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Categoria: Domingos do Tempo Comum - Ano A
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Temas

de

fundo

 

1ª leitura (Sb 6,12-16):  A sabedoria é radiosa e indefetível. Deixa-se contemplar facilmente por aqueles que a amam e deixa-se encontrar por aqueles que a buscam. Melhor ainda, para se dar a conhecer, antecipa-se aos que a desejam. Quem se levanta cedo por causa dela não se cansará, porque a encontrará à sua porta. Meditar nela é perfeição consumada e quem vigia por causa dela depressa se verá livre de inquietações. Ela própria vai à procura dos que são dignos, aparecendo-lhe bem disposta pelo caminhos, e indo ao encontro deles com benevolência.

 

* A sabedoria deixa-se encontrar por quem a procura.

   Relativamente a alguns domingos passados, há uma mudança de tom nas leituras de hoje. Isso tem uma explicação provavelmente no facto de nos aproximarmos do fim do ano litúrgico. Pois bem, é precisamente nessa linha que se insere esta primeira leitura, tirada do Livro da Sabedoria. Este livro pode ser visto como uma tentativa de diálogo entre o judaísmo e a cultura helénica. A sua data de composição é colocada entre os anos 150 e 50 a.C., ou seja, numa altura em que se nota, por parte das autoridades helénicas, um esforço e uma prática de «paganização» da fé judaica num só Deus. De acordo com o livro sapiencial de Job (anterior, como se sabe, ao da Sabedoria), possui a sabedoria e, portanto, é sábio, quem teme a Deus e se afasta do mal. Isto é o resultado, ao mesmo tempo, da procura do próprio homem e dum dom de Deus. É um facto que temos aqui uma personificação da Sabedoria, mas as imagens induzem-nos a «confundi-la» com o próprio Deus. Agora, o que parece certo é que, no campo espiritual, a sabedoria se pode identificar com o bom senso prático que, por sua vez, se identifica com a capacidade de discernimento entre o bem e o mal e de colher, nos sinais dos tempos, os valores morais que se torna necessario e urgente preservar e pôr em prática. Não se trata, pois, de mera ciência humana, mas, de alguma forma, de participação da ciência do próprio Deus.

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.

 

2ª leitura (1Tes 4,13-18): Irmãos, eu não quero que fiqueis na ignorância em relação aos que faleceram, para não andardes tristes como os que não tem esperança. Se acreditamos que Jesus morreu e ressuscitou, então acreditamos também que Deus reunirá com Jesus os que nele adormeceram. Eis o que vos ensino com base na palavra do Senhor: os que estivermos vivos, mesmo aquando da vinda do Senhor, não precederemos os que faleceram. O próprio Senhor, à ordem dada, à voz do arcanjo e ao som da trombeta de Deus, descerá do Céu. E os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois, os vivos, os que tivermos ficado (até à vinda do Senhor), seremos arrebatados e reunidos a eles sobre as nuvens, para irmos ao encontro do Senhor nos ares. E, assim, estaremos para sempre com o Senhor. Confortai-vos, pois, uns aos outros com estas palavras.

 

* Estaremos para sempre com o Senhor.

   Convém recordar que, nos domingos anteriores, ficou patente a ideia de que a primeira parte desta Carta aos Tessalonicenses (cc. 1-3) é, de algum modo, um retalho de algumas das boas recordações do seu autor, Paulo. Na segunda parte (cc. 4-5), o apóstolo Paulo procura aprofundar alguns pontos de caráter doutrinal, entre os quais se destaca o sentido da vinda (última) do Senhor. O facto é que, em palavras simples, os tessalonicenses viviam na expetativa de que a segunda e última vinda de Cristo estaria iminente e que, portanto, eles seriam levados para a pátria da glória. Ora, acontece que essa esperança parecia defraudada, porque, entretanto, alguns deles morreram e isso causou uma grande frustração e tristeza. O papel de Paulo, neste caso particular, é eliminar a causa dessa tristeza, sendo que a sua «estratégia» se baseia, fundamentalmente, em três pontos: em primeiro lugar, o cristão, perante a morte, não pode ser como os que não têm fé nem esperança; em segundo lugar, como é dito, se acreditamos que Jesus Cristo ressuscitou e nós estamos intimamente unidos a Ele, então também nós teremos o mesmo destino; e, em terceiro lugar, seja como for, quando o Senhor vier, encontrar-nos-emos todos juntos a viver a mesma aventura de glória e felicidade. É um facto que os tessalonicenses não põem em dúvida a ressurreição de Jesus. Se é assim, então também não devem pôr em dúvida a sua própria ressurreição.

