha deste serviço que se situa a primeira leitura do livro de Ben-Sirá, mais conhecido pela tradição pelo título de Eclesiástico. O título por que agora é conhecido deriva do título no original, ou, mais exatamante, veio tomar o lugar do antigo título, pois à letra é pura e simplesmente o nome daquele que se supõe tenha sido o seu autor: um tal Jesus, filho de Sirá).

 

    Segundo o texto de hoje, a atitude humilde daquele que não se julga superior aos outros, mas que se sabe colocar no lugar que lhe compete nas relações sociais, é mais importante do que a munificência e generosidade. O homem consciente dos seus limites pensa, fala e age com coerência e acaba por ganhar a estima e o afecto dos seus semelhantes.

 

    Etimologicamente, humilde deriva do latim «humilis» que, por sua vez, deriva de «humus» (terra). Humilde é, portanto, aquele que não se eleva desmedidamente, mas se move, por assim dizer, com os pés bem assentes na terra. Donde se segue que, mesmo no meio das riquezas e da importância social que alguém possa ter, não pode nunca esquecer a sua condição de criatura «tirada» da terra.

 

    Só a pessoa humilde chega a ter uma ideia aproximada (embora sempre imperfeita) da distância que há entre a sua pequenez e a grandeza de Deus. É por isso que o homem humilde não cai na ideia néscia de ultrapassar as fronteiras que lhe foram fixadas pela sua própria natureza. Em primeiro lugar, não lhe vem à mente sobrepor-se ao próprio Deus. E, em segundo lugar, sabe perfeitamente que, na essência, não é superior seja a que homem for e, por conseguinte, nunca pretenderá ser servido por nenhum semelhante.

 

    Nesse aspecto, a leitura do Antigo Testamento apresenta muitas semelhanças com o trecho evangélico. Dum ponto de vista pessoal, a novidade de Jesus está no facto de Ele exigir a superação do egoísmo cuja estratégia é levar o homem a considerar-se o centro da vida dos outros.

 

    Quem procura só a sua justiça, o seu interesse e a sua plenitude perde algo como ser humano. Não compreende a verdade de Jesus Cristo que, no alto da cruz, oferece a sua existência pelos outros. Em segundo lugar, na ótica cristã, só quem dá sem fazer cálculos pode atingir a grandeza. O texto evangélico esclarece este ponto fazendo referência à plenitude da ressurreição. Jesus recupera na glória aquilo que «perdera» na morte. De maneira semelhante, os crentes recuperam aquilo que tiverem sabido dar aos outros gratuitamente.

 

    A sociedade vive e organiza-se sobre a competitividade e o lucro. A perspectiva de Jesus Cristo não é precisamente esta. Para nós, que dizemos ter fé, a pergunta é a seguinte: Quem é que terá razão?