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Categoria: Domingos do Advento - Ano C
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Temas

de fundo

 

1ª leitura (Sf 3,14-18a):  Rejubila, filha de Sião; solta gritos de alegria, povo de Israel! Alegra-te e exulta com todo o coração, filha de Jerusalém! O Senhor revogou as sentenças contra ti e afastou o teu inimigo. O Senhor, rei de Israel, está no meio de ti. Por isso, não temas mais desgraças, pois se aproxima-se o tempo em que se dirá a Jerusalém: «Não temas, Sião! Não se enfraqueçam as tuas mãos! O Senhor, teu Deus, está no meio de ti como poderoso salvador! Ele exulta de alegria por tua causa, e pelo seu amor dar-te-á nova vida. Ele dançará e gritará de alegria por tua causa, como as pessoas nos dias de festa».

 

* O Senhor está no meio de ti.

    Este texto caracteriza-se por ser um convite à alegria, pese embora o facto de que o timbre geral do livro de Sofonias seja diferente. E é até da primeira palavra do texto em latim que se tira o título deste domingo: «domingo laetare». Em todo o caso, apesar do convite à alegria, cabe a este profeta que viveu na última parte do século VII a.C. (de alguma forma, contemporâneo de Amós e de Oseias) a tarefa árdua de dizer coisas não muito agradáveis ao povo de Deus, nomeadamente no que toca ao culto prestado aos deuses pagãos. As pessoas estavam convencidas de que se podiam salvar recorrendo a alianças puramente humanas e, nesse capítulo, o profeta não lhes «perdoa». Mas essas «ameaças» não nos devem levar em engano, pois o texto presente é certamente a parte mais importante do livro. Ou seja, Deus ama com amor fiel, apesar de o povo responder com desamor e  infidelidades. A consequência dessa situação - é certo - trasduz-se no «castigo», com a ruína e invasão dos inimigos. Mas, mesmo assim, o profeta, ao contrário do que poderiam ditar os seus «instintos», vê-se como que obrigado a admitir e a dizer que o castigo não é a última palavra. Mesmo no caso em que o povo tem dificuldade em aperceber-se das «intenções» de Deus (a salvação através da fidelidade ao seu plano de salvação), Deus acolhe-o como o pai acolhe o seu filho. Por outras palavras, a ideia central do profeta, neste caso, é afirmar que o amor de Deus acabará por triunfar, sobretudo pela reação e acolhimento daqueles que parecem ser os últimos da sociedade, mas que, na verdade, são os primeiros nas preocupações de Deus.

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2ª leitura (Fl 4,4-7):  Alegrai-vos sempre no Senhor! Repito: alegrai-vos! Demonstrai a vossa bondade para com toda a gente. O Senhor está próximo. Por nada vos deixeis inquietar. Ao contrário, em todas as vossas orações e preces, apresentai os vossos pedidos a Deus sempre com um coração agradecido. Então, a paz de Deus, que ultrapassa toda a inteligência, guardará os vossos corações e os vossos pensamentos em Cristo Jesus.

 

* Alegrai-vos sempre no Senhor.

   Também no caso deste trecho, o convite à alegria no Senhor se explica pela tendência dos cristãos de Éfeso à tristeza e à depressão. Com efeito, mesmo sabendo que o Senhor está próximo, os cristãos de Filipos têm algumas dúvidas, pois - à semelhança de outras comunidades primitivas - estão a passar por uma experiência triste e ao mesmo trágica de perseguição. Nessas circunstâncias, é bem provável que perpasse pelas suas mentes um temor provocado pela falta de perspetiva para o futuro. Daí deriva o convite de Paulo a que avivem sempre a certeza da presença e da proximidade de Deus. A consequência dessa «mentalização» é a alegria que se sente no Senhor e o romper com a tristeza e com a inquietação. Quem confia plenamente no Senhor não pode sentir-se inseguro e inquieto e não pode viver numa tristeza de morte. Nesta linha, a leitura de hoje é sobretudo para nós, porque também a nós nos pode atormentar a dúvida de que o Senhor esteja a fazer realmente «o que deve», visto as coisas nos parecerem estar tão más. Mas, não obstante a opinião de que porventura «este mundo está perdido», não nos esqueçamos que Ele é um Deus que quer a vida e não a morte. Mais: Ele não é apenas nosso Pai, mas é também Pai de todos os homens.

