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Categoria: Domingos do Advento - Ano A
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I DOMINGO DE ADVENTO - A

1ª leitura (Is 2,1-5):  Eis a visão profética de Isaías, filho de Amós, sobre Judá e Jerusalém. No fim dos tempos, o monte onde está situado o Templo do Senhor erguer-se-á como o mais alto de todos e dominará sobre todas as colinas. A ele acorrerão muitas nações e toda a gente dirá: «Vamos subir até à montanha do Senhor, ao templo do Deus de Jacob. Ele mesmo nos ensinará o que quer que façamos e nós caminharemos pelas suas veredas. É que, na verdade, a Lei sairá de Sião e a palavra do Senhor chegará de Jerusalém. Ele será juiz entre as nações e dará as suas leis a muitos povos. Então eles transformarão as suas espadas em relhas de arados e as suas lanças em foices. Mais nenhuma nação se levantará contra outra e não se adestrarão mais para a guerra».

 

 * Subamos até à montanha do Senhor.

 

   O profeta Isaías, de família nobre, porventura até aparentado com alguém da casa real, vive numa época histórica muito agitada, em que é problemático propor uma sugestão ou tomar uma atitude concreta. É, por isso, natural que o seu escrito espelhe essa realidade. Mas o Isaías sabe que tem que ser fiel ao apelo e ao chamamento do Senhor. Por isso, nenhuma razão de cariz política impede que seja muito crítico contra a situação, sobretudo em relação àqueles que têm nas mãos os destinos do povo. E assim, por exemplo, nesta leitura, depois de pronunciar, em termos vigorosos, alguns oráculos contra Judá (Reino do Sul) pelo facto de concluir, com as nações vizinhas, alianças que acabam por se demonstrar funestas, Isaías acentua a urgência e a necessidade de «fazer alianças» não de carácter humano, mas sim alianças que tenham a Deus como referência. Já no tempo de Isaías, em termos de pensamento religioso, é claro que não é a força das espadas e das lanças que traz a solução dos problemas, mas sim a confiança absoluta num Deus, que não quer a guerra nem a violência. Ainda assim, apesar de os chefes políticos e religiosos não ligarem às exigência de Deus - o profeta vem confirmar que Israel - e, mais concretamente, o Reino do Sul, simbolizado pela capital, Jerusalém - será ponto de encontro entre os povos, não pela sua força, mas sim pela proposta que fizer da realidade de Deus. O que, bem ou mal, acaba realmente por acontecer.

 

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.

 

2ª leitura (Rm 13,11-14):  Irmãos, vós sabeis em que tempos estamos a viver. Já é altura de acordardes do sono, pois a salvação está agora mais perto de nós do que quando começámos a acreditar. A noite está avançada e o dia está a chegar. Ponhamos de parte, pois, as obras das trevas e revistamo-nos antes das armas da luz. Comportemo-nos honestamente, como pessoas que vivem em pleno dia: não no meio de orgias e de bebedeiras, da imoralidade e da libertinagem, não no meio de discórdias e de invejas. Antes pelo contrário, revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não vos submetais à vossa natureza pecadora, satisfazendo os seus desejos.

 

* O dia já se aproxima.

 

   S. Paulo - e não só ele - fala com frequência do «tempo de Deus». O problema dos seus concidadãos e leitores era o de interpretarem mal a sua mensagem, por terem apenas uma noção cronológica de tempo. Como me parece que possa ser também o nosso caso, pois também nós nos sujeitamos a pensar logo no «fim dos tempos» como algo de catastrófico quando Paulo fala do tempo de Deus. Ora, o tempo de Deus é sobretudo o momento em que Ele atua a sua salvação e, por isso, é natural, que o tempo de Deus seja sobretudo aquele que assinala a vinda do seu Filho, Jesus. Por isso, a partir da vinda de Cristo, as coisas tomam uma outra perspetiva e, por conseguinte, os que dizem que acreditam nele (os cristãos), naturalmente têm que tomar atitudes que não não têm nada a ver com o tempo em que Ele ainda não tinha vindo. Por isso, com Cristo, tudo mudou, os tempos mudaram, chegaram os «últimos tempos», pese embora essa visão não seja aceite por muitos que ainda, nos dias que correm, continuam a combater essa perspetiva de vida...

