V DOMINGO DA PÁSCOA - C

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de

fundo

1ª leitura (Act 14,21b-27):  Depois de pregarem a Boa Nova em Derbe, onde fizeram muitos discípulos, Paulo e Barnabé voltaram a Listra, Icónio e Antioquia da Pisídia. Aí deram força aos crentes, encorajando-os a manter-se firmes na fé recebida. «Temos que passar por muitas tribulações para entrar no Reino de Deus» – diziam eles. Em cada comunidade, nomeavam anciãos e, com orações e jejuns, recomendavam-nos ao Senhor, em quem tinham acreditado. E, depois de terem percorrido o território da Pisídia, vieram para a Panfília, anunciando a Palavra em Perga, seguindo depois para Atália. Daqui, embarcaram de novo para Antioquia, de onde tinham partido, certos de que a graça de Deus abençoaria o trabalho que tinham levado a cabo.

 

* Manter-se firme na fé recebida.

   Este trecho é a conclusão da primeira viagem missionária de Paulo, ocorrida entre os anos 46 e 48. Durante esta viagem, onde Paulo permanece mais tempo é em Antioquia da Pisídia (na atual Turquia). Presume-se que, durante esta viagem, vai amadurecendo cada vez mais a necessidade de conferir um outro respiro ao trabalho apostólico, na medida em que se verifica como que uma viragem oficial na sua atividade: «abandona» os judeus e a sinagoga e volta-se para os gentios ou pagãos. Em todo o caso, o texto parece indicar que Paulo (e Barnabé) está perante uma comunidade já estruturada e, por isso, mais que evangelizar pelas bases (querigma), digamos assim, dedica um maior espaço à formação e ao aprofundamento da fé (doutrina). É neste contexto que se explica a sua exortação à fidelidade à fé recebida. Para o efeito, faz o que lhe parece mais conveniente, para dar uma espécie de organização «gerárquica» à comunidade nessa zona de missão: coloca como chefes das várias comunidades «anciãos» (à letra, presbíteros), a fim de poderem presidir à vida normal das mesmas.

 

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.

2ª leitura (Ap 21,1-5a): Depois, vi um novo céu e uma nova terra. O primeiro céu e a primeira terra já tinham desaparecido, bem como o mar, que se tinha desvanecido. E então vi a cidade santa, a nova Jerusalém, que vinha do céu, preparada e adornada como uma noiva vestida para ir ao encontro do seu esposo. Foi então que ouvi uma voz forte que vinha do trono e dizia: «Agora, Deus mora com a humanidade! Ele viverá com os homens e eles serão o seu povo. O próprio Deus estará com eles e será o seu Deus. Ele enxugará todas as lágrimas dos seus olhos. E não haverá mais morte, nem luto, nem dor nem sofrimento, porque as coisas antigas passaram». E então Aquele que estava sentado no trono acrescentou: «A partir de agora, vou fazer tudo de novo».

 

* Agora, vou fazer tudo de novo.

   Este trecho faz parte da seção final do Apocalipse. É neste capítulo que se descreve a derrota definitiva do Mal. O tipo de linguagem utilizado é extremamente rico de imagens e de simbolismo e, por isso, o que mais interessa é captar a mensagem; e esta é sempre de cariz religioso. Fala-se aqui de libertação - semelhante à do Egipto, no tempo de Moisés - mas é fácil esquecermos que, até lá, ainda nestes dias («que são os últimos»), continuamos na fase de peregrinação, sendo que o mal continua a fazer parte das nossas vidas. Agora, a vantagem que temos é que, em vez de Moisés, nós temos o libertador por excelência: enfim, Deus começou já a ser, de maneira definitiva, o Deus-connosco; Ele começou já a viver com a humanidade; e os homens podem, já a partir de agora, ser o seu povo. Esta leitura é, pois, um convite a tomarmos consciência de que a meta que está à nossa frente é que conta e que, diante dela, o resto - mesmo o poder do mal - é relativo.

 

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.