 

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.

 

Evangelho (Lc 3,10-18):  As multidões perguntavam (a João Batista): «Que devemos fazer?». Ele respondia: «Quem tem duas túnicas reparta com quem não tem nenhuma. E quem tem mantimentos faça o mesmo». Vieram também alguns cobradores de impostos, para serem baptizados, e disseram-lhe: «Mestre, que havemos de fazer?». Respondeu: «Nada exijais além do que é legal». Por sua vez, alguns soldados perguntavam-lhe: «E nós, que devemos fazer?». Respondeu: «Não exerçais violência sobre ninguém, não denuncieis injustamente e contentai -vos com o vosso soldo». E a expectativa crescia e o povo começava a pensar intimamente se ele não seria o Messias. Então João disse a todos: «Eu baptizo-vos em água, mas vai chegar alguém mais forte do que eu. Eu nem sequer sou digno de lhe desatar a correia das sandálias. Ele há-de baptizar-vos no Espírito Santo e no fogo»...

 

* E nós o que devemos fazer?

   Este trecho é a continuação do texto evangélico do domingo passado, que falava da necessidade da conversão a fim de sermos remitidos dos pecados. Pois bem, hoje o evangelista desce ao concreto da vida, indicando como é que se verifica essa conversão. A conversão autêntica não só instala um novo tipo de relacionamento com Deus (que implica a remissão dos pecados), mas também um novo tipo de relação com o próximo: respeito pelos bens e pelos direitos dos outros; ou seja,  solidariedade na necessidade e um forte sentido de justiça. Mas essa realidade não será possível se porventura se quiser contar apenas com os «recursos» humanos. Para que uma nova sociedade seja possível, é preciso que as pessoas escutem a mensagem do Batista e se deixem «batizar» no Espírito Santo e no fogo.

 

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.

 

* O Senhor   revogou a sentença contra nós e afastou o inimigo. 

 

* Por nada vos deixeis inquietar.

 

* O que virá baptizar-vos-á no Espírito Santo e no fogo. 

ESTÁ ALGUÉM NO MEIO DE VÓS.

 

    Sofonias (=Deus protege) é um profeta do período que precede imediatamente a derrota do povo de Deus, que leva ao exílio na Babilónia; e vive na última parte do século VII a.C. Tem, pois, diante de si, uma visão bastante nítida da catástrofe que cairá sobre Jerusalém, já rodeada pelo exército babilónico. E, de facto, após a queda do Reino do Norte, também Jerusalém (Reino do Sul) irá cair sob o poderio das forças invasoras definitivamente em 587 a.C. De qualquer modo, o texto escolhido para hoje apresenta-nos a salvação que Deus oferecerá ao seu povo, passado que for o castigo representado pelo exílio. Este texto, construído com base numa terminologia que a tradição bíblica sempre relacionou com a «alegria messiânica», anuncia já a pessoa e a obra do Messias.

 

    «Alegrar-se» é o verbo que a Bíblia usa para conceitualizar e veicular especificamente o anúncio da alegria messiânica. É por isso que este Domingo do Advento era - e ainda o é de alguma forma - antes também conhecido pela expressão «Domingo Laetare» (=alegra-te, em latim). E esse facto não é só sublinhado pelo profeta Sofonias, que utiliza esta terminologia, mas também pelo salmo responsorial e pela segunda leitura. Mas alegrar-se, em termos bíblicos, não quer dizer necessariamente fazer festa, celebrar com pompa e circunstância, segundo critérios de eficiência publicitária e exterior. A alegria cristã reside substancialmente em saber-se e sentir-se protegido e salvo por Aquele que é Deus Pai, que não quer que ninguém se perca, mas que todos se salvem (cf. Jo 3,16-17). Para isso, exige aderência à sua Pessoa simbolizada e condensada, digamos assim, na Palavra (o Verbum=palavra) por excelência, que é o Deus feito Menino.

