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Categoria: Domingos do Tempo Comum - Ano B
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de

fundo

 

1ª leitura (Is 35,4-7a):  Dizei aos desanimados: «Sede fortes e corajosos!». O Senhor, vosso Deus, vem para vos resgatar dos inimigos; é Deus em pessoa que vem para vos retribuir e salvar. Então abrir-se-ão os olhos aos cegos, os ouvidos aos surdos, o coxo saltará como um veado e os mudos soltarão gritos de alegria. Torrentes de água jorrarão no deserto e as areias escaldantes ficarão como as águas dum lago e da terra árida brotarão nascentes de água.

 

* Deus em pessoa vem retribuir e salvar.

  Parece-me claro que esta leitura foi escolhida em função do texto evangélico. Há a intenção de corroborar os sinais que acompanharão a chegada do Messias futuro. Mas, mesmo assim, não quer dizer que se não possa tirar nenhuma ilação do texto em si. Este pertence à primeira parte do Livro de Isaías; mais em concreto, integra uma passagem em que, entre imagens poéticas muito bonitas, se fala da salvação total que espera o povo de Deus. Nesse sentido, são uma boa «introdução» para a segunda parte do Livro de Isaías (40,1-55,13), cujo tema principal é o regresso dos judeus do cativeiro da Babilónia. Seja como for, a impressão mais forte que fica é a de que o autor não se quer limitar a propor uma libertação simplesmente material. Hoje, estamos em condição de entender melhor que, quando se diz que Deus vem resgatar dos inimigos, não se trata apenas de resgate de opressão militar, política e social, mas sim do resgate e da libertação em todos os sentidos. Os inimigos são para identificar também com os inimigos que moram dentro do coração do homem; quer dizer, a começar por nós. E aí, sim, só Deus pode mudar o coração.

 

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.

 

2ª leitura (Tgo 2,1-5):  Meus irmãos, não caiais na tentação de conciliar a vossa fé em nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor da glória, com a aceção de pessoas. Suponhamos que entra na vossa assembleia um homem rico com um anel de oiro e vestido com roupas luxuosas e que entra também um pobre mal vestido. Se vos mostrais mais atenciosos com o rico e lhe dizeis: «Senta-te aqui neste lugar de honra» e vos mostrais menos atenciosos com o pobre e lhe dizeis: «Tu, fica aí de pé» ou então: «Senta-te no chão, aos meus pés», então estais a fazer distinção entre vós mesmos e estais a fazer julgamentos com base em critérios perversos. Ouvi, meus amados irmãos! Deus escolheu os pobres segundo o mundo para serem ricos na fé e herdeiros do reino prometido aos que o amam. 

 

* A fé não se conjuga com a aceção de pessoas.

  É evidente que, segundo Tiago, a discriminação social é contra a vontade de Deus. Na prática religiosa, não se justificam, pois, favoritismos pessoais por quaisquer motivos. Mas isso não quer dizer que todas as pessoas tenham que ser reduzidas a meros números. Nessa perspetiva, Tiago, de alguma forma, admite uma certa «discriminação positiva» - como se costuma dizer agora - em relação aos pobres e aos menos apetrechados socialmente, ao dizer que Deus escolhe os pobres segundo o mundo para serem ricos na fé. Deve-se, aliás, acrescentar que, segundo a revelação bíblica, a predileção de Deus pelos pobres é um facto recorrente, dum modo particular nos profetas. Mais: a libertação dos pobres é um dos sinais mais seguros da vinda dos tempos messiânicos. Daí que Tiago de ´«abrir uma exceção» e insista na necessidade de não fazer distinções, sobretudo contra os pobres, para que desse modo não seja impedida a irrupção dos tempos messiânicos.

 

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.

