DOMINGO DE PENTECOSTES
Temas de fundo |
1ª leitura (Act 2,1-11): Quando chegou o dia do Pentecostes, os discípulos estavam todos reunidos no mesmo lugar. De repente, vindo do céu, ouviu-se um som comparável ao de forte rajada de vento, que encheu toda a casa onde se encontravam. Viram então algo parecido com umas línguas de fogo, que se iam dividindo e poisando uma sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar outras línguas, conforme o Espírito lhes inspirava que se exprimissem. Ora, havia em Jerusalém judeus piedosos provenientes de todas as nações da terra. Ao ouvir aquele ruído, reuniu-se ali uma multidão que ficou estupefacta, pois cada um os ouvia falar na sua própria língua. Atónitos e admirados, diziam: «Mas esses que estão a falar não são todos galileus? Como é que então cada um de nós os ouve falar na própria língua?»...
Ficaram cheios do Espírito Santo.
O protagonista nesta passagem - como, de resto, em todo o livro dos Atos dos Apóstolos - é certamente o Espírito Santo. Parece-me este um bom motivo para sugerir a ideia de que talvez seja chegada a altura de dar maior importância ao papel do Espírito Santo na vida das pessoas e da Igreja. Em certo sentido, apesar dos novos impulsos que à sua devoção têm tido dados nos últimos tempos, fica a impressão que o Espírito Santo é ainda o grande esquecido da devoção das comunidades cristãs normais. Mas a realidade é que, sem o Espírito Santo, nem sequer a própria vida em Igreja é possível, porque, como diz S. Paulo, «todos os que se deixam guiar pelo Espírito, esses é que são filhos de Deus... Esse mesmo Espírito dá testemunho ao nosso espírito de que somos filhos de Deus» (cf. Rm 8,14.16). O mesmo Paulo diz ainda: «As coisas que são de Deus, ninguém as conhece, a não ser o Espírito de Deus» (1Cor 2,11b). Mais adiante, diz ainda mais claramente: «Ninguém, falando sob a ação do Espírito Santo, pode dizer: Jesus seja anátema. E ninguém pode dizer: Jesus é o Senhor senão pelo Espírito Santo» (1Cor 12,3b).
PARA ULTERIORES DADOS, VEJA EM BAIXO 2ª leitura (1Cor 12,3b-7.12-13): Ninguém pode confessar que Jesus é Senhor senão sob a ação do Espírito Santo. Há diversos dons, mas o Espírito é o mesmo. Há diversos serviços, mas o Senhor é o mesmo. Há diversos modos de agir, mas é o mesmo Deus que dá a todos capacidade para cada serviço. A cada um é dada a manifestação do Espírito para proveito comum... Assim como o corpo é um só e tem muitos membros, e todos os membros do corpo, apesar de serem muitos, constituem um só corpo, assim também Cristo. De facto, fomos todos batizados num só Espírito para formar um só corpo: judeus e gregos, escravos ou livres; e todos bebemos dum só Espírito.
Batizados num só Espírito para formar um só corpo.
Diz-se que, nos cultos antigos, havia alguns fenómenos de manifestação religiosa que facilmente descambavam em competição, para ver quem é que tinha mais dons, causando a confusão e o caos. Na comunidade de Corinto - era uma cidade onde esta situação era evidente, por causa do seu tipo heterogéneo de população - era natural que os que se faziam cristãos fossem tentados a alimentar essas intrigas. A mensagem de S. Paulo é muito simples e clara ao mesmo tempo: se alguém tem que ter a proeminência, esse é o Espírito de Deus. Este dado pode parecer uma banalidade, mas a verdade é que, se calhar, ainda hoje, se continua a «discutir», sem excluir a realidade da Igreja, sobre quem será o mais importante. Como parece fácil entender, na prática, o que realmente tem interesse e importância é que, na conjugação de todos os dons, as pessoas se esforcem por formar um só corpo cuja vida seja guiada por um único Espírito.
PARA ULTERIORES DADOS, VEJA EM BAIXO Evangelho (Jo 20,19-23): Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, os discípulos estavam reunidos em casa. Tinham as portas fechadas por medo das autoridades judaicas. Veio então Jesus, pôs-se no meio deles e disse-lhes: «A paz esteja convosco!». Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos ficaram cheios de alegria por verem o Senhor. Então Ele disse-lhes de novo: «A paz esteja convosco! Assim como Pai me enviou, assim também Eu vos envio a vós». Em seguida, soprou sobre eles e disse: «Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ficarão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ficarão retidos».
Recebei o Espírito Santo.