 

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.

 

Evangelho (Mt 24,37-46):   A vinda do Filho do homem será semelhante ao que aconteceu no tempo de Noé. Nos dias que precederam o dilúvio, comia-se, bebia-se, os homens casavam e as mulheres eram dadas em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca. As pessoas não deram por nada, até chegar o dilúvio, que a todos arrastou. Assim será também quando vier o Filho do Homem. Então, de entre dois homens que estejam a trabalhar no campo, um será levado e outro deixado; de entre duas mulheres a moer no mesmo moinho, uma será levada e outra deixada. Vigiai, pois, porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor. Ficai sabendo: se o dono duma casa soubesse a que horas da noite viria o ladrão, ficaria acordado e não deixaria arrombar a casa. Assim vós também estai preparados, porque o Filho do Homem virá na hora em que não estareis à espera dele.

 

* Com Cristo, tudo muda de figura.

 

   Com esta leitura, pode-se dizer que o evangelista Mateus dá início a uma espécie de «tratado» sobre a vigilância escatológica (dos «últimos tempos»). Este tipo de linguagem, contudo, é, especializada e, nesse sentido, é linguagem que contém imagens e termos susceptíveis de uma interpretação errada. Ora bem, para evitar que isso acontece, é bom não esquecer que, ao falar do fim dos tempos, ou mesmo do «fim do mundo», se está a falar, antes de mais, do momento importante da vinda definitiva do Senhor Jesus (em grego parusia). Mais: é um tipo de tempo que já começou - com a vinda de Jesus como «Deus-connosco»- mas que só fica perfeito, digamos assim, quando se der a última vinda. Quando se faz, pois, referência aos últimos tempos, estamos a lidar com um conceito que está para além do simples conceito de tempo cronológico a que estamos habituados. A vinda de Cristo é sempre uma vinda que não cabe nas nossas categorias de tempo e de espaço. Por outro lado, não se pode prescindir do facto de que essa vinda será sempre definitiva e eterna. Por isso, é «legítimo» dizer, com uma linguagem apocalíptica, que, no que toca à vinda de Jesus, as coisas devem ser consideradas de modo diferente; ou seja, as categorias humanas já não bastam para descrever o que se vai passar. É, no fundo, o mesmo que dizer que, a partir da vinda de Cristo, tudo muda de figura, tudo deve ser perspetivado de maneira totalmente diferente.

 

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.

 

  * Vinde, subamos à montanha do Senhor.

* Acordemos, que o dia já está próximo.

       

*         * O Filho do Homem virá na hora em que menos julgardes.  

 

 

Segundo os entendidos na matéria, o texto evangélico acima faz parte do chamado «capítulo apocalíptico» de Mateus. Mas, independentemente do que esse facto possa indiciar, nomeadamente no que se refere a um momento de encontro imediato com a última dimensão, a realidade é que a sua inclusão neste domingo tem por finalidade preparar-nos, não só para o último, mas para todo e qualquer encontro com o Senhor.

 

*    Reino ideal – ideal do Reino

    O texto do profeta Isaías proposto para este I Domingo de Advento (1ª leitura) pode sugerir ao leitor menos atento e habituado a ater-se à letra das coisas, uma perspetiva demasiado idealística dos tempos em que «Deus nos ensinará os seus caminhos». À primeira vista, o contexto parecerá sugerir e configurar uma espécie de explosão da esperança messiânica que, que irrompe a partir de Israel - e particularmente Jerusalém - com efeitos estrondosamente eficazes. Enfim, corre-se o risco de deduzir do texto - o que está errado - que nada parece resistir perante a força da intervenção «arrasadora» ou do advento do Senhor; como se, por encanto, desaparecesse a capacidade da pessoa humana de ser quem é, com a sua inteligência, a sua liberdade e a sua vontade.

