Imprimir
Categoria: Domingos do Tempo Comum - Ano A
Visualizações: 401

Temas

de 

fundo 

1ª leitura (Is 25,6-10a):  No monte Sião, o Senhor do universo preparará para todos os povos um banquete das carnes mais suculentas e dos mais saborosos vinhos. Neste mesmo monte, Ele arrancará o véu de luto que cobre a face de todos os povos e eliminará a morte para sempre. O Senhor Deus enxugará as lágrimas de todas as faces e fará desaparecer, em todo o lado, o opróbrio que pesa sobre o seu povo. Foi o Senhor quem o proclamou. Então dir-se-á nesse dia: «Eis o nosso Deus, nele confiámos e Ele salvou-nos. Sim, este é o Senhor em quem confiámos». Por isso estamos contentes e rejubilamos de emoção por nos ter dado a salvação. A mão do Senhor repousará sobre este monte.

 

* O Senhor limpará as lágrimas de todos os olhos.

   Este trecho faz parte da seção do chamado I Isaías a que os peritos chamam «Apocalipse de Isaías». Não é, porém, este o pormenor que mais nos interessa. O que fica destacado é o modo como o profeta, recorrendo a imagens fáceis de entender, sugere o interesse pessoal de Deus não só por Israel, mas também por todos os povos da terra. Assim, a ideia do banquete messiânico para descrever a salvação, que Deus oferece a todos, tem a sua concretização definitiva no Novo Testamento, quando Jesus «inventa» o banquete em que a carne, se assim é possível exprimir-nos, é não só suculenta como capaz de dar a vida, e o vinho é o único sangue que realmente pode tirar a sede dos convidados para o banquete. O banquete, porém, não é um fim em si mesmo. O importante é que Deus, através dele, estabelece intimidade com o seu povo. De alguma forma, pode-se afirmar que o banquete eucarístico, centro e fonte de toda a vida cristã, tem uma finalidade: e é que, através dele, os convidados recebem a própria vida de Deus, por Jesus Cristo, arrancando o véu de luto e eliminando a morte para sempre.

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.

 

2ª leitura (Fl 4,12-14.19-20):  Eu sei o que é passar por privações e também sei o que é viver na abundância. Em toda e qualquer circunstância, estou preparado para viver contente, quer seja na abundância quer passe fome, quer tenha muito quer tenha muito pouco. Enfim, tudo posso naquele que me dá força. Em todo o caso, fizestes bem em partilhar das minhas tribulações. E, assim, o meu Deus há-de compensar-vos plenamente em todas as vossas necessidades, segundo a sua riqueza, por intermédio de Jesus Cristo. A Deus nosso Pai, a glória pelos séculos dos séculos. Ámen!

 

* Tudo posso naquele que me conforta.

   Conforme ele próprio confessa (cf. Fl 4,16-17, o que nesta leitura é excluído), Paulo recebeu dos Filipenses alguma ajuda que se supõe tenha sido também pecuniária. Nesta Carta, cheia de ternura, Paulo não cessa de agradecer esse gesto de generosidade que tornou possível a evangelização noutros lugares. Isso, não obstante tenha procurado não ser de peso a ninguém (cf. 2Cor 12,12-13), pois, como tinha dito antes, procurou bastar-se a si mesmo (cf. Fl 4,11). Seja como for, o Apóstolo parece deixar claro que o sucesso da sua missão se deve à capacidade de confiar em Cristo. Ou seja, o resto - mesmo a ajuda externa - pode-se considerar secundário, embora sendo útil para que o anúncio seja feito. Creio que a grande lição que se pode tirar desta passagem é o facto de Paulo estar disposto a tudo para ser fiel à sua tarefa apostólica. E talvez seja esse o grande problema de muitos «missionários» que fazem condicionar a sua atuação à abundância de meios ou à falta deles. Por outras palavras, como insistem também alguns dos últimos papas, mais do que sacerdotes sábios, apetrechados tecnicamente e até poderosos em meios, o que se torna necessário na Igreja é que haja sacerdotes (e não só) santos, capazes de lançar mão de tudo para levar Cristo aos outros.

 

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.