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.

 

Evangelho (Mt 25,1-13): O Reino do Céu é semelhante a dez virgens que, com as suas candeias na mão, foram ao encontro do noivo. Cinco delas eram insensatas e cinco prudentes. Então as insensatas, ao pegarem nas suas candeias, não levaram azeite consigo, enquanto as prudentes levaram azeite em almotolias para as suas lâmpadas. Ora, como o noivo demorava, começaram a cabecear e acabaram por adormecer. Mas, a meio da noite, ouviu-se o grito: «Aí vem o noivo! Ide ao seu encontro!». Então todas aquelas virgens despertaram e aprontaram as candeias. E as insensatas disseram às prudentes: «Dai-nos do vosso azeite, porque as nossas candeias estão a apagar-se». Ao que as prudentes responderam: «Não, para que não aconteça que não chegue para nós nem para vós. Ide, antes, aos vendedores e comprai-o». Ora, enquanto elas foram comprá-lo, chegou o noivo. As que estavam prontas entraram com ele para a festa de núpcias. E fechou-se a porta. Mais tarde, chegaram as outras e começaram a gritar: «Senhor, abre-nos a porta». Mas ele respondeu: «Em verdade vos digo: "Não vos conheço"». Vigiai, pois, porque não sabeis nem o dia nem a hora.

 

* Não sabeis nem o dia nem a hora.

  Estamos declaradamente perante uma parábola. Por isso, o que mais importa não são necessariamente os pormenores (que podem ser mais ou menos interessantes e curiosos). O que há descobrir é a mensagem que o evangelista quer veicular. É difícil aceitar como natural o egoísmo e a falta de solidariedade das virgens sensatas que, apesar de virtuosas, se recusam a partilhar do seu seu azeite. Isso, em termos objetivos, seria digno de condenação. Por outro lado, a altura da chegada do noivo seria muito estranha e não se sabe bem onde é que as virgens loucas iriam comprar o azeite àquelas horas da noite. Mas a verdade é que, como já disse, numa parábola não se pode tomar tudo à letra. O mais sensato então é ter presente que se trata de um pormenor ou de uma «técnica» literária que tem por finalidade dizer simplesmente que ninguém pode substituir-nos nas nossas tarefas e deveres no que concerne ao «negócio» da salvação. Por outras palavras, há certos «assuntos» em que as falhas são irreparáveis. Dou o exemplo duma sentinela, dum piloto ou dum condutor. Não podem assacar as suas responsabilidades a mais ninguém. O mesmo acontece no campo da fé: a nossa resposta a Deus tem que ser pessoal. Daí a obrigação de vigiar sempre, como nos é recomendado por Jesus. Isso certamente não é para nos meter medo, mas precisamente para nos dizer sem subterfúgios que, nesse capítulo, o papel da vigilância é insubstituível.

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.

 *  A sabedoria encontra-a quem a procura.  

 

 *     Os que morrem Deus reúne-os por Jesus Cristo.  

 

 *     Eis que chega o esposo.        Ide ao seu encontro.

VIGIAI, PORQUE NÃO 

SABEIS NEM 

O DIA NEM 

A HORA.

 

    É relativamente fácil discernir, se assim se pode dizer, um dos temas centrais das leituras de hoje. Com mais ou menos abundância de imagens, estamos perante o tema da vigilância.  no sentido espiritual do termo. Pois bem, na Bíblia, e nos Evangelhos em particular, o tema da «vigilância» não é nem acidental nem secundário. Encontramo-lo praticamente em todos os textos relacionados com a proximidade do Reino de Deus.

 

    É um tema recorrente também no Antigo Testamento, mas é mais caraterístico do Novo, pois a atualização definitiva do Reino faz-se na pessoa de Jesus Cristo. Por outro lado, à medida que a liturgia da palavra vai chegando ao fim do seu ciclo, esse tema torna-se mais premente, porque não só se vislumbra já a glória definitiva do «reinado» de Cristo como também se prepara o início dum novo ciclo de reflexões que começam precisamente com um convite claro às pessoas para se preparem, «porque o Reino está próximo». E assim o fim dum «ciclo» é já preparação para o seguinte. Neste domingo, o tema da vigilância é um ponto culminante, convidando-nos as leituras a um empenho sério neste campo. É preciso estar sempre preparado para quando chega o esposo, para não ficar de fora.

