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Categoria: Domingos do Tempo Comum - Ano C
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XII DOMINGO COMUM

 

1ª leitura (Zc 12,10-11; 13,1): Derramarei sobre os descendentes de David e sobre os outros povos de Jerusalém o espírito de misericórdia e o espírito da oração. Eles hão-de olhar para aquele que trespassaram e farão luto por ele, como aqueles que choram pelo seu único filho. Hão-de fazer um luto a sério, como os que perderam o seu primogénito. Nesse dia, o luto em Jerusalém será tão grande como o luto por Hadad-Rimon na planície de Meguido. Nesse dia, jorrará uma nascente para a casa de David e para os habitantes de Jerusalém, a fim de lavar o pecado a impureza.


* Derramarei sobre todos o espírito de misericórdia e oração.

   Não se sabe exatamente a quem se refere Zacarias quando fala dum justo e inocente que é «trespassado» e pelo qual se faz luto a sério. Também não se sabeM as circunstâncias dramáticas em que isso terá acontecido. Ou não será que esta dificuldade nos sugere que vejamos nas palavras de Zacarias algo mais do que a leitura material? Bem, esta não me parece uma possibilidade descabida. Mas, mesmo que se soubesse, continuaria de pé a questão de saber por que motivo esta leitura é escolhida para este domingo. Ora bem, a escolha óbvia parece-me ser o facto de este trecho ter a ver com o texto evangélico. Sendo assim, há o propósito de associar, por assim dizer, a profecia de Zacarias a Cristo trespassado na cruz pela lança dum soldado. Agora, uma outra coisa é certa: a leitura de Zacarias associa também a esta figura do justo trespassado a capacidade de ser como que uma nascente para Israel e para os habitantes de Jerusalém. Então, graças ao seu sofrimento, as pessoas receberem o espírito de graça e de oração.

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.

 

2ª leitura (Gl 3,26-29):  É pela fé que todos sois filhos de Deus em união com Cristo Jesus. Vós fostes batizados pela união com Cristo e agora, pela fé, estais revestidos com a vida do próprio Cristo. Por isso, não há diferença entre judeu e gentio, entre escravo e livre, entre homem e mulher. Todos vós sois um só em união com Cristo Jesus. Se pertenceis a Cristo, então sois descendentes de Abraão e, assim, recebereis o que Deus prometeu.


* É pela fé e em união com Cristo que todos somos filhos de Deus.

   Esta leitura, na continuação da leitura do domingo passado, está inserida num contexto em que S. Paulo polemiza contra os chamados judaizantes que querem fazer depender a salvação do facto de as pessoas aderirem às prescrições da Lei de Moisés. Ora, embora respeitando essa Lei (até porque assim o confessa e ele é, de facto, um fervoroso judeu), Paulo quer acentuar que, na base da construção cristã, deve estar, em primeiro lugar e de forma clara Cristo. Ou seja, sem esse princípio, não há construção que resista. E então, nesse aspeto, talvez tenhamos que nos questionar nos dias de hoje quanto àquilo que na nossa vida cristã tem mais importância. Ou seja, não será que, hoje, como nos primeiros tempos, «ligamos» demais a uma série de prescrições e devoções que, embora dignas de todo o respeito, não têm sentido se se prescinde de Cristo na atuação de todos os dias? Por isso, é justo repetir que «é pela fé que todos somos filhos de Deus em união com Jesus Cristo».

 

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.

 

Evangelho (Lc 9,18-24): Um dia, quando Jesus estava sozinho em oração, os discípulos foram ter com Ele e Ele perguntou-lhes: «Quem dizem as multidões que Eu sou?». «Há quem diga que tu és João Baptista» - responderam eles - «outros dizem que és Elias, e outros ainda que és um dos profetas de antigamente que ressuscitou». Disse-lhes Ele: «E vós quem dizeis que Eu sou?». Pedro respondeu: «Tu és o Messias de Deus». Jesus deu-lhes ordens severas para não falarem disto a ninguém. E disse-lhes também: «O Filho do Homem tem que sofrer muito e ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos doutores da Lei. Será condenado à morte, mas, três dias depois, ressuscitará». Depois, disse a todos: «Se alguém quer ser meu discípulo, tem que se esquecer de si mesmo, tomar a sua cruz todos os dias e seguir-me. Pois quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á, mas quem perder a sua vida por causa de mim ganhá-la-á».
 

* Quem perder a sua vida por minha causa salvá-la-á.

   Quando Jesus pergunta aos seus discípulos o que se diz da sua pessoa, trata-se, de alguma forma, de uma pergunta retórica. Ou seja, na minha maneira de ver, a sua intenção é claramente fazer-lhes uma pergunta mais pessoal, mais importante e mais empenhativa: «Para vós, quem sou Eu»? Há entre estas duas perguntas uma diferença que acho essencial: o que os outros pensam de Jesus faz parte da história, digamos assim; não tem a ver com a minha vida senão indirectamente. De alguma forma, a Jesus não interessa saber o que os outros pensam e dizem dele. O que lhe interessa é o que eu penso e digo dele. Agora, saber o que eu (e não só os outros) penso de Jesus corresponde a dizer o que é que Ele é para mim hoje. Isso significa conhecê-lo pessoalmente, como amigo, e não só como uma «matéria» de estudo e do passado. E então esta forma de pensar muda totalmente a perspetiva e significa pô-lo acima de todos os problemas e de todas as preocupações. Isso quer dizer que devo levar a sério a resposta e profissão de fé de Pedro: «Tu és o Messias de Deus». E não é possível pronunciar essa frase com superficialidade. Dizer que Ele é o Messias e o Filho de Deus é algo que empenha toda a vida. E então, nessa altura, já se compreende que sejamos capazes de sacrificar tudo o que é a nossa vida pela causa de Jesus. E, nessa perspectiva, então «perder» a vida por Ele é o mesmo que ganhá-la de verdade.

