VII DOMINGO DA PÁSCOA - C
(SOLENIDADE DA ASCENSÃO)
Temas de fundo |
1ª leitura (At 1,1-11): ... Jesus apareceu vivo aos apóstolos depois da sua paixão e deu-lhes disso numerosas provas com as suas aparições, durante quarenta dias, e falando-lhes também sobre o Reino de Deus. No decurso duma refeição que partilhava com eles, Jesus ordenou-lhes que não se afastassem de Jerusalém, mas que esperassem lá o Prometido do Pai, «do qual, dissera Ele, me ouvistes falar. João batizava em água, mas, dentro de pouco tempo, vós sereis batizados no Espírito Santo». Quando estavam reunidos, perguntaram-lhe: «Senhor, é agora que vais restaurar o Reino de Israel?». Respondeu-lhes: «Os tempos e os momentos são fixados pela autoridade de Deus e não vos compete a vós saber quando chegam. Mas, quando o Espírito Santo vier sobre vós, ides receber uma força que fará de vós minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria e até aos confins do mundo». Dito isto, elevou-se à vista deles, enquanto uma nuvem o subtraiu aos seus olhos. Ainda estavam com os olhos fixos no céu, para onde Jesus se afastava, quando surgiram de repente dois homens vestidos de branco e lhes disseram: «Homens da Galileia, porque estais assim a olhar para o céu? Esse Jesus, que vos foi arrebatado para o céu, virá da mesma maneira que agora o vistes partir para o céu».
* Porque estais assim a olhar para o céu? A ascensão de Jesus ao céu é, por assim dizer, o ponto final da vida de Jesus sobre a terra. Mas a sua história não acaba aqui, pois é também, precisamente a partir deste dia, que começa uma nova fase da sua vida como cabeça do Corpo Místico. Sim, com a subida de Jesus ao céu e o envio do Espírito Santo, tem início a missão da Igreja, que deve ser continuada pelos apóstolos e pelos seus sucessores. A missão evangelizadora de Jesus, iniciada que é a fase definitiva em Jerusalém, estende-se até aos confins do mundo; e a experiência da ascensão é a ocasião privilegiada em que os apóstolos descobrem que não podem ficar ali parados. Jesus, embora estando à direita do Pai, não está ausente, mas sim presente, doutra maneira, através da ação do Espírito. Ele, Jesus, continua vivo e a agir pelos seus apóstolos e através da nova comunidade nascente que acredita nele por meio deles. Compete agora aos discípulos torná-lo novamente presente através do seu anúncio e testemunho. É inútil que os discípulos se limitem a olhar para o céu, onde Ele está sempre a interceder por eles. Agora, torna-se necessário que vão pelo mundo a dizer e a provar que Ele está vivo e que é possível salvar-se.
PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO. 2ª leitura (Ef 1,17-23): Que o Pai glorioso, Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, vos dê o Espírito de sabedoria que vos revelará Deus para O conhecerdes. Que os olhos do vosso coração sejam iluminados para saberdes qual é a esperança que nos vem do seu chamamento, que riqueza de glória contém a herança que Ele nos reserva entre os santos e como é extraordinário e grande o poder que opera nos que acreditam. A eficácia dessa força é tão poderosa como a que exerceu quando ressuscitou Cristo dos mortos e o sentou à sua direita, nos altos céus. Ele está muito acima de todo o Poder, Principado, Autoridade, Potestade e Dominação e acima de qualquer outra autoridade deste mundo e do que há-de vir. Sim, Deus submeteu tudo aos pés de Cristo e deu-o à Igreja como cabeça suprema. A Igreja é o seu Corpo, a plenitude daquele que, por seu lado, tudo preenche em todos.
