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Moisés e Aarão tinham sido recebidos pelo faraó. Mas os hebreus continuavam a ser tratados como servos e escravos. Ou melhor, os maus tratos eram cada vez mais intoleráveis. Então, os capatazes então foram ter com Moisés e Aarão e disseram-lhes: «Mas o que é que vocês foram dizer ao faraó, seus idiotas, para ele nos tratar desta maneira?!». O facto é que o faraó tinha inventado novos castigos e novas formas de os fazer trabalhar, como se fossem animais de carga. Aarão respondeu-lhes: «Nada, não lhe dissemos nada. Nós só lhe dissemos a verdade e mais nada a não ser a verdade!».
Seja o que for o que Moisés e Aarão tenham dito ao faraó, o facto é que este, depois disso, começou a apertar ainda mais com os hebreus. E eles começaram a pôr a culpa à iniciativa dos dois irmãos. Moisés procurou explicar: «Bem, para dizer a verdade, eu pessoalmente não tinha nenhum interesse em meter-me em problemas. O que acontece é que a iniciativa não foi minha. Foi Deus que me disse: “Eu sou o Senhor. Ouvi os gritos dos filhos de Israel no Egipto e decidi livrá-los do poder dos egípcios. Livrá-los-ei dos trabalhos forçados que lhes são impostos. Livrá-los-ei da escravidão e farei deles o meu povo”. E é isto e apenas isto que eu venho comunicar-vos»... Mas os israelitas não quiseram saber das suas explicações para nada.
Depois de muita discussão, Moisés perdeu a paciência e berrou para os capatazes: «Afinal de contas, o que é que vocês querem? Um dia de folga de vez em quando ou a liberdade total? Porquê essa raiva toda contra mim e contra o meu irmão? Mas, afinal, estão essa raiva é contra as ordens do faraó ou por eu ter falado? A liberdade é uma coisa muito boa, mas tem que se conquistar... Então vocês julgavam que era só ir ter com o faraó e ele desfazia-se todo em salamaleques e, pronto, estava tudo resolvido?! Ou quereis a liberdade ou não. Se não a quereis, ficamos assim: não vale a pena fazer mais nada. Mas, se a quereis, então é preciso lutar por ela, é preciso conquistá-la. E isso custa sacrifícios e muito esforço»...
Os capatazes e os trabalhadores ficaram ali o olhar para Moisés um pouco encabulados. Depois, um lá rompeu o silêncio: «Claro que queremos a liberdade. Mas quem é que vai convencer as pessoas todas? A verdade é que, até agora, ainda ninguém mudou coisa nenhuma!»...
Mas a verdade é que algo já tinha mudado. Pelo menos isto: os israelitas já tinham compreendido que não era possível suportar mais todos os abusos de que eram vítimas. Já se iam perguntando no íntimo se realmente tinha algum sentido estarem para ali a suportar tudo. Aquela, afinal de contas, não era a sua pátria e, se calhar, era tempo de voltar para a sua terra. Agora já compreendiam a situação de miséria e exploração em que viviam. Antes, suportavam tudo sem fazer perguntas, agora não...
A mentalidade dos israelitas tinha de facto mudado. E agora descobriam outras coisas a que não tinham dado importância. Os egípcios adoravam, por exemplo, o Rio Nilo e adoravam também os toiros e o Sol e coisas semelhantes. Tudo isto parecia muito esquisito aos israelitas, mas nunca se tinham preocupado muito com isso. Mas agora, por causa de tudo o que Moisés e Aarão lhes tinham contado, sabiam que Deus não podia ser assim de maneira nenhuma. E, pouco a pouco, foram-se convencendo que não podiam ficar ali a suportar tudo, sem dizer e sem fazer nada.
Entretanto, Moisés e Aarão não desarmavam. Continuavam a ir ter com o faraó, para fazer sempre o mesmo pedido: que deixasse partir o povo de Israel. Mas o faraó parecia surdo. Por ordem de Deus, chegaram mesmo a fazer alguns prodígios na presença do faraó, mas este continuava indiferente. Uma vez, por exemplo, aconteceu que Aarão lançou para o chão o cajado em que apoiava e o cajado transformou-se em serpente. Os presentes assustaram-se, mas o faraó mandou chamar os seus magos que também transformaram os seus cajados em serpentes. Só que a primeira serpente devorou todas as outras. Mas, mesmo assim, o faraó não quis ceder. Recusava-se a deixar sair o povo, porque precisava dele para as suas construções majestosas (daí a expressão actual «construções faraónicas).
Aconteceu depois algo que assustou não só os egípcios como até os israelitas. As pessoas de repente ficaram doentes e morreram envenenadas por picadas de mosquitos e outros insectos. Houve também uma maldição de gafanhotos e sapos. Os egípcios e até os magos bem diziam que esses eram o sinal de Deus, mas o faraó não cedia. Tinha o coração empedernido. No entanto, depois duma das pragas, aceitou um compromisso: «Bem, podeis oferecer sacrifícios ao vosso Deus aqui no Egipto!». Moisés recusou-se dizendo: «Não podemos. Seria uma abominação para os egípcios. Iremos para o deserto, que fica a três dias». Perante a ameaça de outros castigos, o faraó não teve outro remédio senão dar o consentimento.
A permissão para os israelitas tinha sido dada, mas as palavras daquele faraó não passavam de palavras. Quando ele viu que os castigos tinham cessado, voltou à sua posição irredutível de sempre: impedir que os israelitas saíssem, porque eram necessários para levar avante as construções que estavam em curso. Então vieram mais castigos. Entre eles, há que mencionar uma peste nos animais. Os animais dos egípcios morreram, enquanto os que pertenciam aos hebreus tinham sido poupados. Mas, mesmo assim, nada feito... Veio depois mais outro castigo. Muitos morreram. Mas, ainda assim, o faraó não cedeu. Até dava a impressão que a tragédia tinha que chegar até ao fundo para o faraó compreender que tinha que deixar partir aqueles homens.
Os castigos iam acontecendo com certa regularidade. E o mais curioso era que os hebreus iam sendo poupados. Isso contribuía para que da população egípcia se apoderasse o medo e o desespero e se virassem contra a teimosia do faraó. Por outro lado, os israelitas iam-se convencendo cada vez mais que a viagem tinha que acontecer, mais dia, menos dia. Era uma questão de tempo e paciência. Moisés e Aarão que, ao princípio, estavam com certo receio que as coisas não corressem bem, chegaram também à conclusão que estavam prestes a acontecer algo de muito extraordinário...
Um dia, já depois do trabalho, Moisés juntou as pessoas mais influentes dos israelitas e disse-lhes: «Agora, já temos sinais mais que evidentes de que a situação do nosso povo tem que mudar. Há muitos anos que o povo está a viver em escravidão. Agora já chega. Não podemos desistir neste momento. É verdade que o faraó é teimoso que só ele e não quer ceder, mas terá que acabar por nos deixar partir, sob pena de arruinar todo o seu reino. Não creio que seja tão estúpido que não seja capaz de ver o que lhe está a acontecer a todo o povo egípcio. O Deus de Abraão, Isaac e Jacob está mesmo connosco, não há dúvida».
Entretanto, no Egipto, a situação continuava a piorar de dia para dia. Os hebreus continuavam a insistir em partir, mas o faraó teimava em os não deixar. E os castigos continuaram, atingindo o próprio palácio. A última gota de água, digamos assim, foi a morte do filho mais velho e herdeiro do próprio faraó. A partir desse momento, ficava aberta a estrada.