   Poderá mesmo vir à alguém a ideia de vislumbrar no texto de Isaías uma referência implícita à difusão mundial e imparável do monoteísmo javístico, que terá Jerusalém como centro catalisador e característica identificadora um clima de paz universal, simbolizado pela imagem - bastante  arrojada mas simbolicamente eficaz das espadas transformadas em relhas de arado e das lanças de guerra transformadas em foices prontas para a ceifa. Se teimamos em não passar para além das imagens poéticas (e Isaías é fundamentalmente um livro poético), então corremos sérios riscos de estar a fazer dizer ao texto bíblico o que não está lá escrito.

    Mas eu vou partir do suposto que isto tudo não passa de primeira impressão. A a própria profusão enorme de imagens utilizadas talvez seja motivo mais que suficiente para nos questionarmos sobre se o autor terá tido mesmo a intenção de se referir a acontecimentos que fossem verificar-se à letra ou se, pelo contrário, a sua intenção terá sido descrever um mundo ideal para o qual devem tender, em ritmo mais ou menos acelerado, todos os que «caminham à luz de Javé». Por outras palavras, tratar-se-á de um Reino ideal a implantar milagrosa e prodigiosamente por Deus ou, em vez disso, de um Reino (certamente de Deus) a ser construído pouco a pouco, no tempo e na história, pelas pessoas dispostas a seguir os caminhos de Javé?

 

*   Quando acontece isso, se nada muda?

    Se estivermos a par – mesmo que só em termos muito superficiais – do que, com efeito, se passava no tempo em que o oráculo foi proferido por Isaías, não se pode deixar de suspeitar que porventura o intuito do profeta, ao proclamar semelhante oráculo, terá sido, em primeiro lugar, o de dar ânimo aos seus concidadãos abatidos, que na altura se viam obrigados a viver em circunstâncias dramáticas que tinham origem nas decisões dos líderes políticos e religiosos.

 

    Como se compreende com alguma facilidade, tornava-se necessário fazer com que o povo não se deixasse vencer pelo pessimismo e pelo desânimo face ao que lhe tocava viver. E as perspetivas não eram nada brilhantes. Com efeito, os reis vizinhos tinham entrado em acordo para eliminar do mapa o minúsculo povo de Israel, com capital em Jerusalém. E o pior é que o próprio Israel, sentindo-se pequeno e socialmente pouco preponderante - como era de facto - predispõe-se também a negociar com os «que contam», porventura sem disso terem qualquer noção. É então que aparece Isaías, homem sumamente culto, que é capaz de ver antecipadamente o que está para acontecer.

 

   Isaías, com influência na corte, vai usar de toda a sua cultura para inverter a situação, opondo-se tenazmente contra qualquer tentativa de acordo. Ora, seria ele tão ingénuo, tão ignorante ou tão obtuso, que não visse que uma sua proposta de mudança radical em sentido contrário, como da noite para o dia, na vertente puramente política, era irrealista? Alguns pensavem assim e discutiam as suas posições, tendo alguns chegado mesmo a concluir/acusar que essa proposta de resistência poderia inclusivamente ser interpretada como provocação. Bem, do que acabo de dizer, e dada a superior inteligência e tacto político de que Isaías era dotado, não me parece que ele pudesse cair nessa insensatez...

 

   A não ser que... ele quisesse referir-se a outra realidade!

 

    Por outras palavras, é pouco razoável pensar que Isaías tenha querido sugerir a ideia de que uma nação subjugada, um povo pequeno, oprimido por uma carga fiscal insuportável, como era o caso de Israel, se pudesse imaginar como centro de todos os povos. Dadas as circunstâncias, não parece provável que o profeta pudesse e quisesse meter uma ideia dessas na mente de todo o povo no seu conjunto. O que, no entanto, não significa que, apesar de tudo, não fermentasse na mente de algumas pessoas a secreta esperança de que isso fosse possível, sobretudo atendendo à força e aos prodígios operados por Javé no passado. Se, por outro lado, tivermos em conta que se ia formando uma mentalidade segundo a qual deveria chegar o Messias, que daria cabo de todos e colocaria Israel no centro do mundo todo, então era possível chegar a perspetivas impossíveis. Mas, mais uma vez, a pergunta é: a ideia do profeta Isaías era de cariz político e social ou sobretudo de cariz religioso?