 

   Antes de mais, o exemplo de Jesus Cristo. Durante toda a sua vida terrena, Ele comporta-se sob o signo da vigilância, atitude que, de resto, não deixa de exigir também aos seus discípulos. Por outras palavras, Jesus interroga continuamente os acontecimentos, para saber qual é a vontade do Pai. No fundo, é isso a vigilância, uma atitude de escrutínio dos «sinais dos tempos».

 

    A Igreja primitiva sempre insistiu na necessidade de nos mantermos vigilantes para a vinda do Senhor. Neste clima de espera, devem ser lidos e interpretados os temas das últimas páginas do Evangelho que precedem a narrativa da Paixão. Trata-se do tema da «parusia» (a última vinda) no caso da parábola das virgens e da vigilância ativa no caso da necessidade de ir ao encontro das necessidades dos irmãos (como constam de maneira exemplar da descrição do Juízo Universal).

 

    Claro que havia, nas primeiras comunidades cristãs, a convicção de que realmente os tempos últimos estavam mesmo à porta. Só que também eles, como muitas pessoas hoje, ao imaginar os últimos tempos, supunham mesmo cataclismos e o fim da história. Em vez de significar uma nova etapa rumo ao futuro, um novo ponto de partida, a expressão «últimos tempos»  significava pura e simplesmente uma chegada, o destino final. Pois bem, há que reforçar que «últimos tempos» não corresponde a um ponto de chegada, mas sim a um novo e definitivo ponto de partida.

 

    Segundo o contexto de outras passagens (principalmente as que têm a Jesus diretamente como protagonista) que se referem ao dever de estar sempre em estado de alerta, não se deve tomar uma atitude negativa e pessimista, pensando só que o fim se aproxima. Ou seja, ao contrário, a vigilância é o outro nome para designar a disponibilidade que os que aceitaram a Jesus na sua vida têm obrigação de manifestar em todas as circunstâncias do seu dia a dia, a partir destes últimos tempos que são os novos tempos da história.

 

   Não vou aqui discutir as razões, mas é um facto incontroverso que, em tempos idos, dominava uma conceção estática da História. Hoje, entrámos numa fase de movimento e evolução. Parece ser esta uma caraterística dos tempos que correm, embora se não possa negar que, no passado, tenha havido também homens capazes de exigir mudança e evolução contínua.

 

    Se assim me posso expressar, a história hoje está em contínua «aceleração». O ideal para o homem moderno é o salto qualitativo, como se diz, é a mudança, é a «revolução», e não apenas a simples evolução gradual e homogénea. Esta situação impõe, também na vida espiritual, um contínuo renovamento, o abandono de hábitos rotineiros, «vigilância» nova, para fazer as escolhas certas nos momentos certos. Esconder a cabeça na areia, ignorando os problemas e agarrando-se a um passado que já lá vai com uma nostalgia improdutiva é, parece-me, faltar gravemente ao dever de «vigiar».

 

    Depois de tantos anos a refletir em renovações e modernidade, até dentro da Igreja, já deveríamos ter chegado à conclusão de que, afinal de contas, a nossa obrigação primária não é propriamente defender com unhas e dentes seja o que for, mas sim acolher o Espírito de Jesus em todos os momentos da vida, pois é Ele que deve vir e é Ele que deve atuar. É o seu projeto que deve avançar, não o nosso, seja ele qual for.

 

   Muitas vezes, perdemos imenso tempo a discutir quem eram as virgens prudentes e quem eram as virgens loucas ou insensatas, procurando talvez maneira de nos incluirmos no número das primeiras, porque temos tendência a colocar-nos sempre na lista dos bons e cumpridores, mesmo quando porventura não o somos de facto. Ora, no caso, essa discussão sobre os pormenores da parábola não é o que mais importa.

 

    Se notarmos bem, afinal, não é que as virgens prudentes fossem melhores do que as outras; não é que tivessem mais qualidades ou inclusivamente mais virtudes. Afinal de contas, tinham em comum o facto de serem «virgens/jovens». Já agora, convenhamos que consideradas prudentes não foram lá muito generosas para com as insensatas! Ora bem, repito, isso, na «parábola», de alguma forma, é secundário. O que de facto tem importância é que algumas das jovens estavam disponíveis (e, em certo sentido, ansiosas) para a vinda do noivo, enquanto as outras se demonstraram totalmente «descalças» (passe a expressão), exibindo assim um interesse que não passava duma palavra vã. Só no momento em que descobriram que tinham ficado de fora é que começaram a lamentar-se.