O Evangelho de João (como, de resto, qualquer dos sinópticos) não nos deixou propriamente uma «descrição» do acontecimento do Pentecostes; nem sequer o próprio Lucas que, no livro dos Atos, nos fala claramente do assunto. Seja como for, S. João coloca a «entrega» do Espírito Santo no próprio dia da Ressurreição. Cumpre assim, no próximo dia da vitória sobre a morte, as promessas claras que tinha feito no elaborado Discurso da Despedida (cc. 13 a 17 incluídos). Da inundação do Espírito Santo depende também a paz e a alegria, sobretudo a paz e a alegria de as pessoas se saberem perdoadas e amadas por Deus, independentemente de todos pecados que porventura tenham cometido.
PARA ULTERIORES DADOS, VEJA EM BAIXO |
* Ficaram cheios do Espírito Santo. * Todos fomos baptizados num só espírito para formar um só corpo. * Como o Pai me enviou, assim também eu vos envio a vós. |
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A PAZ ESTEJA CONVOSCO! |
Pentecostes era a festa celebrada cinquenta dias depois da Páscoa para comemorar a aliança do Sinai entre Deus e Israel (cf. Gn 15,1-21).
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A Igreja vive pelo Espírito
A solenidade do Pentecostes, no contexto do NT, para além de assinalar a descida do Espírito Santo, assinala também um acontecimento fundamental para a existência e para a consolidação da Igreja: o seu nascimento oficial; a sua apresentação em público; mais do que isso, a sua constituição oficial com o «batismo» no Espírito Santo. Se a «força do alto» não tivesse chegado através do Espírito Santo, os acontecimentos referentes a Jesus de Nazaré teriam passado ao esquecimento e tudo teria acabado aí.
E, com efeito, a descrição que nos fazem os evangelistas, e de modo particular Lucas, da atitude de derrotismo e desespero dos apóstolos, logo a seguir à morte de Jesus, demonstra bem a importância do Pentecostes, ou seja, da descida do Espírito Santo. Sabemos que, mesmo após terem tido a oportunidade de ver a Jesus ressuscitado e de terem feito uma profissão de fé nele, os apóstolos, pelo menos alguns, ainda não acreditavam no que tinha acontecido depois da morte do Mestre (cf. Mt 28,17, texto que faz parte da passagem evangélica do último domingo). A prova disso é o facto de se manterem escondidos por medo das autoridades judaicas (cf. Jo 20,19). Foi preciso vir o Espírito (que, de resto, Jesus tinha prometido) para que a primeira comunidade de crentes em Cristo se formasse a sério e iniciasse o seu curso histórico.
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Pentecostes: complemento da Páscoa
«É melhor para vós que Eu vá, pois, se Eu não for, o Paráclito não virá a vós. Mas, se Eu for, Eu vo-lo enviarei... E, quando Ele vier, o Espírito da Verdade, há-de guiar-vos para a Verdade completa» (Jo 16, 7.13). «O Consolador, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, esse é que vos ensinará tudo e há-de recordar-vos tudo o que Eu vos tenho dito» (Jo 14,26). Complementando a Páscoa, a vinda do Espírito Santo sobre os apóstolos manifesta a riqueza da vida nova do Ressuscitado na mente, no coração e nas actividades dos discípulos. É o Espírito Santo o início e o motor da expansão da Igreja e o princípio da sua fecundidade através dos tempos. E, naturalmente, é por Ele que a Igreja se renova também hoje, quer na assembleia eucarística quer nos outros sacramentos e de muitas outras formas, na vida dos indivíduos e da comunidade, até ao fim dos tempos.
Por outro lado, sabemos que a «plenitude» do Espírito Santo é a característica e a garantia dos tempos messiânicos. Ele, que falou «por meio dos profetas» (cf. Hb 1, 1), inspira a cada momento os atos de bondade, justiça e religiosidade dos homens, a fim de que possam encontrar em Cristo um sentido definitivo para a vida. A este propósito, é bom consultar o documento do Concílio Ad Gentes, 4, sobre a evangelização dos povos.
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Espírito da aliança universal
Pelos dados que nos são fornecidos pelos Atos dos Apóstolos (1ª leitura), há uma relação clara e indiscutível entre os acontecimentos do Sinai e os acontecimentos de Jerusalém no dia do Pentecostes. Por um lado, a assembleia das doze tribos, sob a chefia de Moisés, corresponde à assembleia dos doze apóstolos do novo Israel. Por outro lado, como no monte Sinai, também no dia de Pentecostes, o fogo e o vento sugerem, simbolizam e manifestam a presença do Deus vivo. A diferença é que, com o Pentecostes ou descida do Espírito Santo, a presença de Deus não se limita, digamos assim, a um «povo escolhido» no sentido restrito do termo: a aliança aplica-se a todos os povos e a todas as raças. A aliança já não é ratificada por sinais espetaculares e por um sinal na carne (a circuncisão), mas é espiritual, exprimindo-se na fé e no batismo.