 * Dinâmica do «fim dos tempos»

    Em última análise, qualquer ideia política de imposição de Israel sobre todos os outros povos não passa de mera especulação. Com efeito, a intenção de Isaías não era alimentar qualquer tipo de esperança irreal de hegemonia política. Aliás, se continuarmos a ler o texto, que vem logo a seguir (e eu sugiro que o façamos), provavelmente ficaremos elucidados e convencidos de que a mera hipótese da proposta dum messianismo político por parte de Isaías está completamente fora de questão. E, de resto, a realidade que se seguiu encarregou-se de comprovar que não era esse o caso.

 

    No «fim dos tempos» (ou nos tempos que são os últimos), ou seja, aquando da vinda do Messias, os primeiros cristãos, já com uma nova visão da realidade, ver-se-ão «obrigados» a colocar as coisas na sua verdadeira perspetiva: ou seja, é um erro pensar que o Reino de Deus e a paz universal caiam do céu milagrosamente, sem que as pessoas tenham que mexer uma palha, ou que sejam o efeito duma «guerra com espadas e lanças». Não há «revoluções» verdadeiramente efetivas e duradouras que tenham por base o uso da força e das armas. Revolução que não nasça de dentro do coração é revolução que não tem futuro.

 

   A profecia de Isaías não se cumpre, pois, à força de espadeiradas e de violência inaudita. E, por isso, não é um processo que se complete da noite para o dia, como se tudo dependesse dos efeitos de alguma varinha mágica. É um processo lento cuja seiva vital é a palavra do Senhor, que é como uma pequena semente «sujeita» às estações do tempo e da história. Aliás, a paz de que Isaías fala e promete não é a paz que o mundo dá, mas a paz que se constrói a partir da interioridade da pessoa...

* Viver a realidade sob outra luz

    Do que ficou dito, pode-se depreender sem qualquer dificuldade - seja-me permitido repetir e reforçar a ideia - que o profeta Isaías não pretende fazer referência a nenhum acontecimento de cariz político (no sentido restrito do termo). Mas isso não quer dizer que as suas propostas, de cariz essencialmente religioso, não impliquem mudanças no processo político e social. A vertente política e social não é uma realidade primariamente abstrata, mas sim a coordenação prática dos vários aspetos da vida concreta das pessoas. Agora, o que é óbvio é que a «concertação» política e social duma determinada sociedade está subjacente ao que as pessoas no seu conjunto pensam sobre quais sejam as prioridades da vida.

    Nesse aspeto, de alguma forma e como se diz por aí, é verdade que tudo é política. E, portanto, nesse sentido, também a mensagem de Isaías ao povo tem consequências de carácter político. Em todo o caso, isso é apenas uma figura de linguagem, porque, em boa verdade, acho útil repetir que não é intenção primordial do profeta interferir na sociedade em termos políticos. De resto, rigorosamente falando, está bem de ver que a realidade não se exaure no político. Há outras vertentes que não é possível ignorar, sob pena de distorcer a realidade no seu conjunto... O problema é que a pessoa como tal continue a pensar que é dona da história e dona da verdade e o queira impor a toda a gente, produzindo um estado de coisas que não mercece a aprovação de ninguém.