 

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.

 *   Derramarei sobre todos o espírito de misericórdia e de oração.

 

 *   É pela fé que todos somos filhos de Deus em união com Cristo Jesus.

 

 *   Quem perder a sua vida por minha causa salvá-la-á.

E VÓS,

QUEM

DIZEIS

QUE

EU SOU?

  

 

   Por motivos imprevistos, são propostos, neste lugar, os comentários - algo complicados, devo admitir - do Messale dell'Assemblea Cristiana, sendo a tradução e a adaptação da minha responsabilidade, bem como os subtítulos.

 

        Jesus Cristo tem uma identidade pessoal a salvar e a revelar e uma missão a cumprir. Ora, para revelar a sua identidade e para cumprir a sua missão, para salvar a verdade da sua vida, Ele está disposto a tudo, mesmo a perder a sua vida física (temporal). A decisão «incondicional» e absoluta de ser ele mesmo a levar a cabo a sua missão e «a todo o custo» é o ato supremo de fidelidade (obediência) a Deus.

 

       O perder a própria vida física (morrer) é o «sinal», a verificação, a «prova» absoluta da fidelidade à própria identidade e à missão recebida do Pai. É, por isso, o ato com o qual a vida é salva. Ora, qual é a identidade de Cristo? Ele é verdadeiro homem e verdadeiro Deus. Jesus salva-nos por aquilo que «é». Ele é a «reconciliação» entre o homem e Deus, a comunhão «perfeita» do homem com Deus. Mas é preciso acrescentar de imediato: Jesus salva-nos com o que «faz». E o que faz (a missão) depende da aceitação ou recusa da parte dos outros.

 

      Jesus provoca os apóstolos a dizerem o que pensam dele, da sua identidade e missão (Evangelho). Pedro responde: «Tu és o Cristo de Deus!». Há diversidade entre como entendem o Messias os apóstolos, que refletem a mentalidade corrente, e Jesus. Eles entendem o Messias como poder, Ele como amor. Se Deus é amor, abertura, comunhão, a Ele, que é Homem-Deus, não resta outra via senão o amor. Só um homem-amor pode ser a revelação de Deus-amor.

 

       Em termos rigorosos, Jesus poderia ter reconduzido o homem a Deus, levar a cabo a obra de «pacificação» do homem com Deus e dos homens entre si, também através do poder usado por amor. Mas o Homem-Jesus opta por cumprir a sua missão mediante o amor «puro», ou seja, unicamente com o amor, com o apelo às consciências, com a doação, o serviço, a paciência, a doçura, os meios pobres. Porque´esta é a única via para a transformação dos corações.

 

       Jesus jamais poderá aceitar ser o que os seus co-nacionais querem que ele seja. Ele será o que Pai quer que seja, a verdadeira imagem de Deus e a verdadeira imagem do homem, o verdadeiro rosto de Deus e o verdadeiro rosto do homem.

 

       Jesus sabe que a fidelidade a esta decisão, de atuar o projeto do Pai, num mundo dominado pelo pecado, lhe causará muito sofrimento, a recusa por parte do poder (anciãos do povo, sumos-sacerdotes e escribas) e, por fim, uma morte violenta. Ele aceita livremente esta consequência da sua decisão para não trair o amor fiel ao Pai e ao homem.

      Pode-se imaginar o drama de consciência de Jesus: Ele encarrega-se de cumprir uma vocação messiânica, e tem intenção de a levar até ao fim com doçura e com meios pobres e, ao mesmo tempo, vê que não poderá levar a bom termo a sua obra porque virá a morte antes da sua realização. E então? Sem dúvida, Deus quer que seja para além da morte que Jesus cumpra a sua missão messiânica. Sem dúvida, Deus não o abandonará na sua morte. A morte violenta de Jesus tem duas faces: por um lado, revela o poder do pecado e, por outro, o poder do amor mais forte que a morte. Paradoxalmente, a morte violenta de Jesus, enquanto ato de amor absoluto, é, ao mesmo tempo, a revelação de Deus ao homem e do homem a si mesma.

 

       Enquanto ato de amor absoluto, a morte de Cristo é a «ressurreição do homem», é a fonte da vida. Porque a vida alimenta as suas raízes no amor. Uma fonte a que acorre, consciente ou inconscientemente, a humanidade. Jesus é o homem totalmente aberto, no qual as paredes da existência são totalmente abatidas, de modo que Ele é integralmente «passagem» (Páscoa)... O futuro do homem depende da cruz, a redenção do homem é a cruz. E o homem não se atingirá verdadeiramente a si mesmo de outra maneira, a não ser permitindo o derrube das paredes da sua própria existência, voltando o olhar para o «trespassado» (1ª leitura) e seguindo Aquele que, em vestes de trespassado, de homem de lado aberto, abriu a via do futuro (J. Ratzinger).