Imprimir
Categoria: Domingos do Tempo Comum - Ano C
Visualizações: 488

Temas

de

fundo

1ª leitura (Jr 38,4-6.8-10): Os oficiais foram ter com o rei e disseram-lhe: «Este homem tem que morrer. Ao falar assim, ele está a desanimar os soldados na cidade. Aliás, tem feito a mesma coisa com toda a gente que ainda resta na cidade. Ele não está a tentar ajudar o povo. O que ele quer é a sua desgraça». O rei Sedecias respondeu: «Muito bem, aí o tendes! Fazei dele o que quiserdes. Eu não vo-lo posso impedir». E, assim, pegaram em mim e, com umas cordas, lançaram-me no poço do príncipe Malquias, que havia no pátio do palácio. Não havia água no poço, só lama, onde me afundei todo. Mas um criado que trabalhava no palácio foi ter com o rei e disse-lhe: «Majestade, o que estes homens fizeram está mal. Puseram Jeremias no poço, onde de certeza vai morrer de fome, já que não há mais mantimentos na cidade. Então o rei mandou o criado que levasse consigo três pessoas e me tirasse do poço antes que morresse.

* Jeremias acusado de ser o causador do mal de toda a gente. O profeta Jeremias viveu num dos momentos mais conturbados da história do Povo de Israel: o fim do Reino de Judá (ou Reino do Sul), em 586 a.C., às mãos de Nabucodonosor, rei da Babilónia. E o seu livro espelha precisamente essa situação, sendo que o próprio profeta se vê hostilizado pelos seus conterrâneos (sem excluir o próprio rei) pelo facto de os pôr de sobreaviso sobre os perigos que as suas tomadas de posição acarretavam. O rei Sedecias é a imagem patética de quem não é capaz de tomar uma decisão, cedendo aos vários grupos de pressão. Todo o povo irá pagar por isso. Por seu lado, Jeremias é inclusivamente acusado de ser a razão de todos os males, quando se limita a propor, em nome de Deus, as soluções que acha mais justas para a situação que se vive. Mas o facto é que todos os profetas, os de ontem e os de hoje, têm que aprender na sua própria carne que a verdade incomoda sempre. E então a multidão e as autoridades encontram sempre pretextos para se verem livres de quem não lhes diz coisas agradáveis. Mas há que dizer também que há sempre alguém que reconhece o papel e as razões que assistem aos profetas. No caso de Jeremias, é um pagão, um etíope, que intercede por ele junto do rei. Valha ao menos isso! No caso de Jesus, é também um militar romano e pagão que faz esse «reconhecimento»: «Verdadeiramente este homem era Filho de Deus» (Mc 15,39). Este é também um sinal de que o papel do autêntico profeta acaba por ser reconhecido, quanto mais não seja por aqueles que menos obrigação teriam de o fazer.

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.

2ª leitura (Hb 12,1-4): Quanto a nós, temos um grande número de testemunhas em nosso favor. Ponhamos então de parte tudo o que nos barra o caminho e desapeguemo-nos de todo o pecado que nos acorrenta tão fortemente e corramos com determinação pelo caminho que está à nossa frente. Tenhamos os olhos fixos em Jesus, no qual depositamos toda a confiança do início até ao fim. Ele não desistiu por causa da cruz! Ao contrário, tendo em atenção a alegria que O esperava, não julgou que fosse uma ignomínia morrer na cruz; e agora está sentado à direita do trono de Deus. Pensai naquilo por que Ele passou, como teve que suportar tanto sofrimento pelos pecadores! Portanto, não vos deixeis desanimar e não desistais. Até porque, no vosso esforço para resistir ao pecado, não tereis que resistir até ao ponto de terdes de derramar o sangue.

 

* Corramos com perseverança pelo caminho que está à nossa frente. O autor da Carta aos Hebreus, cujo objectivo principal é dar ânimo aos primeiros cristãos perseguidos, apresenta como paradigma de perseguição o próprio Jesus Cristo. Utilizando uma imagem que tem algo a ver com as corridas, ele exorta os seus cristãos a nunca desistir, apesar das dificuldades, e a olhar para o exemplo de Jesus, que, depois de superar a prova do sofrimento da cruz, está sentado à direita do trono de Deus. O cristão, apesar das perseguições, deve ser como o atleta, capaz de enfrentar a competição com determinação e sacrifício, sem, porém, nunca esquecer que, se calhar, não lhe será pedido o sacrifício da própria vida. Se nos dermos ao trabalho de continuar a leitura do texto em questão, notaremos logo que o autor acrescenta que o sofrimento e a perseguição são também instrumentos de purificação, de fortalecimento e «focalização» em relação ao que é mais importante na vida: chegar até ao próprio Deus. A «correcção» não agrada no momento em que é aplicada, mas depois produz frutos de paz e de justiça (cf. Hb 12,11b).