 

Evangelho (Mc 7,31-37):  Jesus deixou a região de Tiro e foi, por Sidónia, para o Mar da Galileia, atravessando o território da Decápole (dez povoações). Foi aí que lhe apresentaram um surdo tartamudo e lhe pediram que lhe impusesse as mãos. Jesus afastou-o da multidão e meteu-lhe os dedos nos ouvidos; depois, fez saliva e tocou-lhe na língua. Jesus olhou depois para o céu, deu um profundo suspiro e disse ao homem: Effathá (que quer dizer «abre-te!»). E logo a língua do homem se soltou e ele começou a falar corretamente. Então Jesus mandou aos presentes para não falarem do assunto. Mas, quanto mais recomendava isso, mas as pessoas o apregoavam. E todos os que assistiam estavam cheios de admiração e diziam: «Faz tudo bem! Faz até ouvir os surdos e falar os mudos».

 

* Faz ouvir os surdos e falar os mudos.

  Esta é uma seção em que o evangelista S. Marcos apresenta Jesus a dar alguns «sinais bíblicos» que levam os presentes a entender que estão perante factos extraordinários, depois de atuar em terras pagãs (Tiro e Sidónia, no atual Líbano). O milagre do surdo-mudo segue-se à cura da filha duma mulher pagã (7,24-30), porque nela Ele tinha encontrado fé. E, nesse sentido, é também uma espécie de recomendação de Marcos a todos os seus leitores que não basta nascerem num determinado local ou pertencerem a um determinado povo para serem objeto dos sinais e dos «favores» de Deus. Por isso, neste contexto, afinal de contas, quem precisa de ser tocado nos olhos, nos ouvidos e na língua por Jesus são todos os que querem ser seus discípulos, para assim poderem abrir, na fé, o coração e a mente à revelação e à missão de Cristo. Não basta, pois, ficar cheio de admiração ou até louvar a forma como Jesus actua. É preciso descobrir de verdade o mistério que esse Jesus encerra, que é o de enviado de Deus, o Messias prometido, o próprio Filho de Deus.

 

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.

*     Gritará

       de alegria

        o mudo.

 

 *     Deus escolhe

       os pobres para lhes dar o Reino.

 

 *    Ele fez bem todas

       as coisas.

TODOS

OS QUE

ASSISTIAM

FICAVAM

ADMIRADOS.

 

   A seção de Mc 7,24-8,26 inicia-se com três milagres: Jesus cura (porque encontra a fé) a filha duma mulher pagã; depois, dá-se o milagre do surdo-mudo ou tartamudo; e, por fim, a segunda multiplicação dos pães. Depois disso, há outros episódios concretos. Mas, à semelhança dos primeiros, relacionam-se também eles com a fé ou, em certos casos, com a falta de fé.

 

   Depois de atravessar o lago, há um confronto com os fariseus que pedem um sinal, mas aí há ausência de fé. O que eles pretendem é espetáculo sem ter que pagar bilhete (passe a expressão pouco elegante). O sinal que eles pedem, bem vistas as coisas, é, antes de mais, uma provocação. Mais tarde, estando Jesus a sós com os discípulos, a discussão entre eles dá-lhe a ocasião para tirar as devidas conclusões em relação ao milagre da multiplicação dos pães: «Ainda não entendestes e compreendestes? Tendes por acaso o coração endurecido? Tendes olhos e não vedes!... Mas não compreendeis mesmo?» (cf. Mc 7,17ss).

 

    Segue-se a cura dum cego. Neste contexto, sem negar o facto da cura do cego. é óbvio que quem tem realmente necessidade de ser tocado por Jesus para tornar a ver é aquele que quer ser seu discípulo, para receber o dom da fé, para abrir o coração à escuta da Revelação, à contemplação do mistério de Cristo e a um empenho sério no anúncio da própria fé.

 

   A Escritura descreve-nos, por várias vezes, a iniciação à fé como se se tratasse de uma cura da nossa surdez, mutismo e cegueira. Mas isso não acontece por acaso. A fé realmente vivida torna o homem atento à Palavra de Deus e faz com que a proclame a seguir. Ao contrário, a falta de fé torna o homem surdo e mudo. Isso quer dizer que a passagem da incredulidade à fé comporta, portanto, uma cura do nosso mutismo e da nossa surdez (ao Evangelho).