* Deus fez sentar Jesus à sua direita. Não interessa saber se a Carta aos Efésios saiu ou não da pena de Paulo e se foi dirigida em primeiro lugar aos cristãos de Éfeso ou a outros (alguns especialistas acham por bem levantar estas questões). No caso, estas parecem-me questões secundárias. Agora, o que importa é que foi escrita para responder a uma necessidade específica dos cristãos. E é precisamente nesse sentido que podemos extrair deste texto uma mensagem válida para hoje. Ora bem, quando esta Carta foi escrita, começava a propalar-se pelas cristandades primitivas uma ideia que irá dar origem a uma das grandes heresias de sempre: e que é o facto de se partir do suposto que Jesus é um grande homem, mas nunca comparável ou igual a Deus, chegando mesmo alguns a defender que Ele era inferior aos anjos. Por isso, segundo essa teoria, Ele seria apenas um mediador. Pois bem, uma das grandes realidades em que o espírito da Páscoa não se cansa de insistir é que o Jesus que foi crucificado e morreu sob Pilatos é o Messias, o Filho de Deus, e agora está à direita de Deus Pai. Sem professar esta realidade da divindade de Jesus, ninguém tem autoridade para se declarar verdadeiramente cristão. E então as testemunhas de Jesus Cristo não podem não dizer precisamente isso àqueles a quem falam dele, seja onde for e em que época for. Então é oportuno recordar, mais uma vez, o que se aprende nos encontros de catequese: Jesus Cristo é, ao mesmo tempo, verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus.
PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.
Evangelho (Lc 24,46-53) [Conclusão do Evangelho segundo S. Lucas]: (Jesus disse-lhes) Está escrito que o Messias devia sofrer e ressuscitar de entre os mortos, ao terceiro dia; que, em seu nome, havia de ser anunciada a conversão para o perdão dos pecados a todos os povos, começando por Jerusalém. Vós sois as testemunhas destas coisas. Eu vou mandar sobre vós o que o meu Pai prometeu. Entretanto, permanecei na cidade até serdes revestidos com a força do Alto. Depois, levou-os até junto de Betânia e, erguendo as mãos abençoou-os. Enquanto os abençoava, separou-se deles e elevou-se aos céus. Eles, depois de se terem prostrado diante dele, voltaram para Jerusalém com grande alegria. E estavam continuamente no templo a bendizer a Deus.
* Vós sois testemunhas destas coisas. A ascensão de Jesus aos céus é, digamos assim, o ponto final das suas aparições aos apóstolos, após a ressurreição, mas é também o momento que marca o início da missão de evangelização da Igreja pelo mundo. Sabe-se que as últimas recomendações de alguém são sempre de importância vital. Daí que se deva concluir que a obrigação de anunciar, em seu nome, a conversão para o perdão dos pecados a todos os povos seja uma vocação incontornável da comunidade cristã. Este texto de S. Lucas realça e especifica o objetivo do testemunho que os discípulos de Jesus devem dar. Aos olhos dos apóstolos, Jesus entra na «vida nova» que a ressurreição implica. Eles vão tirar as devidas conclusões, mesmo que para isso seja preciso passar algum tempo a rezar e a refletir. E, de facto, sabemos que eles depressa se dão conta - sobretudo a partir do momento em que recebem a força do Espírito Santo - que não podem estar à espera que as coisas lhes caiam do céu. É preciso pôr-se a caminho, em missão, para levar pela palavra e pelo exemplo a mensagem de Jesus a toda a parte. Daí que o papa Paulo VI tenha decidido - e bem - associar ao Domingo da Ascensão o Dia Mundial dos Meios de Comunicação Social, pois a Igreja como tal tem o direito e o dever de pregar, a Boa a Nova ao mundo inteiro, no respeito das várias culturas, através de todos os meios que a tecnologia põe à sua disposição. E então, mais uma vez, temos que pensar não em «diabolizar» a Inteligência Artificial, mas sim em rentabilizá-la para o «processamento» da visão que o Evangelho pode e deve lançar sobre este mundo de Deus. A luta e a guerra contra as novas tecnoligias não adiantam de nada, se não se partir da tese que estas tecnologias, com valências negativas e negativas (como, de resto, as outras realidades) devem servir de suporte e meio para veicular a mensagem de Deus.
PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO. |
* Sereis minhas testemunhas até aos confins do mundo.
* O Pai fez sentar Jesus à sua direita, no alto do céu.