* O dia está próximo

    Seja como for, é bem possível (e esta é apenas força de expressão, porque, na realidade, é um facto!) que o tempo da paz universal, de que o profeta fala, já tenha começado. É pelo menos essa a opinião, ou melhor, a convicção e a visão dos cristãos; aliás, na linha de pensamento de Paulo, que utiliza, também ele, uma imagem para o descrever: «A noite já vai adiantada e o dia está próximo»  (cf. Rm 13,12). E isto é mesmo imagem, pois o significado, na sua plenitude, implica que a noite (da existência individual e coletiva) é muito longa; mais longa do que a paciência humana por vezes é capaz de suportar. Mas, da mesma forma, também o dia será longo.

    À semelhança do que acontece com Isaías, também no que diz respeito a Paulo, ele não é tão ingénuo que julgue que as trevas já tenham desaparecido por completo. Não! Ele está plenamente consciente de que as trevas ainda não se dissiparam por completo. Nisso ele é bem realista. Mas também é suficientemente optimista para realçar com clareza que não existe só a noite, mas que a força da aurora que se aproxima conseguirá romper a escuridão da noite. Se partirmos do suposto que, na altura em que Paulo escreve aos cristãos de Roma, as perseguições, que se abatiam sobre as várias comunidades, pareciam mesmo a incarnação das forças das trevas, talvez tenhamos menos dificuldade em compreender a preocupação de Paulo em repor o equilíbrio no ânimo dos fiéis. Continuando a utilizar a imagem, embora as trevas ainda envolvam a vida dos cristãos, todavia a luz do dia já está a despontar...

 

* A luz faz desaparecer as trevas

    Eu disse que se tratava de imagens. E é verdade. As trevas simbolizam, em termos genéricos, as forças do mal, enquanto o novo dia e a luz que despontam simbolizam as obras do bem. E, como é óbvio, as imagens, na perspetiva de Paulo, só têm sentido como sinais, na medida em que elas significam alguma coisa na vida concreta das pessoas.

 

    Como é claro, a Paulo não interessa falar da noite ou do dia considerados em si mesmos como uma divisão temporal. Ele não é um técnico dos serviços meteorológicos. Por outras palavras – e continuo com as imagens – as trevas irão sendo vencidas à medida que for irrompendo vitoriosa a luz do novo dia das obras dos cristãos. Essa «batalha» durará mais ou menos tempo consoante o menor ou maior empenho que os mesmos cristãos puserem nas suas actividades diárias.

   Se partíssemos da hipótese - impossível - de que alguma vez o sol não surgisse no horizonte, as trevas constituiriam uma situação ininterrupta e a vida seria impossível. E é neste aspeto – penso eu – que a imagem permite a Paulo tirar as consequências práticas que expõe: «Nada de comezainas... pelo, contrário, revesti-vos de Cristo» (Rm 13,13-14). Para combater as trevas (ou seja, o que é moralmente negativo e tenebroso), há que empunhar «as armas da luz» (ou seja, o que é moralmente positivo e inspirado pela luz da verdade revelada).

 

* A dialéctica luz–trevas continua

    Esta dialética entre forças do mal e forças do bem é uma constante da história da humanidade e das religiões em particular. E é a essa luz que acho que deve ser interpretado o trecho evangélico de hoje. Devido ao tipo de linguagem que o distingue, pode induzir em erro a quem não estiver atento à sua roupagem escatológica e também apocalíptica. Temos que nos habituar pouco a pouco a não esquecer que a finalidade da Bíblia em geral é de cariz religioso. Portanto, também o é a mensagem envolta em roupagem apocalíptica. Para veicular a mensagem religiosa, a Bíblia (=Palavra de Deus em palavras humanas) recorre a todos os tipos de linguagem, mesmo àqueles a que talvez nós hoje não estejamos muito afeitos.

    Ver, pois, num texto apocalíptico (como parece ser o deste domingo) referências ao fim do mundo, a catástrofes milenárias e a outras suposições do género, é o mesmo que ater-se a uma interpretação simplisticamente «literal», que privilegia a dimensão «política» e temporal, minimizando a dimensão moral e religiosa e que, por isso mesmo, atraiçoa a mensagem original que o autor quis transmitir. A propósito, não nos esqueçamos que «a letra mata e o espírito é que dá vida» (cf. 2Cor 3,6b).