Acresce o facto de que a aliança já não é renovada por homens mortais, como o tinha sido no decurso da história passada, mas funda-se em Cristo, que é «para sempre». Uma outra diferença fundamental também é que, enquanto no Sinai, aqueles que vissem a Deus certamente morreriam, em Jerusalém, é o próprio Deus que, através da terceira pessoa da Trindade, vem dar vida e habitar no íntimo do homem, para assim continuar a ser o «Deus connosco», para estar com ele para sempre (cf. Jo 14,16).
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Só Deus é Espírito definitivo
Pela aliança ratificada agora em Jesus sob a força do Espírito, Deus faz nascer um novo povo, o povo da Nova Aliança. Precisamente porque se trata de uma encarnação espiritual e definitiva (e não apenas dum gesto superficial de incisão na carne), a presença do Espírito na Igreja é sempre atual e atuante. Por isso, as diversas Igrejas espalhadas pela terra, com as suas particularidades, têm valor sacramental, quer dizer, são sinais e são portadoras da presença de Deus entre os homens, mas são também relativas e não são eternas; exercem um papel de mediação e não desempenham nenhum papel absoluto. Ou seja, por mais meritórias que se devam considerar, serão sempre meios - e não fins - para chegar ao Pai.
É que não se pode considerar absoluto ou definitivo senão Deus, no Filho, pelo Espírito. Deus é que é a realidade portante de tudo quanto existe de profundo e inexaurível na Igreja. Seria caso para dizer aqui que, na Igreja, todas as estruturas devem ser para o Espírito e não o Espírito para as estruturas (como infelizmente parece continuar a acontecer com muito mais frequência do que seria de desejar).
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Espírito da fidelidade e da coragem
Só quando a comunidade dos amigos de Jesus é «batizada» e iluminada pela força e pela sabedoria do Espírito é que ela compreende o mistério do Messias, Servo de Javé e Senhor e Filho de Deus. Só nessa altura é que os cristãos compreendem que a ressurreição, seguida, ou melhor dizendo, complementada, pela ascensão e pela «tomada de posse» de Jesus junto do Pai, é a «etapa» definitiva do cumprimento do projeto de salvação de Deus, não só para o povo judeu, mas para todo o mundo.
Daí que, a partir dessa altura, sejam capazes de deduzir que a missão do Messias não era uma missão política ou simplesmente social, mas uma missão de ordem espiritual. E é o Espírito que vai levar essa mesma comunidade original de amigos de Jesus a anunciá-lo em todas as línguas e em qualquer circunstância, sem temer nem perseguições nem a própria morte; antes pelo contrário, descobrindo que as perseguições e a morte por causa do Reino são a garantia mais segura de sucesso. De resto, bem vistas as coisas, não se explica doutra maneira a vida de certas pessoas crentes através dos tempos e também nos dias de hoje.
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A fidelidade e a coragem do Espírito
Como os apóstolos e os primeiros discípulos, que aderiram aos ensinamentos de Jesus, assim também os mártires e todos os cristãos que procuram auscultar a voz do Espírito transformam-se em testemunhas de Jesus: do que viram e ouviram, do que experimentaram na sua própria vida. No mundo de hoje, cada comunidade, que se apela a Cristo como origem e razão de ser, é chamada a colaborar com o Espírito para renovar o mundo (a face da terra): tanto no contexto da atividade quotidiana normal como em circunstâncias extraordinárias. E isto sem perder a coragem, porque «o Espírito vem em auxílio da nossa fraqueza» (Rm 8,26), fazendo com que tudo convirja para o bem comum.
Com efeito, todos os carismas derivam dele, único Espírito do Pai e do Filho. Toda a nossa vida de cristãos está, pois, sob o signo do Espírito, recebido no Batismo e depois no Crisma, que é como que o nosso Pentecostes pessoal. É, com efeito, o Espírito que nos revela e nos recorda continuamente que Jesus Cristo venceu o mundo e que, portanto, o cristão não deve ter medo.
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Espírito da novidade em Cristo
«Sem o Espírito Santo, Deus está longe e Jesus Cristo fica na penumbra do passado, o Evangelho é letra morta, a Igreja uma simples organização, a autoridade um poder, a missão uma propaganda, o culto um arcaísmo, o agir moral um agir de escravos. Mas, no Espírito Santo, o cosmo é nobilitado pela regeneração do Reino, Cristo ressuscitado torna-se presente, o Evangelho faz-se poder e vida, a Igreja realiza a comunhão trinitária, a autoridade transforma-se em serviço, a liturgia é memorial e antecipação, o agir humano acaba por se deificar» (Atenágoras).