* Ide por todo o mundo e proclamai o Evangelho. |
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JESUS SEPAROU- SE DELES E ELEVOU- SE AO CÉU. |
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A consumação do mistério
Em termos históricos, pode-se afirmar que, de início, a Solenidade da Ascensão começou por ser celebrada juntamente com a do Pentecostes e com a própria Páscoa (Ressurreição). A ligação entre estas três realidades é clara sobretudo no Evangelho de S. João. Seja como for, acabou por se tornar autónoma, se assim me é permitido afirmar. E, de facto, já S. João Crisóstomo (+405) e Sto. Agostinho (+430) falam de celebração distinta, descrevendo-a como fazendo parte, já no tempo deles, da «tradição universal».
A Ascensão pode-se definir como o culminar do triunfo real de Cristo; é como o cumprimento e a plenitude da sua glorificação pessoal, após a humilhação do Calvário. É evidente que, em termos rigorosos, no que se refere a espaço e tempo, é muito difícil - senão impossível - dissociar quer a realidade da Ressurreição quer a da Ascensão, quer esta última do envio do Espírito Santo, que, por motivos de apreensão humana, se celebra no Pentecostes. E o motivo é simples: Jesus, com a ressurreição, retoma a vida que tinha antes e recomeça a viver numa dimensão em que não contam já nem o tempo nem o espaço. Por razões de apreensibilidade, se assim se pode dizer, a Ascensão é diferente do Pentecostes, precisamente na medida em que nós, na condição de pessoas, precisamos de referências como o tempo e o espaço para compreendermos a realidade em geral e, por conseguinte, também a realidade espiritual. É, pois, legítimo, distinguir, em termos didáticos, tanto a Ressurreição como a Ascensão e o Pentecostes. Para nós, torna-se mais fácil refletir sobre cada um dos aspetos em separado, tendo assim a possibilidade de aprofundar os assuntos e as consequências que desses assuntos derivam.
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Um Homem à direita de Deus
A fórmula do Credo que recitamos aos domingos - «Ressuscitou, subiu ao Céu e está sentado à direita do Pai» - exprime a fé pascal da Igreja em relação ao «destino» de Jesus de Nazaré. Este homem, com o qual os apóstolos «comeram e beberam» durante a sua existência terrena, depois da morte, tornou-se «Senhor», porque o Pai o associou de modo definitivo à sua vida e ao seu poder sobre os homens e sobre todo o mundo: «Todo o poder me foi dado no Céu e na Terra».
Depois da paixão, Ele está presente no meio dos seus, segundo uma nova dimensão, e caminha com eles pelos caminhos do mundo, para onde os manda como testemunhas da Ressurreição, e como anunciadores do perdão e da vida de Deus, feitos como que veículos da força motriz do Espírito, que reúne os homens de todas as nações da terra numa única Igreja. A fé e o batismo introduzem o homem na nova dimensão do Ressuscitado, começando a participar assim, desde já, na vida plena que Cristo tem junto do Pai e que Ele comunica pelo seu Espírito.
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O Céu não é um lugar, é Alguém
Afirmar que, pela pessoa de Jesus, podemos já viver a realidade do Céu, ou paraíso, é contestar, de certa maneira, a imagem limitada de «céu espacial». Para Jesus, a noção de «céu espacial» não faz sentido, porque o Céu é, em suma, a participação na vida do Pai. Por isso, desde já, podemos participar dessa vida, embora ainda não de forma definitiva Tendo assumido por completo, exceto no pecado, a natureza humana, Ele como que nos «empastou» também com a sua divindade, fazendo-nos participantes da sua própria vida. Somos feitos participantes dessa vida a partir da nossa aceitação de Jesus Cristo como Senhor e Filho de Deus, embora ainda não plenamente.
