|
|
Jónatas era filho de Saul e notabilizou-se como um forte guerreiro. Duma vez, apenas com a ajuda dum escudeiro, fez tão grande massacre de filisteus que o terror se apoderou deles. Veio depois o exército e completou a chacina, entregando-se à pilhagem. Por seu lado, Saul aproveitou a circunstância para lançar mais um ataque aos filisteus. E a confusão nas hostes dos filisteus foi de tal ordem que inclusivamente se atropelavam e matavam uns aos outros...
Entretanto, Samuel chegou para dar um relance ao acampamento de Saul. Ouviu tropel dos cavalos, mugir de vacas, zurrar de burros e balir de ovelhas. Os israelitas tinham roubado todos os animais dos inimigos. Havia também um montão de jóias, carros e outros objectos de valor, que tinham apanhado. Queriam ficar com tudo. Afinal, todos os guerreiros faziam rigorosamente a mesma coisa. Porque é que não haviam de fazer eles, se tinham saído vencedores? E Samuel viu também o rei dos amalecitas, amarrado e feito prisioneiro.
Nesse tempo, era costume passar ao fio da espada, todos os soldados; e principalmente os chefes-militares. Mas, neste caso, os israelitas tinham-se deixado levar pela ganância e pensavam em fazer bom dinheiro com o resgate do rei. Quando o profeta Samuel se deu conta do que se estava a passar, ficou todo zangado e sobretudo muito triste. Nunca supusera que Saul ia dar um rei assim. E Deus não queria um rei assim.
Então mandou chamar imediatamente Saul para lhe dizer: «Saul, mas o que é isto? O que é que tu fizeste»? «Não fizemos mais nada senão a vontade de Deus: vencer a guerra». «Ah sim!?» – insistiu Samuel – «Venceste a guerra?! Então e que barulheira é esta que eu estou a ouvir»? «Muito simples» – respondeu Saul – «São os animais que nós apanhámos, depois do combate. E olhe, por acaso, até estava a pensar em levar os melhores para oferecer um sacrifício no templo em agradecimento ao Senhor pela vitória...».
A resposta do rei só fez exaltar ainda mais o profeta Samuel: «Cala-te, rei indigno! Eu vou dizer-te o que Deus quer. Isto que vós acabais de fazer não agrada nada a Deus. O que Lhe agradaria era que tu fosses um rei como deve ser, um rei autêntico e humano. Tu, Saul, afinal, não passas do cabecilha dum bando de ladrões! Pois bem, já agora fica a saber uma coisa: como desobedeceste às leis do Senhor, vais ter que sofrer as consequências da tua maneira de ser. O que tu serás sempre é chefe de bandos desorganizados, nunca um rei como deve ser. Nunca serás um rei capaz de reunir uma nação em nome do Senhor. Assim, não vais ir muito longe. Estou mesmo a prever que em breve vai aparecer outro que tenha mais força de vontade do que tu, que seja mais digno desse cargo do que tu».
Saul ficou a pensar nas palavras de Samuel e, no fundo, teve que concordar que tinha cometido um erro de todo ao fazer o que nenhum rei sério devia fazer. «É verdade – acabou por confessar – «procedi mal, mas tem que entender. Os meus soldados perguntaram-me se podiam ficar com alguma coisa e eu achei bem, porque, não tendo com que lhes pagar, ao menos assim ficavam com alguma coisa para seu uso pessoal». Samuel estava a olhar para ele totalmente estupefacto...
E Saul continuou: «Agora, os soldados já estão com as coisas e já não há nada a fazer. Mas deixe estar. Em breve, vamos ir até ao templo para lá oferecermos um sacrifício. Então aí, sim, vou mostrar a toda a gente como sou capaz de honrar o nosso Deus e de Lhe agradecer a vitória»! «Ah, isso é que eu não posso permitir» – protestou Samuel – «Isso, não. Isso não pode ser. Lá por seres rei julgas que podes fazer tudo?! Tu não tens autoridade para fazer isso. Aliás, digo-te mais: já não és digno de ocupar o cargo que tens. Foste infiel às ordens do Senhor e, por isso, vão ser terríveis as consequências...».
Samuel deu meia volta e foi-se embora. Saul ainda gritou: «Não, Samuel! Não me pode abandonar desta maneira! Se está contra mim, também Deus estará, porque foi você que me ungiu. Fique aqui comigo, Samuel, por favor». Gritou, pediu, suplicou, chorou até, mas a decisão estava tomada. Samuel não proferiu nem mais uma palavra sequer. Soltou-se à força dos braços de Saul que o agarrava e foi-se embora para sempre.
Entretanto, no seu regresso para casa, Samuel passou por uma pequena cidade chamada Belém. Antes de chegar lá, pensou muito no que tinha acontecido com Saul e como, de facto, ele não era o homem capaz de servir os interesses de Israel e de Deus. Tinha sido oficialmente entronizado dois anos antes e já tinha feito bastantes asneiras para não oferecer qualquer garantia. Saul tinha-se deixado vencer pela soberba e pela cobiça e isso era um sinal de que já não servia para o cargo.
Chegado a Belém, Samuel ia pensando com os seus botões: «Se Saul já não serve para ocupar o cargo, eu tenho que pensar noutra solução. E tenho que o fazer quanto antes, porque já estou velho e o país não pode ficar assim sem rei nem roque». E o facto é que, de repente, teve a sensação de que tinha que ungir outro para ocupar o lugar de Saul.
Qualquer coisa dentro de si lhe indicou que seria um dos filhos de Jessé. Foi combinada uma refeição para o efeito. O pai, orgulhoso dos seus filhos, foi-lhos apresentando um a um. Mas, Samuel não gostou de nenhum dos que lhe foram apresentados. Até que pediu para lhe apresentarem o mais novo. E foi esse mesmo que ele escolheu e ungiu como novo rei de Israel.
Entretanto, a Saul as coisas começaram a correr mal. E, quando o povo soube o que se tinha passado entre ele e Samuel, começou a perder a confiança nele. Não acreditava que o seu reinado pudesse durar muito. E isso notou-se no próprio comportamento de Saul, que começou a denotar um complexo de perseguição. E então, a partir dum determinado momento, esse complexo era tão forte que não queria senão os mais íntimos, ou melhor, aqueles que concordavam com ele. Pelo menos, os que concordavam com ele externamente...
Só que mesmo as pessoas da sua confiança não o podiam ajudar muito. Ele passava horas e horas a fio a olhar com tristeza no vazio. Eles bem procuravam inventar tudo quanto podiam para lhe infundir coragem e optimismo, mas não havia nada a fazer. Parecia mesmo que a maldição tinha entrado no seu palácio...
Até que, um dia, um dos seus amigos teve a coragem de lhe dizer: «Olhe, meu senhor e meu rei! Eu sei o que lhe faria bem: um pouco de música. Por acaso até conheço um sujeito que tem um filho que toca muito bem harpa». «Música?» – resmungou Saul – «Sei lá! Talvez, quem sabe! Talvez isso ajude um pouco. Olhe, cá por mim não me importava muito. Também não custa nada tentar». E assim chegou ao palácio um rapaz com a sua harpa. O seu nome era David.