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.

Evangelho (Lc 12,49-57):  Vim atear fogo à terra e como desejaria que ele já se tivesse ateado! Tenho um baptismo para receber e como estou ansioso por que tudo passe depressa! Pensais que vim trazer a paz ao mundo? Não, não vim trazer a paz, mas a divisão. A partir de agora, uma família de cinco ficará dividida: três contra dois e dois contra três. O pai estará contra o filho e o filho contra o pai; a mãe estará contra a filha e a filha contra a mãe; a sogra estará contra a nora e a nora contra a sogra...

* Não vim trazer a paz à terra, mas sim a divisão. Quando, neste contexto, se fala de guerra e de paz, parece óbvio que isso não tem nada a ver com a paz e a guerra convencionais. Claro que a finalidade do evangelista é fazer compreender a verdadeira missão de Jesus e a necessidade de optar por Ele, mesmo que isso tenha como consequência o aparecimento de problemas a nível de relacionamento, nomeadamente com os familiares. Uma das passagens paralelas sugerida pela Bíblia que consultei é precisamente o de Mateus, que especifica o que acabo de dizer: «Quem amar o pai ou a mãe mais do que a mim, não é digno de mim. Quem amar o filho ou a filha mais do que a mim, não é digno de mim» (Mt 10,37). Ora bem, diante de Jesus há que tomar uma atitude. E, à semelhança dele, também o cristão, quando é fiel ao Evangelho, será ocasião de «escândalo» e sinal de contradição. A aderência ao Evangelho implica a adopção de critérios que estarão certamente, muitas vezes, em dissonância com os critérios do mundo. Quando Jesus diz que não veio trazer a paz, significa que não veio trazer a paz a qualquer preço. Ou seja, a paz que Jesus nos dá não é a paz que o mundo dá (cf. Jo 14,27). Para alcançar a sua paz, é preciso travar uma guerra constante contra o mal e contra as trevas e, por vezes, é também preciso travar uma guerra contra os próprios familiares que se podem recusar a seguir os critérios propostos por Jesus.

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.

 *   Jeremias foi acusado de ser  o causador      do mal de toda  a gente.

 *   Corramos com perseverança pelo caminho que está à  nossa frente.

 *   Não vim trazer  a paz à terra, mas sim             a divisão.

VIM ATEAR

O FOGO

À TERRA

E É MEU

DESEJO

QUE SE

ATEIE.

   A autêntica riqueza (disse-o no comentário anterior) é a riqueza do Reino de Deus. E o Reino de Deus, em palavras simples, é a comunhão dos homens com Deus em Jesus Cristo promovida pelo Espírito Santo.

    Foi nesse sentido que já os profetas, referindo-se ao Reino, falavam de paz, sossego e alegria nunca vistos; bem-estar no sentido mais profundo do termo, que os judeus traduziam pela palavra shalom. Para eles, era um tempo de harmonia e fraternidade universal ou, para utilizar a expressão de P. Chardin, uma fraternidade cósmica. Todas as barreiras seriam eliminadas e passaria a haver um só povo e um só Deus.

    Mas isso não é um fenómeno automático e «descido dos céus». Exige um empenho constante e um compromisso sério na aceitação da maneira de ver de Jesus, sujeitando-se inclusivamente ao insucesso da solidão, da perseguição e, quem sabe, da morte.

   O Reino de Deus é, de alguma forma, o contrário da ideologia e mentalidade correntes. Os seus princípios não são identificáveis. É por isso que Jesus adverte os seus discípulos em relação às dificuldades que encontrarão pelo caminho. Não lhes esconde o que os espera, ao contrário das ideologias, que oferecem tudo de graça, quando se sabe que isso não é possível. As promessas (a maior parte das vezes não cumpridas) são o forte das ideologias.

    Na perspectiva de Jesus, nem tudo será um «mar de rosas», como se costuma dizer, porque o novo Reino irá dar origem a novas divisões. Por isso, quem acolhe o Reino não tem direito, digamos assim, pelo menos imediata e automaticamente, à paz e ao bem-estar paradisíacos a bom preço, devendo, ao contrário, ultrapassar um processo de guerras, divisão e oposição.

