Imprimir
Categoria: Domingos do Tempo Comum - Ano C
Visualizações: 401

Temas

de

fundo

 

 

XVI DOMINGO COMUM

 

1ª leitura (Gn 18,1-10a):  O Senhor apareceu a Abraão na floresta sagrada de Mambré, quando estava sentado à entrada da sua tenda, durante as horas mais quentes do dia. Ele olhou e viu três homens ali postados. Ao vê-los, foi depressa ao seu encontro. Prostrando-se por terra, disse: «Senhores, já que me é dado este favor, não passem adiante sem entrar. Eis-me aqui para os servir. Permitam que traga água para lhes lavar os pés. Podem repousar aqui à sombra desta árvore. Vou buscar também alguma comida para que possam recobrar as forças para prosseguir viagem. Honraram-me vindo visitar-me. Por isso, deixem-me servi-los. Eles responderam: «Ficamos agradecidos e aceitamos o convite»............ Depois, perguntaram: «Onde está a tua mulher, Sara?». Abraão respondeu: «Está lá dentro, na tenda!». Então, um dos homens disse: «Daqui a nove meses, voltarei e a tua mulher Sara terá um filho nos braços».

 

* Não passem pela minha casa sem entrar.

   O local que dá pelo nome de «Carvalhos de Mambré», perto de Hebron, está relacionado com alguns dos momentos mais significativos da vida de Abraão. De resto, diga-se de passagem que é aqui que estão sepultados os três Patriarcas, Abraão, Isaac e Jacob (cf. Gn 25,9; 35,27; 49,30; 50,13), bem como Sara (cf. Gn 23,17.19). É também aqui que Javé promete a Abraão que terá como herdeiro um seu filho e não um descedente obtido através de uma escrava (Gn 15,4). É neste logal que Abraão recebe a promessa dum filho (leitura de hoje) e é aqui que nasce esse filho Isaac (cf. Gn 21-1-7). Seja como for, juntamente com a promessa dum filho, um dos temas em evidência é a importância da hospitalidade, a qual, segundo este relato, é claramente algo de sagrado para Abraão. Sendo assim, este gesto de hospitalidade tem um alcance que está muito para além do facto em si mesmo e, por isso, neste caso concreto, tem sobretudo uma consequência de significado teológico. Talvez seja legítimo a partir daí concluir que vale a pena estar atento aos acontecimentos do dia-a-dia. É através dos factos do dia-a-dia que o próprio Deus nos fala e comunica connosco. 

 

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO VEJA EM BAIXO

 

2ª leitura (Cl 1,24-28):  Alegro-me com os meus sofrimentos por vossa causa, porque, graças ao meu sofrimento físico, contribuí para completar o que ainda falta aos sofrimentos de Cristo pelo seu Corpo que é a Igreja. Fui constituído servo da Igreja por Deus, que me incumbiu com a tarefa de proclamar plenamente a sua mensagem. Esta é o mistério que Ele escondeu a toda a humanidade desde tempos antigos, mas que agora revelou ao seu povo. O plano de Deus é tornar conhecido o seu segredo ao seu povo, um rico e glorioso segredo que Ele tem para todos os povos. E o segredo é que Cristo está em vós, o que significa que vós partilhareis da glória de Deus. É por isso que eu prego Cristo a toda a gente. Com toda a sabedoria e entusiasmo possíveis, transmito a mensagem às pessoas, a fim de conduzir cada um à presença de Deus como indivíduo pleno em união com Cristo.

 

* O mistério escondido desde sempre é agora revelado.

   Quando se ouve falar (e é esse o caso da presente leitura) de qualquer segredo, talvez se pense em coisas estranhas ou fora do comum. Ora bem, um segredo não tem que ser necessariamente nada de extraordinário, ou seja, algo de que nunca se tenha ouvido falar. E muito menos é algo de totalmente inatingível. O que, de facto, no caso, o apóstolo Paulo tem a preocupação de fazer é transmitir aos cristãos de Colossos aquilo que acha mais importante para eles, independentemente de ser espetacular ou não. Ou seja, a essência do segredo, digamos assim, é apenas que antes não tenha sido revelado. Mas agora, nos «últimos tempos», é revelado e dele podem beneficiar todos os povos. E o segredo é tão simples que podemos passar por ele sem o notar. E, como diz a leitura, o segredo é o seguinte: «Cristo está em vós e isso significa que podeis salvar-vos e gozar da glória de Deus». Se porventura esta sua declaração nos deixa indiferentes, então isso é sinal de que ainda não tomámos verdadeiramente consciência de como a vinda de Deus à nossa vida através de Jesus mudou por completo os dados do problema. O que é certo é que, a partir desse facto (Cristo está em nós e podemos salvar-nos e gozar da glória de Deus), as coisas não podem continuar a ser como dantes.

