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Moisés, à noite, agachado junto duma fogueira, conversava longas horas com o seu sogro Jetro. Este sabia muitas histórias sobre os antepassados de Moisés. Conversavam sobre Abraão, Isaac, Jacob e também sobre o que tinha acontecido a um dos filhos de Jacob, um tal José, que tinha sido vendido pelos irmãos e tinha ido a parar ao Egipto.
«José chegou a ser vice-rei do Egipto» – ia recordando Jetro – «E foi com ele que os hebreus se instalaram no Egipto. Mas hoje as coisas não estão nada bem. Eu não sou judeu, mas tenho pena deles». «Pois é!» – murmurava Moisés – «Mas, infelizmente, ninguém faz nada. E é isso que me deixa louco. Veja o meu caso: eu tive que fugir precisamente porque quis fazer alguma coisa para mudar a situação. Acabei por matar um egípcio por causa disso. E agora estou por aqui e não prevejo nada de bom»...
Jetro, que tinha muita experiência da vida e tinha um temperamento bonacheirão, foi explicando: «Olha, não vale a pena rebentar de raiva e pretender mudar tudo sozinho. É verdade que alguém tem de começar, mas é preciso organização. Sabes o que tens de fazer? É enfrentar o faraó, mas com todos os outros hebreus, não sozinho. Se for assim, então as coisas já são diferentes. Tu até aprendeste a falar e a escrever bem. Isso já é uma grande vantagem».
Nessa noite, a conversa ficou por aí... Alguns anos mais tarde, Moisés voltou do campo mais cedo do que era habitual. «Mas... o que foi?» – perguntou-lhe a mulher Séfora. «Bem, se queres que te diga, ainda não compreendi lá muito bem o que aconteceu! Fazia muito calor. O ar até parecia que era feito de calor. E, de repente, vi como que um fogo sobre uma pequena colina. Aproximei-me para ver e reparei, para espanto meu, que os ramos ardiam, mas não se queimavam. Aquilo não era coisa normal. E então, quase instintivamente, ajoelhei-me. Achei que aquilo era uma coisa que tinha a ver com Deus. Agora que o teu pai me contou as histórias de Abraão, Isaac e Jacob, cheguei à conclusão que Deus é alguém que está ao pé da gente. Estou convencido de que Ele nos acompanha para onde quer que vamos».
E Moisés continuou a contar a sua experiência extraordinária: «Do meio daquela chama, ouvi uma voz extraordinária que me disse coisas muito sérias. Estou agora a recordar-me do seguinte: “Eu sou o Deus dos teus pais, o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob. Eu vi a miséria do meu povo no Egipto e ouvi o seu clamor. Conheço perfeitamente a sua dor e sofrimentos. Estou, pois, decidido a libertá-lo das mãos dos egípcios e a conduzi-lo dessa terra para um terra fértil e espaçosa, uma onde terra onde há abundância de tudo... Vi a tirania a que os hebreus estão sujeitos e agora tu vais ser o meu mensageiro, vais ser o chefe deles. Vou enviar-te ao faraó, para que tires o meu povo do Egipto”».
Moisés continuou a contar à mulher Séfora: «Eu bem procurei desculpar-me, mas, ao sermos apanhados por Deus, não há nada a fazer. Ele é mais forte. Até lhe disse que sou meio gago (o que é verdade) e que não sei falar, mas Ele respondeu-me simplesmente: “Eu estarei contigo”. Que é que tu achas de tudo isto»? Séfora não dizia palavra, porque não sabia o que dizer àquilo tudo. Não percebia.
O que ela sabia era que Moisés tinha aparecido na sua terra em circunstâncias estranhas. E, assim como tinha aparecido de repente, também podia ir-se embora de repente. Isso ela compreendia-o bem e estava preparada para o que desse e viesse, já que tinha casado com ele. Para ela, ainda havia muita coisa misteriosa nesse homem que tinha ali aparecido do Egipto. Não se admirava, pois, que lhe acontecessem certas coisas que ela não entendia...
Como Séfora não dizia nada, Moisés continuou: «Depois disso, eu disse a Deus: “Já que tenho que ir até ao Egipto libertar o povo de Israel, gostaria de saber uma coisa: quando eu for ter com os hebreus e lhes disser que o Deus dos seus pais me enviou para junto deles, quem é que vai acreditar em mim? Se me perguntarem o nome desse Deus, o que é que lhes vou dizer?”. Então Ele respondeu-me assim: “Eu sou aquele que é”. Dirás assim aos israelitas: “Aquele que é, o Deus dos vossos pais, o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob, envia-me a vós. E eles escutarão o que tu tiveres para lhes dizer”».
Moisés não teve outro remédio senão aceitar a missão que lhe foi confiada. Não calculava os perigos em que se ia meter, mas pensava assim: «Se Deus está connosco, nem sequer o faraó poderá resistir...». E então decidiu voltar ao Egipto. Queria estar com o seu povo, viver com ele. Afinal, também ele era hebreu.
No Egipto encontrou o seu irmão mais velho, Aarão, que tinha nascido antes de ser publicada a lei que mandava matar todos os filhos varões que nascessem às famílias israelitas. Aarão era um homem inteligente, tinha o dom da palavra e conhecia muita gente... Moisés contou ao irmão todas as experiências por que tinha passado no deserto e falou-lhe da missão de que Deus o incumbira. Aarão concordava com o irmão: «Sim, isto não pode continuar assim. Pior do que isto não pode ser. Realmente, as pessoas estão reduzidas à escravidão». E Aarão, nos dias seguintes, foi falando com outras pessoas sobre a experiência do seu irmão Moisés e sobre os planos que estavam a preparar para livrar o povo israelita do jugo do faraó.
Um dia, quando as coisas já estavam todas conversadas, Moisés e o seu irmão Aarão foram ter com o faraó. Aarão tomou a palavra: «Para homenagear o Deus dos nossos antepassados, costumamos fazer festa durante três dias no deserto. Por isso, ó grande faraó, deixa que o povo possa ir até ao deserto para celebrar». O faraó parecia indiferente, mas depois lá lhe respondeu: «O que acabo de ouvir é muito interessante. Vocês estão a falar dum novo Deus? Eu não o conheço ainda. Mas gostaria de o conhecer. Como é que ele se chama? Se eu nem sequer sei quem é, como quereis que lhe obedeça, deixando partir Israel»?
O faraó mandou chamar os seus oficiais e fez sair Moisés e Aarão do palácio. Depois, deu a seguinte ordem aos inspectores do povo e aos capatazes: «Ordem do palácio real: a partir de hoje, os hebreus terão que ir procurar por si mesmos a palha com que fabricam os tijolos. Não lhes será fornecido mais nada. Mesmo assim, têm que fazer o mesmo serviço durante a semana». E, em particular, foi explicando aos capatazes: «É preciso ocupá-los, porque andam por aí a querer oferecer sacrifícios ao seu Deus... Assim, já não terão tempo de dar ouvidos a quem lhes anda a meter minhocas na cabeça»!
Os capatazes, que eram geralmente hebreus, começaram a ter que ouvir das boas e bonitas. Por um lado, eram odiados pelos próprios co-nacionais por serem meros executores das ordens do rei egípcio. Por outro lado, eram frequentemente castigados pelos egípcios porque, naquelas condições, era impossível obrigar os hebreus a produzirem o mesmo número de tijolos...