Evangelho (Jo 13,31-33a.34-35):  Depois de Judas sair, Jesus disse: «É agora que a glória do Filho do Homem se vai revelar; é assim que se revela nele a glória de Deus. E, se a glória de Deus se revela por meio dele, então Deus revelará também a glória do Filho do Homem nele e Ele fará isso muito em breve. Meus filhos, já não ficarei convosco por muito mais tempo. Mas, deixo-vos um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Assim como Eu vos amei, assim vós deveis amar-vos uns aos outros. Se vos amardes uns aos outros, então todos saberão que sois meus discípulos».

 

* Deixo-vos um novo mandamento.

   Durante a longa conversa de Jesus com os seus apóstolos na Última Ceia (cf. Jo 17), o evangelista João dá relevo muito especial ao facto de a glorificação definitiva e total implicar a passagem pela cruz; como a libertação do antigo povo de Deus passou pela travessia do Mar Vermelho. Essa passagem pelo «mar» da dor e do sofrimento é que possibilita a vitória sobre o poder do mal. Os discípulos, entretanto, não O podem seguir imediatamente, mas terão de passar por muitas tribulações. Esta condição é fácil de descobrir lendo com calma todo o discurso da despedida de Jesus. O ponto alto deste discurso - e não é só esta a passagem que fala do assunto - centra-se no mandamento novo que Jesus lhes deixa: o mandamento do amor. No seu encalço, os discípulos irão demonstrar que são de facto seguidores de Jesus se fizerem como Ele: se se amarem uns anos outros como Ele os amou; ou seja, dispondo-se de boa vontade a entregar a própria vida pelos outros; mesmo que se trate dos inimigos.

 

PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.

  • Há que passar por muitas tribulações para entrar no Reino de Deus.

  • Deus viverá com os homens. Estes serão  o seu povo e Ele será o seu Deus.

  • Todos saberão que sois meus discípulos se vos amardes uns aos outros.

ENTÃO, TODOS SABERÃO QUE SOIS MEUS DISCÍPULOS.

 

  • Nova Jerusalém – nova vida

    Segundo o autor do Apocalipse, a grande utopia da ressurreição e salvação total e definitiva do homem e do mundo será uma realidade. O profeta/poeta do último livro da Bíblia imagina esse cenário numa grande descrição que procura seja o mais concreta possível. Através do instrumento cultural da linguagem apocalíptica, transmite uma mensagem que será sempre válida para os cristãos de todos os tempos.

    Ele utiliza uma espécie de estratagema – a descrição duma situação ideal concreta (como já o fizera antes o autor ou autores do primeiro livro da Bíblia) – para dizer sobretudo que o que passa a ficar totalmente modificado é o relacionamento entre o mundo de Deus e o mundo dos homens. Pelo facto de imaginar, por exemplo, um mundo em que não existe o mar e em que a superfície terrestre é «reconvertida» em terra de Deus, uma «nova cidade», que não tem nada de velho, as pessoas podem esquecer-se que, mais importante do que isso, é o novo tipo de relacionamento que se estabelece entre Deus e os homens.

    E esta é, sem dúvida, a condição sine qua non para que os novos céus e a nova terra possam ser uma realidade. É, por isso, que essa realidade só existirá «por inteiro» quando o homem vir a Deus face a face. Por isso, todas as tentativas, por parte da Igreja, de vestir, digamos assim, o hábito nupcial antes do tempo, querendo ser, já nesta dimensão, Igreja triunfante, é uma espécie de sacrilégio, pois, enquanto peregrina neste mundo, a sua nota, a sua  característica principal, deve ser, não a parada triunfal, mas a fraternidade e o serviço aos demais peregrinos.

