1. UM BEZERRO DE OIRO

 

A multidão caminhava pelo deserto. Dirigia-se para uma alta montanha que ficava lá ao longe. O pico da montanha quase que se sumia lá nos céus, entre nuvens escuras. Embora ninguém o visse, todos sabiam que o pico estava lá. Era uma visão tão extraordinária que havia entre a multidão a convicção de que algo de especial estava para acontecer ali mesmo. Tinham vindo de tão longe e só agora é que encontravam um lugar assim. Era um lugar que convidada ao recolhimento e ao descanso. Ali, à sombra daquele monte, podiam deitar contas à vida. Tinham tempo de se organizar um pouco e de pensar em tudo o que lhes tinha acontecido desde que tinham deixado a terra onde tinham vivido como escravos...

 

Eles já tinham passado por tantas peripécias que começavam a acreditar que por ali andava o dedo de Deus. Agora, que Moisés tinha mandado que se fixassem ali durante algum tempo, as pessoas estavam mais que convencidas de que algo de importante ia acontecer. Moisés tinha dado a entender algo do género, embora não tivesse sido muito claro. Eles iam esperar pelos acontecimentos. Se tivesse que acontecer algo, esse Deus que os tinha libertado do poder egípcio agora certamente iria dar indicações seguras quanto ao futuro por intermédio de Moisés.

 

Moisés era a única pessoa que podia falar com Deus. E foi ele o único a subir pela montanha acima. Ele tinha recomendado ao povo para esperar, que Deus tinha algo para lhes comunicar. Só que o tempo que ele permaneceu lá em cima ultrapassava todos os cálculos que tinham feito. Eles esperaram um dia, dois dias, uma semana inteira e... não havia meio de ele regressar. Começaram então a ficar preocupados: «E se lhe aconteceu alguma coisa? Como é que a gente sabe se ele ainda está vivo? E, se ele não volta, que é que vamos fazer? Não podemos ficar aqui toda a eternidade à espera de quem não vem»!

 

Esperaram ainda alguns dias, mas de Moisés não havia sinais. Começaram então a perguntar-se uns aos outros se não deviam tomar qualquer atitude. A verdade é que não podiam ficar ali assim sempre. A preocupação ia-se generalizando e as conversas chegaram também aos ouvidos de Aarão, irmão de Moisés. No fundo, também ele estava convencido de que o seu irmão tinha desaparecido lá em cima. Por isso, também ele era de opinião que era preciso fazer qualquer coisa. «Se não nos mexemos, vamos morrer todos aqui!» – pensava ele. E, entre as outras pessoas, eram também este o tipo de conversa mais comum.

 

De repente, num dia em que estavam reunidos em assembleia, alguém gritou: «Se Moisés já não está connosco, quem de nós poderá entrar em contacto com Deus»? A pergunta deixou a todos de boca aberta. Era uma ideia razoável: se Moisés já não existia, alguém tinha que tomar o seu lugar. E ali mesmo começaram a surgir sugestões. Alguns achavam que o sucessor natural de Moisés era o seu irmão. Mas outros havia que diziam que o que importava era que alguém sentisse lá dentro um chamamento especial. Uns diziam que competia aos mais velhos assumir o comando do povo. Outros diziam que, não senhor, que eram os mais jovens e fortes que deviam guiar o povo rumo a uma terra aonde se pudessem estabelecer...

 

E não havia quem pusesse mão na discussão. As ideias iam saindo espontâneas. A dada altura, levantou-se um mais afoito que foi dizendo: «Quanto a mim, se me dão licença, eu propunha uma coisa concreta. Eu acho que devíamos começar por oferecer um sacrifício ao nosso Deus. É a melhor forma de obtermos as suas graças. E, assim, se Moisés não aparecer, podemos continuar a nossa viagem, porque Deus nos há-de proteger. Agora, que temos que fazer qualquer coisa, quanto a isso não há dúvidas. As palavras não bastam. Podemos estar aqui a discutir até ao fim dos tempos, que não se resolve nada. É preciso fazer alguma coisa»!

 

Enquanto assim falava, tirou do bolso um bonita corrente de oiro e propôs: «É uma jóia que eu herdei do meu avô. Eu gosto muito dela, mas estou disposto a oferecê-la ao nosso Deus». As pessoas olharam umas para as outras e acabaram por concordar com a ideia. E, enquanto o diabo esfrega um olho – salvo seja! – decidiram depositar todos ali mesmo as jóias que tinham. Puseram tudo numa espécie de caldeirão e, à semelhança do que tinham visto fazer lá no Egipto, atearam-lhe fogo. Assim, a essência do ouro subia para o céu para ser oferecido a Deus. Com o ouro derretido fizeram então a figura dum pequeno touro. O touro era a figura e símbolo da força e do vigor. Era, para eles, o símbolo de Deus.

 

Ficaram tão convencidos de que tinham procedido bem que ficaram todos contentes. Alguém se lembrou então de fazer uma espécie de altar de pedra e de colocar a estátua em cima dele. Depois, prepararam uma grande festa, ensaiaram alguns cânticos e começaram a dançar. Era a primeira vez que festejam depois de terem saído do Egipto.

 

Estavam eles todos entusiasmados a cantar e a dançar à volta do altar quando, de repente, a estátua de oiro rolou pelo chão, espatifando-se toda em mil pedaços. E, de repente também, no meio deles, como se tivesse descido dos céus, estava Moisés todo furioso... E Moisés não lhas poupou: «Mas, que é que estais a fazer, seus ingratos»?! Moisés quase que chorava de raiva.

 

E, olhando para o seu irmão, perguntou-lhe: «Porque é que deixaste que isto acontecesse»? Aarão procurou então explicar o que tinha acontecido: «Calma, Moisés! Não vale a pena estares com essa raiva toda. É que, sabes, demoraste tanto lá em cima que a gente começou a pensar que te tinha acontecido o pior. E, claro, esta gente precisa de um Deus, porque, senão sente-se insegura e fica com medo de tudo. Por isso lhes perguntei o que se devia fazer... e, antes que eu desse conta, já esta estátua estava feita».

 

Moisés ficou mais calmo, mas não porque tivesse ficado convencido com a explicação do irmão. Seja como for, isso não impediu que lhes lesse a todos a cartilha bem lida. É que eles estavam mesmo a precisar dum sermão dos valentes... «Não é tanto a questão desta estátua ridícula». – disse Moisés – «É o que isso, no fundo, representa. O que vós fizestes pode ter consequências muito trágicas na nossa vida de todos os dias. Eu sei perfeitamente o significado do bezerro. Vivi na corte do faraó e sei essas coisas muito bem. Isso significa que Deus é alguém que gosta só das pessoas fortes. Mas não é assim. Deus não é assim. Então e os outros? Os pobres? Os fracos? As crianças? Os velhos?»...

 

As pessoas olhavam atónitas para Moisés. «É sobretudo por isso que vós estais a ofender a Deus» – continuou Moisés. – «Não há muito que fomos libertados da escravidão e agora vós começais já a escravizar-vos uns aos outros!? Não é esse o plano de Deus. Deus é Deus de todos e não apenas dos fortes»... No fundo, eles eram homens primitivos e reconheceram que tinham feito mal. E prometeram, mais uma vez, ali mesmo, não voltar a fazer nada de semelhante. Era a maneira de ser deles. Mas estavam a amadurecer pouco a pouco.