 

    Isso significa aceitar a Deus e o Seu Filho unigénito a sério e procurar agir em conformidade com a  mensagem que Ele foi (e vai) transmitindo através da natureza, das coisas, da história, dos homens por Ele enviados e sobretudo por Jesus Cristo. Então, quer queiramos quer não, justifica-se a pergunta do texto evangélico: o que devemos fazer? Não é possível sermos real e efetivamente tocados por uma mensagem sem advertir ao mesmo tempo a exigência de exprimir, na própria conduta, uma orientação nova, de harmonia com a mensagem escutada. Uma palavra que não mude absolutamente nada, que não se traduza em comportamentos, escolhas, gestos concretos, é uma palavra que fica «inutilizada».

 

    O fazer, de que falam outros textos evangélicos, assume uma importância particular no que se refere ao relacionamento com Deus. Este relacionamento requer que alguma coisa mude na vida. E sobaretudo na minha vida. É fácil demais dizer como se devem comportar os outros. Então, a fé em Jesus não é um simples acreditar que Ele viveu e exerceu a sua missão num determinado período e numa determinada zona geográfica. Isso até um não-cristão ou até um ateu o podem admitir. Ora, hoje em dia, é tese quase assente que, de facto, Ele viveu e morreu crucificado em Jerusalém. Confessar a fé em Jesus consiste em O acolher no sentido mais profundo do termo, nomeadamente em O saber vivo, porque ressuscitado. E, por conseguinte, consiste em agir em conformidade com esse acolhimento. E a verdade é que, na ótica cristã, nem todos os comportamentos são compatíveis com a adesão a Cristo e ao Evangelho. Não é possível acolher a Jesus Cristo e tudo continuar na mesma. 

 

   Nesse sentido, mesmo que acreditemos n'Ele como vivo no meio de nós, é sempre necessário que haja uma mudança, uma conversão do coração; com as respetivas consequências. Porque, à semelhança dos fariseus do tempo de Jesus, também nós poderemos iludir-nos pensando que basta pôr em prática um certo número de exterioridades e ritos para ficarmos, assim, de consciência tranquila. Não basta «dizer», é necessário «fazer» (cf. Mt 7,21). Agora, não me compete dar indicações concretas do que se deve ou não deve fazer. Com efeito, nunca me é possível fornecer senão indicações de carácter geral, dificilmente aplicáveis a cada um em particular. De qualquer forma, parece-me indispensável realçar novamente a necessidade de olhar para o mais íntimo do coração, a fim de verificar se, de facto, o que fazemos é sem segundas intenções ou, ao contrário, é por «interesse». 

 

    Os fariseus cumpriam a lei e as regras da moral à letra (ou, pelo menos, gabavam-se disso) e, no entanto, estavam longe do Reino de Deus. Pensando bem, o moralismo é o oposto da moral que liberta, que responsabiliza e que faz apelo à consciência e ao amor. Tem razão o saudoso Bernard Häring quando adverte que a moral deve ser um reflexo do Evangelho e não uma sua caricatura...

 

    Eu disse acima que o tema essencial da liturgia da palavra de hoje é o da alegria. Pois bem, rigorosamente, reconheço que não seria preciso insistir mais sobre o assunto nesta sede, mas não resisto à «tentação» de voltar ao assunto, respigando, aqui e acolá, algumas reflexões dum autor que aprecio bastante: «A alegria de Paulo assume uma espécie de caracterização autobiográfica. Pode-se dizer que, ao concluir a sua Carta aos Filipenses, Paulo traça uma espécie de balanço da sua própria vida».

