II DOMINGO DE PÁSCOA
Temas de fundo |
1ª leitura (Act 4,32-35): A multidão daqueles que tinham abraçado a fé tinha um só coração e uma só alma. Ninguém chamava seu ao que lhe pertencia, mas entre eles tudo era em comum. Os Apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus com grande poder, e todos gozavam de grande estima. Entre eles, não havia ninguém necessitado, pois todos os que possuíam terras ou casas vendiam-nas, traziam o produto da venda e depunham-no aos pés dos Apóstolos. Distribuía-se então a cada em conformidade com a necessidade que tivesse.
* Um só coração e uma só alma. Este é o segundo sumário sobre o ideal daquilo que deve ser a vida das comunidades cristãs. No primeiro sumário (Act 2,42-47, que é a 1ª leitura do II Domingo de Páscoa do Ano A), insiste-se em vários aspetos, sendo de realçar a piedade e a vertente espiritual, por assim dizer. Agora, neste segundo sumário, dá-se maior ênfase ao tema da comunhão de alma e coração e à partilha dos bens. Deve-se, para já, esclarecer que este tipo de solidariedade não era nenhuma obrigação imposta pelos Apóstolos. O texto implica que se trata de um acto voluntário, se bem que também se dê a entender que era uma prática comum. Agora, que se tratasse de um gesto livre demonstra-o o episódio que vem logo a seguir a esta leitura e que se refere à fraude de Ananias e Safira. Seja como for, a partilha dos bens é um gesto muito significativo para demonstrar aos que veem de fora a vida da própria comunidade. O efeito sobre os outros é quase infalível ao tornar-se evidente o que Jesus dissera aos discípulos: «Por isto vos hão-de conhecer: se vos amardes uns aos outros» (cf. Jo 13,35). PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO.
2ª leitura (1Jo 5,1-6): Todo aquele que acredita que Jesus é o Cristo nasceu de Deus. Mais: todo o que ama quem o gerou ama também quem por Ele foi gerado. É por isto que reconhecemos que amamos os filhos de Deus: se amamos a Deus, cumprimos os seus mandamentos; pois o amor de Deus consiste precisamente em que guardemos os seus mandamentos. E os seus mandamentos não são uma carga, pois todo aquele que nasceu de Deus vence o mundo. E é este o poder vitorioso que venceu o mundo: a nossa fé. E quem é que vence o mundo senão aquele que crê que Jesus é Filho de Deus?
* Vence o mundo quem crê que Jesus é Filho de Deus. Segundo o autor desta primeira de três Cartas (de S. João), acreditar ou não que Jesus é o Cristo e é o Filho de Deus faz toda a diferença. Era assim no seu tempo e é assim também no nosso. Por isso, parece-me que este escrito não apareceu apenas para reavivar a fé da comunidade ou comunidades a que se dirige, mas também para combater um grave erro já altura do autor. Ou seja, aquilo que, em palavras simples, era afirmar que Jesus, afinal, não era a encarnação do próprio Deus, mas um simples mediador ou instrumento de que Deus se tinha servido para comunicar a sua mensagem. Ora, em termos práticos e em linguagem atual, isso significa, para nós hoje também, que não basta considerar a Jesus um grande homem - mesmo que seja o maior de todos os tempos. É indispensável admitir a sua divindade. Quer dizer, para nós Jesus só pode ser salvador enquanto for o Cristo e o Filho de Deus, porque, como se diz, só Deus pode salvar.
PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO. Evangelho (Jo 20,19-31): Ao anoitecer daquele mesmo dia, e estando fechadas as portas do lugar onde estavam os discípulos, por medo das autoridades judaicas, veio Jesus, pôs-se no meio deles e disse-lhes: «A paz esteja convosco!». Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o peito. Os discípulos encheram-se de alegria por verem o Senhor. Então Ele voltou a dizer-lhes: «A paz esteja convosco! Assim como o Pai me enviou, assim também Eu vos envio a vós». Em seguida, soprou sobre eles e disse-lhes: «Recebei o Espírito Santo. Aqueles a quem perdoardes os pecados, ficarão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ficarão retidos». Ora, Tomé, um dos doze, a quem chamavam o Gémeo, não estava com eles quando Jesus veio. Disseram-lhe então os outros discípulos: «Vimos o Senhor!». Mas ele respondeu-lhes: «Se não vir o sinal dos pregos nas suas mãos e não puser o meu dedo nesse sinal dos pregos e a minha mão no seu peito, não acredito». Oito dias depois, estavam os discípulos outra vez em casa; e Tomé estava com eles. Jesus entrou com as portas fechadas, colocou-se no meio deles e disse: «A paz esteja convosco!». Depois, dirigiu-se a Tomé: «Olha para as minhas mãos e põe aqui o teu dedo! Estende a tua mão e põe-a no meu peito; e não sejas incrédulo, mas crente!». Então Tomé respondeu: «Meu Senhor e meu Deus!». Disse-lhe Jesus: «Acreditaste porque me viste. Felizes os que crêem mesmo sem ver!». Jesus, na presença dos seus discípulos, fez ainda muitos outros sinais miraculosos, que não estão escritos neste livro. Estes foram registados para acreditardes que Jesus é o Messias, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida nele.