Mas virá o dia, como diz S. Paulo, em que se manifestará abertamente tudo o que já somos. O céu, assim, não é simplesmente a «recompensa» por uma vida justa e boa, até porque, por mais justa e meritória que fosse a nossa vida, nunca mereceríamos essa «recompensa» infinita. Essa vida devemo-la sobretudo a Ele. Mas nós temos que O aceitar tal como Ele é, mesmo na «vertente», digamos assim, da paixão. Ou seja, este aspeto não pode ser apagado na «personalidade» de Jesus. Em qualquer caso, a nossa «recompensa» não tem comparação com o que nós estejamos em condições de «fazer». De resto, é Paulo que o diz bem à sua maneira: «Os sofrimentos do momento presente não são nada comparados com a glória futura que deverá ser revelada em nós» (Rm 8,18). Mas é precisamente a própria vida de Jesus que devemos fazer «render» todos os dias, por forma a possuí-la um dia em plenitude numa outra dimensão, quando as últimas coisas terrenas tiverem passado para nós.
Por isso, interpretando teologicamente a Ascensão de Jesus (mesmo segundo esta 1ª leitura), os anjos recomendam aos apóstolos para não estarem a olhar para o Céu, mas para esperarem e prepararem o regresso glorioso do Senhor. E isso até ao fim dos tempos. O Céu não é, pois, um narcótico para gente passiva e resignada, uma desculpa para não trabalhar neste mundo pela realização, mesmo que imperfeita, daqueles valores de paz, liberdade, fraternidade, comunhão, vida, amor, alegria, que afinal são os anseios de todos os homens de todos os tempos. O Céu é, isso sim, algo que só terá a sua plenitude na outra dimensão, é certo, mas deve ser começado a construir nesta dimensão.
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Ide e ensinai todas as gentes
A tarefa da Igreja (ou seja, de todos os que acreditam e aceitam a Jesus Cristo) em tensão entre o visível e o invisível, entre a realidade presente e a «cidade futura», realiza-se pelo serviço dos outros através dum amor concreto: «É por isso que os homens acreditarão que somos discípulos de Cristo» (cf. Jo 13,35). Esse amor concreto e desinteressado é o testemunho convicto e convincente de que a nossa vida não é um beco sem saída, mas uma fase temporária da existência humana.
A tarefa da evangelização não é confiada só a um grupo particular de fiéis, mas a todos os que receberam o dom da fé. É certo que há pessoas que respondem com a doação de toda a própria vida à missão evangelizadora, dizendo «sim» a uma vocação especial. Mas incumbe a todos os cristãos a obrigação de «ir por toda a parte e ensinar todas as gentes», com a palavra, mas sobretudo através do cumprimento escrupuloso e «dirigido segundo princípios cristãos» das próprias tarefas seculares.
Somos admoestados, com frequência, de que «nada vale ao homem ganhar o mundo inteiro, se depois a gente se perde a si mesmo» (cf. Lc 9,25). Todavia, a esperança duma «nova terra» não deve enfraquecer a solicitude pelo trabalho desta terra, onde já cresce aquele corpo da humanidade nova de que o cristão deve ser o sinal e o modelo. A este propósito, podem ler-se com muito proveito textos fundamentais do Concílio como, por exemplo, Lumen Gentium, nn. 20, 39, 43 e 57. Para além destes textos, que não vou aqui reproduzir, seja-me permitido também sugerir a leitura de um outro documento conciliar fundamental, a Gaudium et Spes, que trata precisamente da missão e tarefa dos cristãos no que se refere aos assuntos terrenos.
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Anunciar a toda a gente «hoje»
Sendo a principal tarefa da Igreja levar a mensagem de Cristo a todo o mundo, é lógico que ela tem obrigação de se ir adaptando não só à mentalidade, cultura e usos e costumes dos diversos povos, mas também aos diversos tempos. A mensagem de Cristo é obviamente una e imutável na sua essência. Mas é precisamente para ser fiel ao seu conteúdo e ao mandato de o transmitir que se torna necessário mudar de paradigmas de linguagem e de categorias linguísticas, à medida que a linguagem e as categorias linguísticas mudam. Sim, o motivo parece-me muito simples: a linguagem e as categorias mudam constantemente com o tempo e com as inovações técnicas. Como consequência, o que um termo significou ontem pode não ter o mesmo sentido hoje. Ora, se continuarmos a usar sempre os mesmos termos ou expressões que, entretanto, mudaram de sentido, corremos o risco de perder também a mensagem original que eles antes continham.