 

    Também Isaías, seguindo a lógica desta maneira de pensar (a qual considera a cura duma doença física como a libertação dum defeito moral) imagina a futura restauração messiânica como uma intervenção de Deus para dar confiança aos que a não têm, vista aos cegos, ouvido aos surdos, movimento aos coxos, fala aos mudos e vida aos mortos.

 

   Mas essa «opinião» da Escritura sobre o indivíduo é também a que se aplica a toda a comunidade ou, no caso de Israel, a todo o povo. Assim, o povo, fechado à Palavra de Deus, é como se fosse surdo e mudo. Dito doutra maneira, a desobediência à Palavra torna inútil a capacidade de ouvir e de falar. E o facto é que, quando é descrita uma época de obediência a Deus, logo a Bíblia nos fala de línguas que se despregam do céu da boca para proclamar a glória de Deus, como se todos tivessem (como, de facto, têm) de profetizar.

 

   Estas imagens revelam uma verdade essencial: a nossa fé apoia-se totalmente na escuta da Palavra do próprio Deus e na atuação prática da mesma. Ler ou proclamar a Palavra de Deus significa reconhecer o primado de Deus na nossa vida e atuar em conformidade com esse primado. Os cristãos, como os hebreus, sabem que a sua fé desponta a partir da escuta da Palavra de Deus. Se se usam só palavras humanas para falar de Deus, são comparáveis ao surdo e ao gago ou mudo.

 

  O gesto de Jesus de curar um surdo-mudo, narrado pelo evangelho, é atualizado num gesto levado a cabo pela Igreja na iniciação dos catecúmenos. No rito do Batismo, atualmente em vigor, este mesmo gesto evangélico, o gesto do effatá (=abre-te!), foi lá colocado a mó de conclusão e augúrio. Ou seja, enquanto toca nos ouvidos e na boca do batizado, o celebrante diz: «O Senhor Jesus, que fez ouvir os surdos e falar os mudos, te conceda a graça de, em breve, poderes ouvir a sua palavra e de professar a fé para louvor e glória de Deus Pai».

 

   Há aqui um claro intento pastoral: fazer compreender aos pais e aos padrinhos que a criança, que eles trouxeram ao baptismo, deve ser «instruída» na fé mediante a escuta da Palavra de Deus e ser educada para a expressão dessa mesma fé na oração e na vida. A Palavra de Deus, na atualização levada a cabo pela Igreja do pós-Concílio e pela reforma litúrgica, adquiriu finalmente o lugar e a importância que lhe competem: leitura da Bíblia, celebrações bíblicas, nova importância dada à Liturgia da Palavra. Estes próprios comentários (que se tornaram normais depois da reforma litúrgica) são fruto também dessa mentalidade de renovação e escuta.

 

   O papel da Palavra na celebração é tão essencial que a Missa, de alguma forma, se pode também chamar «uma celebração eucarística da Palavra». Aí é proclamada a Palavra de Deus (e de Jesus, que é expressão perfeita da Palavra de Deus Pai), extraída da Escritura. Mas celebra-se sobretudo o hoje de Jesus Cristo no meio do mundo.

 

    A Palavra revela aos participantes o ritmo pascal, escondido nos acontecimentos da sua vida e também na vida do mundo. E interpreta esses acontecimentos até à intimidade da alma, convidando os fiéis a um renovamento da fé e introduzindo-os no caminho que leva à obediência até à morte, da qual o próprio Jesus nos deu o exemplo definitivo. Por força da Palavra, a acção de graças do povo, reunido em memória da Paixão e Ressurreição de Cristo, adquire toda a sua actualidade e promove uma melhor fidelidade à vontade de Deus, expressa nos sinais dos tempos.

 

    «A catequese é momento central de toda a atividade pastoral, de toda a solidariedade e instituição eclesial, de toda a estrutura que possa contribuir para a edificação do Corpo Místico de Cristo. A Palavra de Deus é essencial para toda a vivência que se pretenda chamar cristã. Não há iniciativa ou estrutura pastoral que não sinta a exigência de escutar, apresentar e aprofundar a mensagem evangélica» (RdC 143).