* Crer que Jesus é o Filho de Deus e ter a vida nele. No texto do evangelista S. João (igual ao proposto também para os Anos A e C), há três pontos fundamentais a destacar. O primeiro é que o poder que o Ressuscitado adquiriu é transmitido aos discípulos (vv 21-23; cf. ainda Mt 28,18-20; Lc 24,47; Act 26,17-18; 1Cor 15,3.17). O segundo é que a fé é sempre um risco, uma aposta, é vida. Ou seja, não se trata apenas de dizer com os lábios uma verdade qualquer; nem sequer se trata apenas de tocar ou ver algo «com os olhos que a terra há-de comer», mas sim de dar a própria adesão ao anúncio e à palavra das testemunhas (vv 24-29; cf. ainda 1Jo 1,1-5). E o terceiro ponto tem a ver com a inalidade com que S. João escreve o seu Evangelho: a fim de que os seus leitores cheguem à fé em Jesus como Messias, como Cristo e Filho de Deus. Da fé assim expressa resulta a vida eterna. E o que é válido para as pessoas do tempo do evangelista, é também válido para as pessoas de hoje. Enfim, para ter vida eterna, é preciso acreditar de verdade que Jesus é mesmo o Cristo e o Filho de Deus, pois quem acreditar nisso salva-se, ao passo que quem não acredita não se salva.
PARA ULTERIOR APROFUNDAMENTO, VEJA EM BAIXO. |
* Os que tinham abraçado a fé tinham um só coração e uma só alma.
* Quem acredita que Jesus é o Cristo nasceu de Deus. * Oito dias depois, Jesus apareceu-lhes e disse: «A paz esteja convosco!». |
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FELIZES OS QUE CRÊEM MESMO SEM VER! |
Por falta de tempo para pôr por escrito um comentário mais completo e também porque as leituras têm coisas em comum, acho bem servir-me do comentário do Ano A com pequenas modificações.
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Comunhão de bens na comunidade
A descrição da primeira comunidade cristã de Jerusalém é certamente idealizada, não tanto como saudade do passado (o livro dos Actos dos Apóstolos é posterior a isso), mas como proposta atual para as novas comunidades. Toda a comunidade cristã que se confronta com este texto encontra aí um estímulo a viver com a mesma coerência, em situações historicamente diferentes, as exigências do anúncio cristão.
«Essa comunidade primitiva é, pois, um modelo para todas as comunidades cristãs. Mas isso não significa que a maneira de atuar dos tempos de hoje tenha que seguir à letra as modalidades do procedimento desses inícios. É um facto incontestável que as circunstâncias se alteram constantemente e, por outro lado, a fidelidade às exigências do Senhor requer precisamente que os cristãos saibam adaptar o seu estilo de vida às novas circunstâncias em que têm que viver. Mas as características essenciais, embora com uma aplicação adaptada a todos os tempos, têm que continuar a assentar nos mesmos pilares: fidelidade à catequese dos apóstolos; partilha do pão (em todos os sentidos); oração em comum; e outros sinais de solidariedade e aposta no progresso e no bem-estar da sociedade» (comentário do Ano A).
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Jesus manifesta-se «na assembleia»
Por seu lado, a narrativa evangélica descreve-nos a aparição de Jesus aos Apóstolos depois da ressurreição num contexto a que se pode chamar de «assembleia litúrgica»: os discípulos estão reunidos num domingo à tarde. A sua segunda aparição dá-se oito dias depois, também num domingo. Ele apresenta-se com os sinais gloriosos da paixão, transmitindo aos apóstolos, com a abundância do Espírito, os dons pascais, que se resumem na paz e na reconciliação. Confirmando a fé deles, anuncia-lhes igualmente a felicidade daqueles que irão acreditar nele, mesmo sem ver.
Como o demonstram a primeira leitura e o texto evangélico, a comunidade dos que acreditam reúne-se em nome do Ressuscitado, tornando-se ela mesma deste modo sinal e sacramento da sua presença. Hoje, os fiéis fazem exactamente a mesma coisa, repartindo o mesmo pão. Ainda hoje, a assembleia proclama que Jesus é «Senhor e Deus», anuncia o seu perdão e paz, testemunha uma vida nova que já começou. Por isso, a liturgia dominical é o lugar privilegiado do nosso encontro com o Senhor ressuscitado.