 

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO VEJA EM BAIXO

 

Evangelho (Lc 10,38-42):  Ao seguir o seu caminho com os discípulos, Jesus foi ter a uma povoação onde uma mulher chamada Marta o recebeu em sua casa. Ela tinha uma irmã chamada Maria, que se sentou aos pés do Senhor a ouvir o que Ele ensinava. Marta andava atarefada com todo o trabalho que tinha que fazer. Por isso, veio e disse: «Senhor, não te importas que a minha irmã me tenha deixado só a fazer todo este trabalho? Diz-lhe para me vir ajudar!». O senhor respondeu-lhe: «Marta, Marta! Estás preocupada e inquieta com tantas coisas, mas uma só é necessária. Maria escolheu a melhor coisa e isso não lhe será tirado».

 

* Maria escolheu a melhor coisa, que não lhe será tirada.

   Perante este episódio - exclusivo de S. Lucas - parece-me que há ainda a tendência muito frequente a pensar que, na forma como Jesus fala de Marta e Maria, haja uma espécie de oposição entre ação e contemplação. E parece-me também que há ainda quem tire daí a conclusão de que a opção de escuta de Maria é, em linha de princípio, preferível à opção de Marta, traduzida na atividade. Ora, tenho para mim que é abusivo concluir que S. Lucas tenha tido a intenção de dizer que a vida contemplativa é superior à vida ativa. Aliás, pensando bem, na mente de Lucas não cabia sequer essa terminologia e essa distinção. Não se trata, então, de escolher uma alternativa entre Marta e Maria. Ora bem, eu suponho que a intenção de Lucas, ao propor este episódio, em termos religiosos, digamos assim, será o de dizer que o «ativismo» por si só não tem sentido se não for «condimentado» pela reflexão e pela escuta da Palavra de Deus. Por outras palavras, para mim é mais que óbvio que Jesus não quer condenar Marta, que o acolhe de forma tão entusiasta e generosa. Ogora, isso não quer dizer que, bem ao contrário, não seja preciso respeitar também uma certa prioridade que se traduz na importância que deve ser dada à escuta da Palavra de Deus. Ou seja, por outras palavras, não se pode correr o risco de andar dum lado para o outro sem saber para quê... trabalhar sim, mas sabendo porquê e para quê.

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO VEJA EM BAIXO

 *  Não passem

     pela minha casa

     sem entrar.

 

 *  O mistério

     escondido

     desde sempre

     é agora revelado.

 

 *  Marta

     acolheu-o

     em sua casa.

     E Maria escolheu

     a melhor coisa,

     que não lhe

     será tirada.

POR VEZES,

ANDAMOS

DEMASIADO

INQUIETOS.

 

 Com a Parábola do Samaritano (semana passada), podemos ter sido levados a concluir, com demasiada pressa, que não é necessário mais nada senão amar o próximo, fazendo por ele algo em concreto. É isso o que se ouve dizer. Pois bem, continuando a leitura do texto de Lucas, de alguma forma temos a resposta a essa dificuldade (leitura evangélica de hoje).

 

   Um dia, Jesus entra na casa de Marta e de Maria, ambas irmãs de Lázaro. Marta anda ocupada, como aliás lhe compete em virtude da hospitalidade que era apanágio em qualquer casa desse tempo, com o seu trabalho ordinário. Nisso, como é óbvio, não há «condenação» nenhuma. Por seu lado, a sua irmã, Maria, sentada aos pés do Senhor, escuta o que Ele diz (como se compreende facilmente, escutar as pessoas é também uma parte importante da hospitalidade).

 

   Por um lado, Marta é o símbolo daquele super-trabalho que torna as pessoas escravas das coisas humanas e não dá tempo para escutar o grande mistério de Deus que nos circunda. Por outro lado, Maria, ao contrário, é a que escuta a Palavra. Certo, deverá também ela fazer alguma coisa (e eu vou partir do suposto que, depois de escutar o Mestre, também foi ajudar a irmã), mas, nesse caso, o seu agir já não será apenas um simples trabalho, mas o pôr em prática o que escutou. Não sei se é forçar demais a nota, mas, no fundo, é isso que de qualquer atividade faz uma atividade cristã: «tudo o que fizerdes, fazeio-o em nome do Senhor Jesus» (cf. Col 3,17).

 

   Repito o que disse acima. Geralmente há a tendência para pôr em oposição a postura de Marta e Maria, como a ação contra a contemplação. Mas será esta perspetiva correcta? Já dei a entender que não. De resto, devemos recordar-nos que estamos num contexto de experiência do Antigo Testamento. Ou seja, contrariamente ao mundo grego, Israel não conhece o ideal da contemplação pura. Por isso, nessa linha, não é possível imaginar Maria como a expressão da pessoa que deixa por completo o mundo das coisas. A sua atitude, no contexto de Israel, é a do crente que escuta a Palavra de Deus para depois a ir pôr em prática na vida concreta.