Celebrando-se neste dia também, desde 1966, o Dia Mundial das Comunicações Sociais, estas considerações parecem sobremaneira úteis e actuais. A missão da Igreja é - e será sempre - em termos genéricos, promover a evangelização e a promoção humana. Mas hoje terá que o fazer utilizando também os chamados mass media, ou seja, os meios que o tempo e as novas tecnologias põem à sua disposição no mundo actual. Pode ser trabalhoso adaptar-se aos novos tempos, mas, por outro lado, nada mais natural do que a adopção desses meios para melhor desempenhar a sua tarefa.
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Princípios para utilizar os mass media
Seria caso para aqui fazer uma nota à parte sobre o tema, mas o espaço não no-lo consente (mas isso não exclui que seja proposta a mensagem do Santo Padre para este Dia Mundial, depois deste comentário); pelo que me limito a repetir uma citação do texto que S. João Paulo II enviou, por altura do Dia Mundial dos Meios de Comunicação Social de 1987, que acho elucidativo e plenamente atual. Diz ele: «A experiência da comunicação tem-se desenvolvido de modo extraordinário no nosso tempo e requer da Igreja e dos seus filhos um novo empenho de conhecimento e aprofundamento da sua linguagem».
«Ocorre, pois, aprofundar o que se vê, o que se ouve e o que se lê, discutindo sobre os conteúdos com educadores e pessoas competentes. A Igreja nada tem a temer do desenvolvimento dos mass media. Antes pelo contrário, é sua intenção apelar aos seus filhos no sentido de se empenharem em primeira linha para que esta "obra" humana esteja verdadeiramente ao serviço do crescimento integral da pessoa».
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MENSAGEM DE SUA SANTIDADE PAPA FRANCISCO
PARA O LIX DIA MUNDIAL DAS COMUNICAÇÕES SOCIAIS
Partilhai com mansidão a esperança que está nos vossos corações (cf. 1 Pd 3,15-16)
Queridos irmãos e irmãs!
Neste nosso tempo marcado pela desinformação e pela polarização, no qual alguns centros de poder controlam uma grande massa de dados e de informações sem precedentes, dirijo-me a vós consciente do quanto, hoje mais do que nunca, é necessário o vosso trabalho de jornalistas e comunicadores. Precisamos do vosso compromisso corajoso em colocar no centro da comunicação a responsabilidade pessoal e coletiva para com o próximo.
Ao pensar no Jubileu que estamos a celebrar como um período de graça em tempos tão conturbados, com esta Mensagem gostaria de vos convidar a ser comunicadores de esperança, começando pela renovação do vosso trabalho e missão segundo o espírito do Evangelho.
Desarmar a comunicação
Hoje em dia, com demasiada frequência, a comunicação não gera esperança, mas sim medo e desespero, preconceitos e rancores, fanatismo e até ódio. Muitas vezes, simplifica a realidade para suscitar reações instintivas; usa a palavra como uma espada; recorre mesmo a informações falsas ou habilmente distorcidas para enviar mensagens destinadas a exaltar os ânimos, a provocar e a ferir. Já várias vezes insisti na necessidade de “desarmar” a comunicação, de a purificar da agressividade. Nunca dá bom resultado reduzir a realidade a slogans. Desde os talk shows televisivos até às guerras verbais nas redes sociais, todos constatamos o risco de prevalecer o paradigma da competição, da contraposição, da vontade de dominar e possuir, da manipulação da opinião pública.
Há ainda um outro fenómeno preocupante: poderíamos designá-lo como a “dispersão programada da atenção” através de sistemas digitais que, ao traçarem o nosso perfil de acordo com as lógicas do mercado, alteram a nossa perceção da realidade. Acontece portanto que assistimos, muitas vezes impotentes, a uma espécie de atomização dos interesses, o que acaba por minar os fundamentos do nosso ser comunidade, a capacidade de trabalhar em conjunto por um bem comum, de nos ouvirmos uns aos outros, de compreendermos as razões do outro. Parece que, para a afirmação de si próprio, seja indispensável identificar um “inimigo” a quem atacar verbalmente. E quando o outro se torna um “inimigo”, quando o seu rosto e a sua dignidade são obscurecidos de modo a escarnecê-lo e ridicularizá-lo, perde-se igualmente a possibilidade de gerar esperança. Como nos ensinou D. Tonino Bello, todos os conflitos «encontram a sua raiz no desvanecer dos rostos» [1]. Não podemos render-nos a esta lógica.