Mas, para isso, é necessário que haja realmente um encontro (passe a redundância) com o Senhor ressuscitado. O grande problema, se calhar, reside no facto de que, na maioria das celebrações dominicais, tudo é feito sem alma, tudo é feito como mero cumprimento formal dum rito, que já faz parte integrante dos nossos hábitos!
O que pode acontecer - e acontece com demasiada frequência - é que, embora presentes materialmente nas assembleias dominicais, muitos de nós estejamos, no que diz respeito à presença espiritual, completamente ausentes. Para se estar presente de verdade, é preciso estar presente na totalidade: com toda a mente, com todo o coração, com toda a alma, com todo o ser...
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Um dia para o Senhor
A propósito da celebração eucarística, dois textos do último Concílio ecuménico podem condensar a mensagem implícita na liturgia da palavra deste domingo: «Assim como Cristo foi enviado pelo Pai, assim também Ele enviou os Apóstolos, cheios de Espírito Santo, não só para que, pregando o Evangelho a toda a criatura, anunciassem que o Filho de Deus, pela sua morte e ressurreição, nos tinha libertado do poder de Satanás e da morte e nos tinha introduzido no Reino de Deus, mas também para que realizassem a obra de salvação que anunciavam, mediante o sacrifício e os sacramentos, à volta dos quais gira toda a vida litúrgica» (SC 6).
O outro texto diz assim: «Segundo a tradição apostólica, nascida no próprio dia da ressurreição de Cristo, a Igreja celebra o mistério pascal a cada oito dias, no dia que acertadamente se chama “Dia do Senhor” ou domingo. De facto, é nesse dia que os fiéis devem reunir-se em assembleia para escutar a Palavra de Deus e participar na Eucaristia, comemorando desse modo a paixão, ressurreição e glória do Senhor Jesus e dando graças a Deus que “nos regenerou na esperança viva por meio da ressurreição de Jesus Cristo de entre os mortos” (1Pe 1,3). Por isso, o domingo é a festa principal que deve ser proposta e inculcada como tal à piedade dos fiéis» (SC 106).
Instrumento útil para complementar estas minhas reflexões e estas citações do documento conciliar Sacrosantum Concilium, é certamente a excelente e (devo acrescentar) acessível, Encíclica do Papa João Paulo II precisamente sobre o Dia do Senhor (Dies Domini), cuja leitura eu recomendo vivamente.
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Uma assembleia de homens livres
Reuniões e encontros, «assembleias» de vários géneros, realizam-se na vida política, social, cultural e religiosa. Que sentido tem a assembleia cristã dominical? É uma pergunta que merece um aprofundamento e à qual eu não respondo directamente. A liturgia da palavra de hoje, devidamente meditada e aprofundada, deveria servir precisamente para isso. O que, porém, não quero deixar de voltar a pôr é outra questão, embora me torne repetitivo.
Com demasiada frequência, as nossas assembleias dominicais são pobres de vida e falhas de «provocação», são amorfas, monótonas, dominadas pelo desejo de que acabem o mais depressa possível. São assembleias em que, com muita frequência, a alegria está ausente. Falta-lhes uma paixão interior que dê unidade à assembleia e a faça vibrar. Parece mais uma assembleia de «preceituados» do que propriamente uma assembleia de voluntários reunidos pela necessidade profunda de encontro. É preciso descobrir urgentemente maneira de impedir que se esteja só a aturar aquela «chatice» (passe a expressão muito pouco elegante). Há que procurar as causas e pôr-lhes cobro.
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Encontro dominical é livre
Estas são constatações que é inútil escamotear. Mas talvez também aqui o problema resida no facto de ainda não termos mudado de mentalidade. Antes de mais, a assembleia dominical não deve ser uma reunião «obrigatória», mas uma reunião de aprofundamento e de oração, para a qual se vai com agrado; é preciso que seja a reunião dum povo «que, dum extremo ao outro da terra, oferece ao nome do Senhor um sacrifício perfeito» (cf. Ordinário da Missa, em Oração Eucarística). Por outras palavras, ela deve ser o «sinal» da presença do Senhor ressuscitado. É o calor do encontro com Jesus que comunica e imprime na assembleia o seu dinamismo, a sua alegria, a sua vitalidade irradiante de testemunho. Se as pessoas saem da reunião apáticas e com o coração frio (o que infelizmente acontece com muita frequência), é indício de que qualquer coisa está mal... e é preciso corrigi-la.