 

    De resto, qualquer um de nós pode compreender com relativa facilidade que não é por alguém se julgar digno que pode exigir o direito a «entrar para as festas nupciais». Nem sequer os convites para os casamentos mundanos estão dependentes de saber se este ou aqueloutro é digno ou deixa de o ser. Uma coisa é certa: no caso do banquete eterno dado pelo «Filho do Homem», ninguém é digno, por si só, dum convite desses, nem sequer os que se julgam mais santos (aliás, quando se julgam mais santos, já estão a sê-lo menos). No entanto, isso não impede que haja uma condição essencial para ser admitido ao convívio, digamos assim. E é a vontade de acolher a Deus na própria vida.

 

   Mesmo tratando-se de assuntos meramente humanos, a atitude mais inteligente que o homem moderno pode tomar em relação às coisas, é a da provisoriedade, a da relatividade, bem como a do contínuo aperfeiçoamento. Com muito maior razão, aquele que se diz e quer ser cristão. Embora empenhado ativamente na construção da «cidade terrena», ele vive claramente consciente de que tudo quanto é humano é provisório, destinando-se portanto a ser superado não só por outros projetos humanos mais perfeitos, mas sobretudo por uma situação definitiva, quando tudo será modelado segundo o conceito que é designado por «novos céus e a nova terra», para onde já começámos a caminhar a partir do momento que fizemos a opção por Cristo Jesus. Daí a atenção que devemos dar aos sinais dos tempos. Daí a perspetivação da existência segundo coordenadas não comuns aos «homens do mundo». Daí a necessidade da vigilância constante.

 

    Em todo o caso, isso não significa passividade, não significa cruzar os braços à espera que tudo aconteça automaticamente. Trata-se, isso sim, de uma espera e de uma vigilância ativa, operosa. A parábola evangélica deste domingo fala da preparação e vigia para um encontro importante. Neste caso, vigilância significa, pois, lutar contra o torpor e contra a negligência. Reparemos que as dez «atrizes» da parábola eram todas virgens, ou seja, no caso, todas em condições de participar na festa de núpcias. E, no entanto, só foram contempladas com essa honra as que vigiaram e tudo fizeram para que nada faltasse quando o esposo chegasse...

 

   Ao falar de vigilância, pode-se ser levado a pensar que se trata de vigilância em relação apenas à «última vinda» de Cristo. E qual é, para nós, a última vinda de Jesus, a última oportunidade que Ele nos dá? Ao fazer esta pergunta, quase que parece obrigatório concluir que o que importa é estar preparado para «quando a gente morrer». Mas as coisas não são bem assim. Antes de mais, Ele vem quando a gente menos o espera; ou seja, nós não sabemos realmente quando é a nossa hora. E não me refiro necessariamente à última. Também pode ser a segunda hora ou outra qualquer. Em qualquer delas, é importante estar preparado para ela e assumi-la também como a «hora de Jesus Cristo».

 

   Nesse sentido, acho que não devo preocupar-se só com a «última hora» porque esse motivo, embora eventualmente válido, é parcialmente negativo na medida em que é ditado pelo medo e pelo terror das consequências. O cristão, o convertido a Deus através de Jesus Cristo, é «filho da luz», segundo a expressão bíblica. Tem, pois, a capacidade inata para resistir ao espírito das trevas. Vigiar é, pois, também ser luz para o caminho dos viandantes deste mundo, descortinando e ajudando a descortinar, nos acontecimentos, os sinais dos tempos, indo ao encontro do Senhor através dos factos da história. O cristão deve ser aquele que mais afoitamente se lança pelos caminhos da construção do mundo, porque tem a certeza de que é nesses caminhos que se constrói o Reino que não tem fim.

 

    Qualquer um adverte no íntimo de si mesmo anseios que, a maior parte das vezes, não compreende, mas que o impulsionam a ir mais além, a superar-se continuamente. O cristão deve ser aquele que abre a cortina da nova realidade, fazendo também o seu melhor para descobrir aos olhos dos seus irmãos estupefactos as razões da esperança e as praias infinitas duma outra dimensão, não sujeita nem ao tempo nem ao espaço.