 

    Embora possa parecer estranho, seja-me permitido acrescentar algo a esta reflexão. Não é costume (se calhar, até talvez seja considerado pouco sério) levantar o problema do feminismo ao considerar este episódio. Pois bem, acho que, não obstante isso, é uma reflexão que vale a pena fazer. No fundo, talvez tenha mais razão de ser do que a mera contraposição entre Marta e Maria. No contexto social vigente em Israel nessa altura (e não só), a mulher era considerada como um crente de segunda categoria. Não tomava parte oficial no culto da sinagoga nem podia dedicar-se sequer à «escuta» e ao estudo da Lei. Pois bem, como é por demais evidente, esta passagem do Evangelho de Lucas reflete uma atitude completamente diversa. 

 

   Ou seja, o verdadeiro tipo de cristão (que escuta e põe em prática a palavra de Jesus) reflete-se, neste caso, numa figura feminina, precisamente a de Maria. Talvez não ficasse mal à Igreja acolher a obrigação (se ainda o não fez) de refazer também esta leitura a esta nova luz, sobretudo quando se fala tanto da «valorização» da mulher. Não basta falar apenas de «valorização»; é preciso demonstrar a validade dessa preocupação com factos concretos.

 

   Para além do tema da escuta da Palavra, a liturgia contempla também o tema da hospitalidade. A hospitalidade é um verdadeiro ato religioso nas antigas civilizações. Para Israel, esse gesto, sobretudo após a grande libertação do cativeiro egípcio, tem um significado todo especial. A hospitalidade tornou-se uma das obrigação mais sérias. O hóspede é como que o símbolo do próprio Deus que se manifesta para salvar o indivíduo e o povo do poder do «inimigo», para o conduzir à Terra Prometida. O hóspede, nesse contexto, é sempre alguém que exige uma atenção especial. 

 

   E Jesus, neste capítulo, não é proposto como um hóspede ordinário. É que Ele exige toda a atenção ao essencial da sua mensagem e da sua pessoa. Acolher Jesus é «escutá-lo» de verdade, pôr-se em atitude de recetividade, de acolhimento. É escutando-o que se entra em comunhão com Deus e se fica transformado. Mais, Jesus apresenta-se sempre como um «estrangeiro» que rompe com todas as seguranças e exige a renúncia e a dedicação totais. É aquele que lança as bases das relações humanas em alicerces de puro e indefetível amor.

 

    A hospitalidade cristã não se limita ao seu significado literal. Ela deve ser acolhimento, na fé, da presença dos outros na própria vida (cf. Mt 25,35-36) e através da rejeição dum «outro» totalmente oposto a nós, que é o inimigo. Esse será o sinal privilegiado, o teste, de fidelidade ao mandamento do amor sem fronteiras. 

 

   O Concílio Vaticano II, no documento que fala sobre o papel do cristão (leigo) no mundo, recorda a este propósito: «Hoje, urge a obrigação que nos tornemos generosamente próximos de cada homem, servindo com atos quem passa ao nosso lado, seja ele ancião abandonado por todos, seja ele trabalhador estrangeiro injustamente desprezado, quer seja o imigrante ou a criança nascida duma união ilegítima, que sofre imerecidamente por um pecado que não cometeu, quer seja ainda o esfomeado que é uma chamada de consciência, recordando as palavras do Senhor: "quanto tiverdes feito a um dos mais pequenos dos meus irmãos, tê-lo-eis feito a mim" (cf. Mt 25,40)» (Gaudium et Spes=Alegria e Esperança, 27).

 

   Talvez as situações de solidão e anonimato sejam os campos em que os cristãos, nos dias que correm, mais tenham que demonstrar a sua capacidade de acolhimento. De facto, uma característica da civilização urbana é precisamente o anonimato. E as estruturas sociais, por outro lado, por motivos que não vem para o caso explicar, provocam como que a privatização da vida familiar, com o consequente «certificado» de solidão, alienação e angústia. Esses efeitos arrastam consigo o desinteresse pelos outros. 

 

   O individualismo é uma característica humana que se acentua mais com as atuais formas de ser e de estar na civilização urbana. Ora, como princípio, essa situação está contra as exigências evangélicas. Nestas circunstâncias, qual deverá ser o comportamento dos cristãos? Não nos podemos limitar a dar uma resposta teórica e generalizada. Mas parece-me claro que os cristãos devem estar presentes em todos os movimentos que apelem para a construção duma sociedade e duma comunidade aberta ao diálogo, superando o egoísmo, promovendo uma autêntica educação à sociabilidade. 

 

   Para isso, mesmo que seja necessário ser contra-corrente, os cristãos devem empenhar-se no favorecimento de tudo quanto concorra para que o amor, transformado pelo Espírito de Jesus, se desenvolva entre todos os membros da sociedade, a começar pela família. Nesse sentido, têm também obrigação de apoiar todos os movimentos juvenis (e não obstaculizá-los, como infeliz e geralmente acontece) que favoreçam a solidariedade, o auxílio aos outros e o empenho em prol do bem comunitário.