Na verdade, ter esperança não é de todo fácil. Georges Bernanos dizia que «só têm esperança aqueles que ousaram desesperar das ilusões e mentiras nas quais encontravam segurança e que falsamente confundiam com esperança. [...] A esperança é um risco que é preciso correr. É o risco dos riscos» [2]. A esperança é uma virtude escondida, pertinaz e paciente. No entanto, para os cristãos, a esperança não é uma escolha, mas uma condição imprescindível. Como recordava Bento XVI na Encíclica Spe salvi, a esperança não é um otimismo passivo, antes pelo contrário, é uma virtude “performativa”, capaz de mudar a vida: «Quem tem esperança, vive diversamente; foi-lhe dada uma vida nova» (n. 2).
Dar com mansidão a razão da nossa esperança
Na Primeira Carta de São Pedro (cf. 3, 15-16), encontramos uma síntese admirável na qual se relacionam a esperança com o testemunho e a comunicação cristã: «no íntimo do vosso coração, confessai Cristo como Senhor, sempre dispostos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la peça; com mansidão e respeito». Gostaria de me deter em três mensagens que podemos extrair destas palavras.
«No íntimo do vosso coração, confessai Cristo como Senhor». A esperança dos cristãos tem um rosto: o rosto do Senhor ressuscitado. A sua promessa de estar sempre connosco através do dom do Espírito Santo permite-nos esperar contra toda a esperança e ver, mesmo quando tudo parece perdido, as escondidas migalhas de bem.
A segunda mensagem pede-nos para estarmos dispostos a dar razão da nossa esperança. É interessante notar que o Apóstolo convida a dar conta da esperança «a todo aquele que vo-la peça». Os cristãos não são, antes de mais, aqueles que “falam” de Deus, mas aqueles que fazem ressoar a beleza do seu amor, uma maneira nova de viver cada pequena coisa. É o amor vivido que suscita a pergunta e exige uma resposta: porque é que viveis assim? Porque é que sois assim?
Por fim, na expressão de São Pedro encontramos uma terceira mensagem: a resposta a este pedido deve ser dada “com mansidão e respeito”. A comunicação dos cristãos – e eu diria até a comunicação em geral – deve ser feita com mansidão, com proximidade: eis o estilo dos companheiros de viagem, na peugada do maior Comunicador de todos os tempos, Jesus de Nazaré, que ao longo do caminho dialogava com os dois discípulos de Emaús, fazendo-lhes arder os corações através do modo como interpretava os acontecimentos à luz das Escrituras.
Por isso, sonho com uma comunicação que saiba fazer de nós companheiros de viagem de tantos irmãos e irmãs nossos para, em tempos tão conturbados, reacender neles a esperança. Uma comunicação que seja capaz de falar ao coração, de suscitar não reações impetuosas de fechamento e raiva, mas atitudes de abertura e amizade; capaz de apostar na beleza e na esperança mesmo nas situações aparentemente mais desesperadas; de gerar empenho, empatia, interesse pelos outros. Uma comunicação que nos ajude a «reconhecer a dignidade de cada ser humano e a cuidar juntos da nossa casa comum» (Carta enc. Dilexit nos, 217).
Sonho com uma comunicação que não venda ilusões ou medos, mas seja capaz de dar razões para ter esperança. Martin Luther King disse: «Se eu puder ajudar alguém enquanto caminho, se eu puder alegrar alguém com uma palavra ou uma canção... então a minha vida não terá sido vivida em vão» [3]. Para isso, precisamos de nos curar da “doença” do protagonismo e da autorreferencialidade, evitar o risco de falarmos de nós mesmos: o bom comunicador faz com que quem ouve, lê ou vê se torne participante, esteja próximo, possa encontrar o melhor de si e entrar com estas atitudes nas histórias contadas. Comunicar deste modo ajuda a tornarmo-nos “peregrinos de esperança”, como diz o lema do Jubileu.
