V DOMINGO DA PÁSCOA - C
Temas de fundo |
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ENTÃO, TODOS SABERÃO QUE SOIS MEUS DISCÍPULOS. |
- Nova Jerusalém – nova vida
Segundo o autor do Apocalipse, a grande utopia da ressurreição e salvação total e definitiva do homem e do mundo será uma realidade. O profeta/poeta do último livro da Bíblia imagina esse cenário numa grande descrição que procura seja o mais concreta possível. Através do instrumento cultural da linguagem apocalíptica, transmite uma mensagem que será sempre válida para os cristãos de todos os tempos.
Ele utiliza uma espécie de estratagema – a descrição duma situação ideal concreta (como já o fizera antes o autor ou autores do primeiro livro da Bíblia) – para dizer sobretudo que o que passa a ficar totalmente modificado é o relacionamento entre o mundo de Deus e o mundo dos homens. Pelo facto de imaginar, por exemplo, um mundo em que não existe o mar e em que a superfície terrestre é «reconvertida» em terra de Deus, uma «nova cidade», que não tem nada de velho, as pessoas podem esquecer-se que, mais importante do que isso, é o novo tipo de relacionamento que se estabelece entre Deus e os homens.
E esta é, sem dúvida, a condição sine qua non para que os novos céus e a nova terra possam ser uma realidade. É, por isso, que essa realidade só existirá «por inteiro» quando o homem vir a Deus face a face. Por isso, todas as tentativas, por parte da Igreja, de vestir, digamos assim, o hábito nupcial antes do tempo, querendo ser, já nesta dimensão, Igreja triunfante, é uma espécie de sacrilégio, pois, enquanto peregrina neste mundo, a sua nota, a sua característica principal, deve ser, não a parada triunfal, mas a fraternidade e o serviço aos demais peregrinos.
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A Igreja deve ser cidade nova
Isso não impede que a Igreja seja, mesmo assim, uma «cidade nova». Todavia, essa novidade, que nasce da Páscoa de Jesus, não é ainda uma novidade definitiva. Com a Páscoa de Jesus começou, é verdade, o «tempo último», o êxodo e a caminhada definitiva. Esse êxodo e essa caminhada começaram, sim, mas ainda não chegou ao fim. Por outras palavras, trata-se de uma definitividade - passe a palavra - que ainda não chegou ao seu termo. A escravidão do pecado e da morte ficou para trás, mas ainda está a atravessar o deserto da purificação, ainda não chegou à Terra Prometida. Só quando chegar finalmente a essa Terra Prometida é que se construirá verdadeiramente e para sempre a «nova Jerusalém celeste».
Assim se compreende também que não seja possível imaginar e sonhar apenas com um projeto que terá o seu cumprimento só no Além. Como se disse, já se está a caminho e esse projeto tem que ser começado influindo nas realidades terrenas, injetando-lhes nova vida e a nova seiva do amor pregado e vivido por Jesus. A novidade anunciada já é vida na comunidade cristã amada por Deus e a Ele ligada. Mas a peregrinação ainda não terminou e não somos nós que estabelecemos um prazo.
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Construir... com Deus
«Novos céus e nova terra» são hoje a aspiração de todos os homens; incluindo os não crentes, empenhados numa nova ordem social e política, acabando com as injustiças e com a exploração. Só que o cristão, além disso, sabe que não é o homem sozinho que constrói este novo mundo. Ele sabe que é o homem juntamente com Deus, «em colaboração» com Deus. E que isso não cause admiração a ninguém, porque a Bíblia é muito clara quanto a este facto: quando o homem se convence de poder prescindir de Deus, acabar por perder a sua própria identidade.
Segundo a perspetiva cristã, todos os humanismos que julgam poder dispensar a Deus estão irremediavelmente destinados ao falhanço. E assim o esforço prometeuco de o homem se erguer contra Aquele que o criou, contra Deus como um rival ou antagonista – que o não é, antes pelo contrário – conclui-se numa trágica confissão de impotência e nulidade. No fundo, é esse o grande pecado que nos separa de Deus, o «pecado original». E há que acrescentar que, por incrível que pareça, ao fim e ao cabo, não são a luta e o ódio o centro propulsionador da história, mas sim e amor e a doação.
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Cidade nova construída no amor
O texto evangélico proposto para hoje fala da manifestação da última vontade de Jesus. A modo de testamento, Jesus confia aos seus discípulos um mandamento novo: o do amor mútuo. Em que sentido é novo o mandamento do amor? Onde está a sua novidade radical? O amor ao próximo figurava já nas prescrições do AT (cf. Lv 19,18). Mas, seguindo a regra elementar do paralelismo, nota-se imediatamente que o próximo ao qual se refere o livro do Levítico é o compatriota. É certo que, nesse conceito, está também incluído o «estrangeiro que habita no meio de vós». Mas, no fundo, o próximo está reduzido ao israelita e ao prosélito.
Onde está então a novidade do mandamento de Jesus? Consiste na universalização desse preceito do AT que abate todas as barreiras de qualquer tipo. Ou seja, por outras palavras, a ideia de próximo que há que equacionar equivale simplesmente ao conceito de homem.
Mas a verdadeira «novidade» não é bem essa. Para a descobrir, temos que fazer referência aos motivos. O amor mútuo é novo porque está na mesma linha do mandamento que Jesus recebeu do Pai: é dar a vida para que os homens tenham mais vida. É novo também por refletir a verdadeira relação com a divindade. É novo porque é «revelação» do amor que existe entre o Pai e o Filho. É novo, porque a medida do amor – «amai-vos uns aos outros como Eu vos amei» – tem que ser entendida no contexto em que é pronunciada esta frase. E o contexto é o da lavagem dos pés e o da disponibilidade a morrer por amor dos discípulos. Mas, como é evidente, não bastam apenas as belas frases. Torna-se necessário estar realmente disposto a dar a vida pelos outros, estando lá na frente, onde quer que os homens, nossos irmãos, precisem do nosso serviço.