    A fé em Cristo, vivida até às últimas consequências, produz inimigos, porque o amor e a igualdade, que se pretendem inaugurar entre os homens, vão contra os interesses e a mentalidade do mundo. O principal ponto de força do cristianismo é o amor. E, como é sabido, não há amor verdadeiro que não tenha a sua componente de sofrimento. Sendo, na prática, uma nova maneira de ver as relações entre os homens, a doutrina de Jesus é necessariamente contestada por todos aqueles que perderiam os seus privilégios no caso de vitória daquele.

   Sendo o profeta aquele que deve falar em nome de Deus e, portanto, aquele que, com frequência, tem que se apresentar como elemento contra-corrente, às vezes pela simples razão de que tem que narrar os factos na sua realidade nua e crua, ele é alvo das perseguições e maquinações dos seus contemporâneos, que não vêem com bons olhos as suas «insinuações».

    Jeremias é talvez o caso típico daquele que tem que viver no seu dia a dia todas essas contradições. No ano de 586, os babilónicos suspenderam o assédio a Jerusalém não pelos bonitos olhos dos judeus, mas levados pela necessidade de juntar forças para ir contra os egípcios numa outra frente. Esta espécie de «volt face» dá aos habitantes da cidade a falsa esperança de que o seu sofrimento está terminado ou prestes a acabar. Ora, Jeremias é um dos únicos, se não mesmo o único, que vê os factos na sua realidade mais global e que continua a anunciar a destruição da capital de Israel, não obstante as objecções de todos e o sofrimento interior que isso causava ao seu próprio carácter pacífico.

    Assim, Jeremias paga na própria pele o anúncio da verdade e torna-se homem de discórdia e de contradição. Ele próprio gostaria (por feitio) de dizer coisas bonitas aos homens do seu tempo e concidadãos, mas a vontade de Deus (que escolhe o caminho da liberdade) está acima de tudo. E Jeremias, nesse ponto, não tem dúvidas, embora lhe custe.

    O homem prefere confiar na «garantia» da prudência humana, em vez de se abandonar à sabedoria e imprevidibilidade de Deus. E a obrigação do profeta é anunciar precisamente esta liberdade de Deus, que passa por caminhos que não são necessariamente os caminhos dos homens. Também a obrigação do cristão é essa. E, por isso, como os profetas de todos os tempos, tem que estar preparado para pagar com a impopularidade e com a perseguição o preço das suas convicções.

   Aquele que faz a opção por Jesus Cristo e a faz a sério entra, por isso mesmo, no barulho, como se costuma dizer. Se a sua escolha é uma escolha séria, representa, por isso mesmo, uma definição de posições, o que o coloca numa barricada à parte. E é por isso que não deveria haver nenhum cristão caracterizado pela neutralidade. Ora, isso provoca forçosamente uma reacção: ou é um autêntico irmão universal ou então é um inimigo a abater.

    E isso é verdade não só a nível de sociedade, mas até a nível familiar, porque o cristão é posto constantemente perante uma opção que provocará, não a paz, mas sim a divisão. Se isso acontece inclusivamente no âmbito de opções de carácter social e político, como nos é dado verificar a toda a hora, muito mais no âmbito de opções de carácter religioso e vivencial.

    Todavia, mais que objecto de pura perseguição, o cristão é objecto de contradição. Dalguma forma, o seu testemunho só será válido quando ele for sinal de contradição, à semelhança do Mestre. Por outras palavras, mais que simplesmente objecto de oposição, ele deve ser objecto de contradição. Ou seja, como a palavra diz claramente, aquele que se professa cristão deve suscitar sempre nos outros dúvidas, medo do imprevisto. Por outras palavras, o cristão deve ser o «paradigma» dum mundo novo, o exemplo duma maneira nova de ver a realidade e os homens (e, assim, de facto, deve ser visto). Mas, por outro lado, o seu projecto original de libertação, o seu sonho dum amor sem barreiras e sem confins e o seu apelo a um «reino» diferente do actual, não podem deixar de suscitar opiniões contraditórias e oposição por parte daqueles que, nessa «teoria», vêem um perigo para a sua tranquilidade social, para os seus negócios. Mesmo, e talvez sobretudo, entre os membros da sua família.

   Essa reacção por parte dos outros contra o cristão é mais que natural, pois é sobre os valores e o significado das coisas que se joga o bem humano supremo que é a vida em toda a sua globalidade e profundidade. No fundo, o que divide os homens é a diversidade na concepção do mundo e dos grandes problemas que afligem a humanidade: o sentido último da vida, a injustiça, a liberdade, as responsabilidades sociais, a prioridade de valores, etc..

    O cristão encontrará a paz com aqueles que pensam como ele, mas experimentará a oposição de todos aqueles que tendem a ver a vida e o mundo numa perspectiva de finitude e materialidade, com exclusão da dimensão espiritual no sentido propriamente dito do termo.