Esperar juntos
A esperança é sempre um projeto comunitário. Pensemos, por um momento, na grandeza da mensagem deste ano de graça: estamos todos – realmente todos! – convidados a recomeçar, a deixar que Deus nos reerga, nos abrace e inunde de misericórdia. E entrelaçadas com tudo isto estão a dimensão pessoal e a dimensão comunitária. É em conjunto que nos pomos a caminho, peregrinamos com tantos irmãos e irmãs, e, juntos, atravessamos a Porta Santa.
O Jubileu tem muitas implicações sociais. Pensemos, por exemplo, na mensagem de misericórdia e esperança para quem vive nas prisões, ou no apelo à proximidade e à ternura para com os que sofrem e estão à margem. O Jubileu recorda-nos que todos os que se tornam construtores da paz «serão chamados filhos de Deus» (Mt 5, 9). E, deste modo, abre-nos à esperança, aponta-nos a necessidade de uma comunicação atenta, amável, refletida, capaz de indicar caminhos de diálogo. Encorajo-vos, portanto, a descobrir e a contar tantas histórias de bem escondidas por detrás das notícias; a imitar aqueles exploradores de ouro que, incansavelmente, peneiram a areia em busca duma pequeníssima pepita. É importante encontrar estas sementes de esperança e dá-las a conhecer. Ajuda o mundo a ser um pouco menos surdo ao grito dos últimos, um pouco menos indiferente, um pouco menos fechado. Que saibais sempre encontrar as centelhas de bem que nos permitem ter esperança. Este tipo de comunicação pode ajudar a tecer a comunhão, a fazer-nos sentir menos sós, a redescobrir a importância de caminhar juntos.
Não esqueçais o coração
Queridos irmãos e irmãs, perante as vertiginosas conquistas da técnica, convido-vos a cuidar do coração, ou seja, da vossa vida interior. O que é que isto significa? Deixo-vos algumas pistas.
Sede mansos e nunca esqueçais o rosto do outro; falai ao coração das mulheres e dos homens ao serviço de quem desempenhais o vosso trabalho.
Não permitais que as reações instintivas guiem a vossa comunicação. Semeai sempre esperança, mesmo quando é difícil, quando custa, quando parece não dar frutos.
Procurai praticar uma comunicação que saiba curar as feridas da nossa humanidade.
Dai espaço à confiança do coração que, como uma flor frágil mas resistente, não sucumbe no meio das intempéries da vida, mas brota e cresce nos lugares mais inesperados: na esperança das mães que rezam todos os dias para rever os seus filhos regressar das trincheiras de um conflito; na esperança dos pais que emigram, entre inúmeros riscos e peripécias, à procura de um futuro melhor; na esperança das crianças que, mesmo no meio dos escombros das guerras e nas ruas pobres das favelas, conseguem brincar, sorrir e acreditar na vida.
Sede testemunhas e promotores de uma comunicação não hostil, que difunda uma cultura do cuidado, construa pontes e atravesse os muros visíveis e invisíveis do nosso tempo.
Contai histórias imbuídas de esperança, tomando a peito o nosso destino comum e escrevendo juntos a história do nosso futuro.
Tudo isto podeis e podemos fazê-lo com a graça de Deus, que o Jubileu nos ajuda a receber em abundância. Por isto, rezo por cada um de vós e pelo vosso trabalho, e vos abençoo.
Roma, São João de Latrão, na Memória de São Francisco de Sales, 24 de janeiro de 2025.
Francisco
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[1] “La pace come ricerca del volto”, in Omelie e scritti quaresimali, Molfetta 1994, 317.
[2] Georges Bernanos, La liberté, pour quoi faire?, Paris 1995.
[3] Sermão“ The Drum Major Instinct”, 4 de fevereiro de 1968.