 

* Descobrir esta... ou a vida?

    Na perspetiva do autor evangélico, parece-me que é esta a grande descoberta que temos de fazer: darmo-nos conta de que certas coisas originam a morte e outras são fonte de vida. Os que se não dão conta de nada, à semelhança do que sucedeu antes do Dilúvio, no tempo de Noé, acabam por passar por esta vida sem realmente descobrirem a vida. Assim foi no tempo de Noé, assim foi durante a travessia do deserto pelo povo israelita, assim foi quando o Messias prometido «passou pelo mundo fazendo o bem» (cf. Act 10,38) e os seus não O reconheceram (cf. Jo 1,10). E assim é nos tempos da Igreja de sempre: há uns que descobrem algo mais para além desta vida e há outros que não.

    O convite a descobrir um sentido novo para a existência parece-me latente em todo o texto evangélico. Aproveitando a analogia do tempo de Noé, acho que se pode sublinhar o seguinte (sejam quais forem os tempos em que vivemos): como sucedeu nos tempos de Noé, assim todos nós corremos constantemente o risco de considerar a vida apenas como uma rotina do quotidiano, como cultura do aparente, sem abertura às «surpresas» duma outra dimensão. Ou, pior ainda, as preocupações com os problemas diários podem levar-nos a esquecer que, se calhar, para nos salvarmos de forma definitiva, é preciso cometer a loucura de construir uma «arca» quando ainda nem sequer há ameaças de chuva e de tempestade.

 

* Fim do mundo ou vinda de Jesus?

    Em última análise e bem vistas as coisas, o episódio do Dilúvio não tem só uma valência negativa; na sua negatividade; ele não é apenas um paradigma de ruína e maldição. Aliás, nem é intenção do evangelista apresentá-lo como tal, como porventura muitos poderão e quererão pensar. O Dilúvio é também ocasião de salvação para Noé e para os seus familiares. Seja como for, é inútil (e, acrescento eu, contraproducente) entender os textos bíblicos de hoje – e em especial a passagem evangélica – em termos de «fim do mundo». Não é de nada disso que se trata. E não me parece difícil deduzi-lo do trecho escolhido para hoje.

   As comparações usadas não têm valor em si mesmas, mas sim enquanto se propõem como meios e instrumentos capazes de amadurecer a ideia que a vinda de Deus «não é (nem pode ser) programada» pelo homem; ideia, aliás, consubstanciada na frase seguinte: «Assim será também a vinda do Filho do Homem». Nesse sentido, também não temos que nos preocupar pelo facto de a vinda do Filho do Homem ser comparada à vinda dum ladrão. Seria ridículo da nossa parte querer identificar pura e simplesmente o próprio Jesus com um ladrão que vem de noite. As comparações não têm valor pelos termos utilizados, mas pela ideia que nelas está implícita. E seria, pois, uma ideia absurda concluir, por exemplo, que Jesus se comporta como um ladrão; ou seja, supor que vem precisamente no momento em que as pessoas estão menos preparadas. O ladrão, como se sabe, não vem senão para roubar, matar e destruir (cf. Jo 10,10). Isso seria uma atitude eivada de crueldade e estaria em contradição com o que vem logo a seguir no Evangelho de João, em que se diz que Ele veio para que todos tenham a vida e a tenham em abundância (ibidem)...

* A vigilância deve ser constante

    Em todo o caso, nada impede que o texto realce a necessidade de estar sempre atento e disponível para «seguir os caminhos de Javé», «revestir as armas da luz», para «preparar a vinda do Senhor». Ou seja, diante do Senhor, que vem de maneira constante, há duas atitudes fundamentais: não lhe ligar nada e mesmo rejeitá-lo, permanecendo nas trevas; ou então aceitá-lo, imitando nisso Noé que, ancorado na palavra de Deus (contra a opinião da maioria) constrói pacientemente a sua arca.