 

Evangelho (Mt 22,1-14):  ... O Reino do Céu é comparável a um rei que mandou fazer um banquete nupcial para o seu filho. Mandou os servos dizer aos convidados para vir às bodas, mas estes não quiseram comparecer... Por isso, mandou outra vez outros servos, mas os convidados não se importaram com isso. Um foi para o seu campo, outro para o seu negócio. Os restantes, deitando as mão aos servos, maltrataram-nos e mataram-nos. O rei, furioso, enviou as suas tropas a exterminar aqueles assassinos e a incendiar a sua cidade. Disse depois aos servos: «O banquete das núpcias está pronto... Ide, pois, às encruzilhadas dos caminhos e convidai para as bodas todos quantos encontrardes». Os servos, indo pelos caminhos, reuniram todos aqueles que encontraram, maus e bons, e a sala do banquete encheu-se de convidados. Quando o rei entrou para ver os convidados, viu um homem sem traje nupcial. E disse-lhe: «Amigo, como entraste aqui sem o traje nupcial?». Mas ele emudeceu. O rei disse então aos servos: «Amarrai-o de pés e mãos e lançai-o nas trevas exteriores, onde haverá choro e ranger de dentes». Porque muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos.

 

* Chamai todos os que encontrardes pelo caminho.

   Embora não pareça imediatamente evidente, este trecho egangélico de hoje está relacionado com a parábola da vinha do domingo passado, em que se referia o trespasse, digamos assim, do Reino de Deus para o novo povo de Deus. Para o banquete do Reino de Deus (que é disso que se trata) são convidadas várias pessoas que, por razões diferentes, se recusam a estar presentes. Sim, entende-se facilmente que o rei que convida para as núpcias é o próprio Deus e que o noivo é o próprio Jesus Cristo. Com a recusa de Jesus pelos primeiros convidados (os judeus no seu conjunto e particularmente os seus chefes religiosos), fica caminho aberto para uma segunda leva de convidados. A estes não são impostas condições especiais. O trecho diz inclusivamente que se tratava de bons e maus. Dá para perceber - acho eu - que, entre a segunda leva de convidados, havia também judeus (os tais «bons») e que, portanto, o Reino é oferecido a todos sem distinção. Agora, a condição que é imposta é que os convidados levem o convite a sério e que, portanto, quando a hora da verdade se aproxima, se tornem todos «bons». Não se pode dizer que se aceita o convite e não se faz nada para o merecer. É o que eu acho que deve ser o sentido do traje nupcial. Dizer que se aceita o convite e depois não o levar realmente a sério é motivo para descartar essa pessoa liminarmente.

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.

* O Senhor limpará as lágrimas de todos os olhos.

 

 *Tudo posso naquele que me conforta.  

 

 *Chamai todos os que encontrardes pelo caminho.

MUITOS 

SÃO OS CHAMADOS, MAS POUCOS 

OS ESCOLHIDOS.

 

 

    O tema do destino final das pessoas sempre preocupou a humanidade; quaisquer que tenham sido e sejam os princípios religiosos orientadores da sua cultura e tradições. Pode tomar várias formas ou até vários nomes, conforme a época e os instrumentos de saber de que essas mesmas civilizações puderem dispor. Mas não há dúvida que essa preocupação é uma constante de todos os povos, mesmo dos que supostamente não se regem por qualquer espécie de princípio religioso; caso isso seja possível.

    Na Bíblia, inclusivamente na sua estrutura literária (e os entendidos em hermenêutica, ou seja, a explicação textual, devem saber disso um pouco), é também recorrente o tema da «convocação universal» em todos os seus livros. O próprio povo de Israel percebe a sua unidade e identidade através da convocação a que é sempre chamado por Javé. Essa convocação universal pode tomar a forma de encontro ritual, sacrificial ou simplesmente social no sentido mais genérico do termo. Mas não há dúvida de que, seja qual for a forma por que se manifeste, essa é uma tendência inerente à própria natureza humana. É certo que nem todos são dessa opinião, mas, desde que o mundo é mundo, essa parece ser uma verificação constante.

    E não vale a pena escamotear a questão, atribuindo essas ideias a uma cultura e a um tecido social com ressaibos de religiosidade infantil própria da Idade Média. A meu ver, muito se enganam todos os «cientistas» que dogmatizam que, quando toda a sociedade for uma terra culturalmente civilizada, esses problemas desaparecem. Mas, felizmente, não é por eles o dizerem, que as coisas acontecem. Os anseios de infinito continuam lá no coração do homem. Pelo contrário, é fundamental, como se diz hoje, dar uma resposta a esta ânsia que existe no fundo de cada homem, embora, por vezes, alguns o não queiram admitir expressamente.

 

    Mesmo a nível de convívio meramente humano, não obstante a aparente incapacidade de reconciliação, há inclusivamente, no concerto das nações, um sonho secreto de unidade da família humana. Mas também é verdade que a realização externa deste sonho tem passado, segundo as muitas experiências históricas que a humanidade tem vivido, por manifestações claramente desintegradoras.