 

   «Como que está num momento da sua existência em que colhe o essencial, descartando o que é secundário. Pois bem! Depois dum itinerário cheio de dificuldades, aventuras dramáticas, viagens extenuantes, desilusões, perseguições, provas de todo o género e duras lutas, S. Paulo parece ter esquecido tudo isto; ou melhor, acima de tudo isto, vê emergir uma única realidade: a alegria. A alegria é o que resiste, o que se aguenta de pé, quando tudo parece desvanecer-se. Diria até que Paulo, já velho, esquece muitas coisas e só consegue recordar a alegria. Está a perder a memória, mas não se esquece de ser feliz. A alegria é a outra face da fidelidade» (A. Pronzato).

 

   «Juntamente com a alegria, Paulo recomenda a afabilidade, que deve poder ser reconhecida por todos. Trata-se de uma atitude que diz respeito ao nosso relacionamento com os outros, mesmo fora do âmbito estritamente comunitário; atitude tendente à benevolência, à indulgência, à tolerância e à compreensão. O verdadeiro crente nunca é agressivo, fanático e impaciente (cf. 1Cor 13 = Hino da Caridade). Tem o sentido das proporções. Toma a gente como é, mostrando-se cordial com todos. Não se trata de conformismo, mas sim de uma vontade de coexistência pacífica respeitadora da diversidade dos outros, de um desejo de percorrer pelo menos parte da estrada juntos...» (A. Pronzato).

 

   «Se as relações com os outros devem fundamentar-se na bondade, com Deus devem ser caracterizadas por um abandono de confiança que produz na alma a paz. Ocorre então exorcizar a ansiedade, as angústias e as inquietações... Quando alguém confia as próprias preocupações, mesmo as mais obsessivas, a Deus, sabe que estão em boas mãos. E, por isso, encontra a serenidade. A paz torna-se então como um invólucro protector que "guarda" a vida do cristão.... Com frequência, culpamos da melancolia e da ansiedade de que somos vítimas o temperamento ou então as circunstâncias externas desfavoráveis que nos disturbam. O facto é que não sabemos reconhecer o Senhor que está próximo, que está ali ao pé de nós. Portanto, o estilo de vida do cristão, para Paulo, caracteriza-se por um clima de alegria, de bondade afável e de paz» (A. Pronzato).

 

   Sobre este assunto, resta-me lembrar que a alegria não tem a ver com a algazarra e a festa exterior. Muitas vezes, isso não passa é de uma procura do barulho para esquecer a falta de paz interior. A verdadeira alegria é, se quisermos, uma consequência da paz de espírito, sempre possível a quem, fazendo a sua parte da melhor forma possível, sabe que quem dá vida e faz crescer é o Senhor.

 

    «A conversão interior tem de se exteriorizar em atos. Ela não instaura só um novo tipo de relacionamento com Deus pelo perdão dos pecados, mas também um novo (e radical) tipo de relacionamento com os outros, que se traduz em amor e solidariedade».

 

    «João Baptista, homem severo (até algo selvagem, em certo sentido), surpreendentemente, não exige nada de extraordinário. Parece contentar-se com bem pouco. De facto, o que ele sugere não é senão um comportamento prático baseado, afinal, no equilíbrio, na justiça, na partilha; numa palavra, no bom senso. No fundo, seja no plano social, seja no plano fiscal, seja ainda no plano militar, João exorta os seus concidadãos a uma conduta que exclua a violência, o egoísmo, o engano, a exploração do homem pelo homem. Poder-se-ia resumir tudo isto com uma só expressão: respeito pelos outros».

 

    «Isto é uma maneira extremamente prática e eficaz de preparar os caminhos do Senhor. Quase que nos apetece perguntar: Mas, então é tudo? Bem, não sendo embora tudo, já não é pouco. Enfim, poderemos começar por aqui, familiarizando-nos com as realidades ordinárias para sermos capazes de, como cristãos, depois fazer algo de extraordinário» (A. Pronzato).