    Não é por mero capricho que o texto evangélico afirma que «alguns serão levados» e «outros serão deixados». Ou seja, se é verdade que só Deus pode salvar, não é menos verdade que Ele não impõe a sua salvação a ninguém. Ele limita-se, digamos assim, a propô-la, respeitando a liberdade e poder de opção que caracteriza o ser humano.  Mas a imagem do evangelista – «alguns serão levados e outros serão deixados» – contém também subjacente a ideia de que ninguém pode ter a certeza absoluta de fazer parte do «lote dos escolhidos» de Deus. Ora, isso implica também que ninguém tem a certeza de não estar nos planos de Deus. Ambas as hipóteses são plausíveis.

    Estar dum lado ou do outro não depende apenas da vontade de Deus (se assim me é permitido expressar-me). A pessoa humana, por desígnio do próprio Deus, foi dotada de liberdade eu diria quase ilimitada. Eis por que ao homem é deixada a decisão de optar por Deus ou não. Em todo o caso, seja qual for a opção que se seguir, isso implica assumir por inteiro a responsabilidade das consequências.

    Eis a razão por que a vigilância atenta é indispensável, pois o Senhor vem, para cada um de nós, quando «melhor lhe apetece». No decorrer da história da humanidade em geral e ao longo da história individual, Deus propõe-nos em muitas ocasiões esta opção de fundo: ou pegar ou largar (passe a expressão pouco elegante!). A própria celebração do Advento, que se repete todos os anos, é para os cristãos esta nova oportunidade que lhes é concedida de optar «por Ele ou contra Ele». Se não fosse assim, se calhar, teria havido apenas um «advento» e não se falava mais no assunto.

    O espírito da liturgia da palavra é, pois, garantir-nos que Deus (no caso, através de Jesus Cristo, cujo nascimento se celebra em breve) vem sempre para nos salvar. Mas há uma condição sine qua non: «É tempo de acordarmos do sono, porque a nossa salvação está próxima... A noite já vai alta e a aurora aproxima-se» (cf. 2ª leitura).

DEUS VEIO TER CONNOSCO

NÓS VAMOS TER OS OUTROS

APROXIMA-SE

A VOSSA LIBERTAÇÃO

 

Todos os anos, em finais de novembro ou princípios de dezembro, começa-mos a viver um tempo especial a que a Igreja chama Advento. A Igreja vive a expectativa de Alguém que chegou e continua a chegar. Espera sempre que nasça um Menino. À celebração desse nascimento chamamos NATAL.

 

«A quantos O receberam,

aos que nele acreditaram,

deu-lhes o poder

de se tornarem filhos de Deus».

(Jo 1,12)

 

 

DEUS-LHES O PODER DE SE TORNAREM FILHOS DE DEUS.

UM SANTO NATAL

E UM ÓTIMO NOVO ANO!

  


 

DEUS REVELA-SE AO HOMEM ENVIANDO O SEU FILHO ÚNICO

 

 

«DEUS AMOU TANTO O MUNDO

QUE LHE ENTREGOU O SEU FILHO

UNIGÉNITO, A FIM DE QUE

TODO AQUELE QUE ACREDITA NELE,

NÃO SE PERCA, MAS TENHA

A VIDA ETERNA» (Jo 3,16).

«O VERBO FEZ-SE HOMEM

E VEIO HABITAR NO MEIO DE NÓS»

(Jo 1,14)

(JESUS CRISTO),

que é de condição divina,

não considerou indispensável

ser igual a Deus,

mas esvaziou-se a si mesmo,

tomando a condição de servo

… tornando-se obediente

até à morte, e morte de cruz.

Por isso mesmo é que Deus

O elevou acima de tudo

e lhe concedeu um nome

que está acima de todo o nome,

para que, ao nome de Jesus,

se dobrem todos os joelhos,

os dos seres que estão nos céus,

na terra e debaixo da terra;

e para que toda

a língua proclame:

«Jesus Cristo é o Senhor,

para glória de Deus Pai».

                             (Fl 2,6-11)