 

   Os dirigentes (?!) dos povos falam de paz, mas é só da boca para fora. O que se passa na realidade é bem diferente. A hegemonia total que sempre os povos quiseram exercer (e continuam a querer exercer) uns contra os outros é um mal. Em teoria, todos são a favor do chamado bem-comum, mas a prática política e social é bem outra. É certo que ao mesmo tempo, isso não é um sinal que elimina a tendência de todos os povos à unidade. mas isso não é possível recorrendo à força, impondo esses critérios de unidade aos outros.Mas os meios que tem sido escolhidos são precisamente o contrário do que são os caminhos verdadeiros da paz. A esse propósito, vem-me agora à mente a frase terrível de Mateus, que proponho com uma pequena explanação (com licença do autor):

 

«Não podeis servir a Deus e ao dinheiro! (Mt 6,24)

Servir a Deus é garantir que todos possam ser respeitados em suas necessidades básicas por meio do seu próprio trabalho. Servir ao dinheiro é considerar a especulação e a exploração como mais importantes do que as pessoas. É fundamental ter clareza sobre a quem se deve beneficiar: a Deus, servindo os seus filhos, ou ao dinheiro. No entanto, não podemos pensar apenas na vida das pessoas sem proteger a economia, caso contrário, corremos o risco de empobrecimento, pois o pão de cada dia é: trabalho, economia, técnica, tecnologia, isto é, aquilo que progride. Mesmo diante de tal clareza, a realidade continua nos questionando: confiamos ou não na providência divina? Por que privar um projeto econômico do dado da fé? Será que Deus não sabe bem o que fala? Será que realmente a economia é absoluta? O ser humano não deve prevalecer acima da economia?

                                                                                 José Pedro Teixeira de Jesus

 

     Sob o ponto de vista da fé cristã, o desígnio da reunião de todas as nações é realizável em Jesus Cristo através dum «aparato» previamente destinado a ser o instrumento privilegiado de Deus para a realização dessa convocação universal. E esse instrumento é o novo povo de Deus. Os textos e as imagens bíblicas são mais que demonstrativos a esse respeito. Mas o que pode acontecer – repito – é que esse novo povo deixe de ser novo, digamos assim, para ser substituído por outro.

   Por um lado, ser povo novo de Deus implica uma enorme responsabilidade. Mas, por outro, os textos em exame na liturgia da palavra de hoje esclarecem-nos, sem margem para dúvidas, que a «assembleia de todas as nações» (universalidade/catolicidade) não se realiza necessariamente num determinado lugar ou num determinado tempo. Essa possibilidade é a capacidade que cada homem tem, independentemente do que externamente possa proclamar, de responder afirmativa ou negativamente ao apelo de Deus, que lhe chega através das estruturas humanas, mais ou menos perfeitas ou imperfeitas.

 

    O tempo atual não é propriamente igual ao que caracterizava o AT ou mesmo o tempo de Jesus, no que se refere à «configuração geográfica» do Reino. Enquanto, no AT, o Reino de Deus se realizava, por assim dizer, nos limites dum povo bem definido, Israel, hoje o Reino de Deus não é circunscrito por fronteiras desse género e nenhuma nação ou continente se pode arrogar esse privilégio.

    Nesta nova «assembleia universal» que se pretende instaurar, não é reconhecido mais nenhum privilégio especial a Israel, a não ser o facto de ter sido o primeiro. Neste aspeto, parece-me que não estou a dizer nada de novo, porque, de resto, o nascimento deste novo universalismo já tinha sido previsto pelo próprio AT, nomeadamente através dos escritos proféticos.

    O convite que o Senhor dirige é, explicitamente, para todos os povos, como refere com toda a clareza a primeira leitura de hoje. Se podemos falar verdadeiramente de privilégio, então talvez essa qualificação deva aplicar-se à Igreja enquanto assembleia de todos os convocados por Deus no mundo. Mas, nesse caso, de facto, ela não pode estar sujeita a fronteiras de qualquer espécie. Mas infelizmente, na prática, não é bem isso o que tem acontecido.
Desde o fenómeno do Pentecostes, em Jerusalém, a convocação de gente de todo o mundo exprime bem o mistério do que deve ser a Igreja: convocação e reunião dos homens de todos os tempos e lugares em resposta ao apelo de Deus.

 

   A Igreja deve ser a ponte de ligação não só entre as pessoas e Deus, mas também das pessoas e das nações entre si. Antigamente, pelo menos no âmbito da civilização chamada ocidental, a Igreja constituía o fulcro de união não só a nível de convocação em torno da Eucaristia e das ocasiões litúrgicas relevantes, mas também a nível de outras formas de organização da sociedade.