  • A Igreja deve ser cidade nova

    Isso não impede que a Igreja seja, mesmo assim, uma «cidade nova». Todavia, essa novidade, que nasce da Páscoa de Jesus, não é ainda uma novidade definitiva. Com a Páscoa de Jesus começou, é verdade, o «tempo último», o êxodo e a caminhada definitiva. Esse êxodo e essa caminhada começaram, sim, mas ainda não chegou ao fim. Por outras palavras, trata-se de uma definitividade - passe a palavra - que ainda não chegou ao seu termo. A escravidão do pecado e da morte ficou para trás, mas ainda está a atravessar o deserto da purificação, ainda não chegou à Terra Prometida. Só quando chegar finalmente a essa Terra Prometida é que se construirá verdadeiramente e para sempre a «nova Jerusalém celeste».

   Assim se compreende também que não seja possível imaginar e sonhar apenas com um projeto que terá o seu cumprimento só no Além. Como se disse, já se está a caminho e esse projeto tem que ser começado influindo nas realidades terrenas, injetando-lhes nova vida e a nova seiva do amor pregado e vivido por Jesus. A novidade anunciada já é vida na comunidade cristã amada por Deus e a Ele ligada. Mas a peregrinação ainda não terminou e não somos nós que estabelecemos um prazo.

  • Construir... com Deus

    «Novos céus e nova terra» são hoje a aspiração de todos os homens; incluindo os não crentes, empenhados numa nova ordem social e política, acabando com as injustiças e com a exploração. Só que o cristão, além disso, sabe que não é o homem sozinho que constrói este novo mundo. Ele sabe que é o homem juntamente com Deus, «em colaboração» com Deus. E que isso não cause admiração a ninguém, porque a Bíblia é muito clara quanto a este facto: quando o homem se convence de poder prescindir de Deus, acabar por perder a sua própria identidade.

   Segundo a perspetiva cristã, todos os humanismos que julgam poder dispensar a Deus estão irremediavelmente  destinados ao falhanço. E assim o esforço prometeuco de o homem se erguer contra Aquele que o criou, contra Deus como um rival ou antagonista – que o não é, antes pelo contrário – conclui-se numa trágica confissão de impotência e nulidade. No fundo, é esse o grande pecado que nos separa de Deus, o «pecado original». E há que acrescentar que, por incrível que pareça, ao fim e ao cabo, não são a luta e o ódio o centro propulsionador da história, mas sim e amor e a doação.

  • Cidade nova construída no amor

    O texto evangélico proposto para hoje fala da manifestação da última vontade de Jesus. A modo de testamento, Jesus confia aos seus discípulos um mandamento novo: o do amor mútuo. Em que sentido é novo o mandamento do amor? Onde está a sua novidade radical? O amor ao próximo figurava já nas prescrições do AT (cf. Lv 19,18). Mas, seguindo a regra elementar do paralelismo, nota-se imediatamente que o próximo ao qual se refere o livro do Levítico é o compatriota. É certo que, nesse conceito, está também incluído o «estrangeiro que habita no meio de vós». Mas, no fundo, o próximo está reduzido ao israelita e ao prosélito.

    Onde está então a novidade do mandamento de Jesus? Consiste na universalização desse preceito do AT que abate todas as barreiras de qualquer tipo. Ou seja, por outras palavras, a ideia de próximo que há que equacionar equivale simplesmente ao conceito de homem.

    Mas a verdadeira «novidade» não é bem essa. Para a descobrir, temos que fazer referência aos motivos. O amor mútuo é novo porque está na mesma linha do mandamento que Jesus recebeu do Pai: é dar a vida para que os homens tenham mais vida. É novo também por refletir a verdadeira relação com a divindade. É novo porque é «revelação» do amor que existe entre o Pai e o Filho. É novo, porque a medida do amor – «amai-vos uns aos outros como Eu vos amei» – tem que ser entendida no contexto em que é pronunciada esta frase. E o contexto é o da lavagem dos pés e o da disponibilidade a morrer por amor dos discípulos. Mas, como é evidente, não bastam apenas as belas frases. Torna-se necessário estar realmente disposto a dar a vida pelos outros, estando lá na frente, onde quer que os homens, nossos irmãos, precisem do nosso serviço.