    Hoje, as circunstâncias mudaram. Apesar de alguns dados estatísticos publicados ciclicamente nos órgãos de comunicação social de inspiração cristã, dificilmente se pode quantificar a presença da mesma Igreja nas estruturas humanas. Com a secularização presente em praticamente todos os campos da atividade humana, há como que uma suspeita de que hoje parece que o verdadeiro fulcro da unidade entre os homens estará fora da influência da Igreja. E as chamadas forças contrárias parece não terem descanso enquanto não tiverem isolado por completo a Igreja num canto da sacristia, quando a não possam eliminar por completo; como acontece em alguns casos em algumas latitudes. Comete-se, mais uma vez, o erro do costume: o de ir de oito para oitenta...

    É certo que «a Igreja não se deve meter em política». Mas, parece-me que a Igreja, enquanto sociedade de cidadãos crentes em Cristo, também não pode demitir-se do seu papel de informar com os seus valores as estruturas em que vive e trabalha. O que, de resto, ficou claramente definido no documento do Vaticano II sobre a tarefa dos cristãos no mundo, a Gaudium et Spes.

 

   Por outro lado, a Igreja também não pode passar o tempo a lamentar-se da inocência perdida do mundo moderno; como às vezes é tentada a fazer. Não pode recriminar a forma como é tratada pela sociedade atual. Se alguma consolação lhe resta (não deve ser isso a preocupá-la, pois ela não está no mundo para ser consolada, mas antes para consolar, (parafraseando o que atribuem ao bom do S. Francisco de Assis), é a de verificar que há alguns ideais comuns em torno dos quais é possível ainda convocar os homens de toda a terra. Trata-se dos ideais que nasceram e se desenvolveram a partir dos princípios cristãos. Tais como, por exemplo, os da justiça e da liberdade e o da tomada de consciência da dignidade fundamental da pessoa humana. São valores que vestiram a roupagem da secularidade, mas que afundam as raízes na mensagem bíblica.

    Poderíamos citar outros ideais do género. Mas não interessa tanto propagandear ideais quanto tomar a decisão de envidar todos os esforços, como Igreja e como indivíduos pertencentes a essa Igreja, no sentido de contribuir para que o mundo seja cada vez mais segundo esses mesmos ideais, que, afinal, nos tornam irmãos uns dos outros. Isso acabará por moldar as sociedades exatamente no sentido para que apontam os princípios cristãos.


    Esse é o terreno comum em que os homens de hoje se encontram, pese embora a sensação que alguns possam ter que o destino histórico da humanidade se está a decidir prescindindo pura e simplesmente da componente religiosa (obviamente esse pressuposto terá que ser provado)... Mas não será que isso se deve, com frequência, ao facto de os cristãos desistirem de oferecer generosamente o seu contributo específico e qualificativo para que esses ideais comuns sejam de facto atingidos?

 

    A situação do mundo moderno, aparentemente cada vez mais afastado duma visão cristã da realidade e dos acontecimentos, pode causar uma certa sensação de mal-estar e de frustração a muitos cristãos, sabendo-se, como se sabe, que há também muitíssima gente apostada em diminuir e eliminar os efeitos da influência cristã no mundo; a começar por aqueles que beberam tudo o que sabem no berço da cultura cristã.

    O cristão, porém, além de saber que não está só, deveria tomar consciência de que, em abono da verdade, as mudanças que contam quase sempre dependem da iniciativa de uns poucos. Certo que é necessário sentir-se membro duma comunidade de redimidos, mas muito depende do optimismo e do entusiasmo de cada um para que as coisas melhorem.


    E hoje a convocação da Igreja, nestes ambientes secularizados, não se dá tanto pela palavra proclamada como no passado quanto pelo testemunho dos crentes. Se, de facto, a mensagem cristã não passa através do tecido da sociedade de hoje, então tem que se procurar também uma das causas na incapacidade ou pouca determinação daqueles que, tendo o depósito da fé, o não sabem expor ou então não o sabem pôr a render, mas o enterram ou o escondem, para que ninguém lhe toque e pensando que é assim que se preserva. E assim, cumpre-se aquela frase do Evangelho que condena quem guarda o talento (e a fé é o primeiro talento ou dom recebido), sabendo que o «dono» é exigente e rigoroso.

 

 https://www.vaticannews.va/pt/events/synod2023.html

                                     SÍNODO DOS BISPOS 2023-2024