1. «PERSONA NON GRATA»

 

O destino imediato de Moisés, que fora salvo das águas, era ser capataz ou supervisor dos hebreus. Para isso, tinha que se preparar. Então, para os conhecer melhor, começou a lidar com eles mais de perto. Na opinião dos egípcios, os hebreus eram difíceis e insurrectos. E a verdade é que os primeiros contactos não foram nada fáceis. Quando foi visitar pela primeira vez os hebreus, Moisés viu como eram e ficou a saber muita coisa sobre a sua própria origem. Viu-os a trabalhar no duro. Fabricavam tijolos com barro e palha e carregavam enormes pesos para construir os monumentos do rei. Matavam-se a trabalhar e, ainda por cima, eram maltratados. E eles, sob a ameaça de terríveis castigos, sujeitavam-se a tudo, sem praticamente reclamar.

 

Um dia, quando já podia ir vê-los, sem ser acompanhado, Moisés foi ver as obras e reparou na maneira como um capataz egípcio tratava um rapaz hebreu. Maltratou-o de tal maneira que o deixou quase morto. E isto apenas porque, estando cansado, se descuidou um pouco. Aquilo foi malhar nele como se fosse ferro frio. E mais: quando o capataz viu ali o filho do faraó (Moisés era considerado filho do faraó para todos os efeitos), redobrou ainda mais os açoites. Então, vendo que o rapaz nem parecia reagir e também que ninguém se atrevia a defendê-lo, Moisés encheu-se de indignação e avançou para o capataz, a fim de o impedir de lhe fazer mais mal...

 

O capataz, não suspeitando sequer das intenções de Moisés (e como é que ele podia adivinhar?), continuou a bater no pobre desgraçado. Então Moisés gritou: «Pára! E já! Estás doido ou fazes-te»? Mas a raiva era tanta que tinha mesmo de explodir. Arrancou-lhe das mãos o chicote e começou a bater no capataz egípcio com tal fúria que não via nada à sua frente. De repente, parou. O desgraçado já não reagia. Não só não reagia, como nem sequer se mexia. Estava morto. Moisés olhou para todos os lados. Por sorte, nenhum egípcio tinha visto nada! Nervoso, enterrou ali mesmo o homem. E apressou-se a regressar a casa. Nessa noite, não pregou olho, a pensar no que tinha acontecido.

 

Mas esse facto obrigou-o também a pensar no sentido da sua vida. E, em resumo, a pergunta que não lhe saía da cabeça era a seguinte: «Que estou eu para aqui a fazer? Eu não sou egípcio e não tenho nada a ver com esta gente rica aqui da corte e com as suas extravagâncias. E realmente, isto de estar a controlar os hebreus, não me agrada mesmo nada. Eles são da minha própria raça! Não, o meu lugar não é aqui. O meu lugar é entre aqueles pobres desgraçados que são tratados como escravos nesta terra»!

 

Durante algum tempo, Moisés continuou a visitar os locais de trabalho dos hebreus. Queria conversar com eles sobre as injustiças de que eram alvo. Mas a verdade é que as pessoas não tinham muita confiança nele. Para eles, Moisés era o filho do faraó e, portanto, as intenções não deviam ser boas. Um dia, Moisés teve a pouca sorte de ver dois hebreus à briga. Agrediam-se com tudo o que tinham à mão. Aquilo parecia mesmo um caso sério. Moisés então, cheio de boa vontade, quis apartar os contendores. Estes foram os primeiros a parar perante aquela atitude de Moisés. Não compreendiam que o filho do faraó se estivesse a implicar com problemas que não lhe diziam respeito...

 

Os hebreus começaram então a conversar entre si. E dum modo particular os dois que tinham andado à pancada: «Mas então não foi ele que espancou até à morte um egípcio?! Ele que não foi capaz de se controlar, vem agora aconselhar-nos calma? Não foi ele que, depois de enterrar o desgraçado, fugiu e foi esconder-se lá para os aposentos dos ricos? Que vem a ser isto? Terá medo que nós o denunciemos»? Desta vez, foi Moisés que ficou aparvalhado. Nunca lhe poderia passar pela cabeça que eles tivessem ainda o descaramento de dizer aquilo.

 

Moisés, depois daquele episódio, caiu das nuvens, digamos assim. Tinha ficado convencido de que os hebreus apreciavam o gesto de os defender dos desmandos do capataz egípcio, mas, pelos vistos, tinha-se enganado. Tinha procedido dessa maneira para os ajudar. Mas, pelos vistos, o seu gesto tinha sido mal interpretado. Nenhum egípcio tinha visto o que acontecera, mas agora começava a duvidar se os hebreus não seriam bem capazes de o denunciar. Não conhecia essa faceta dos hebreus. Para obter algumas benesses, talvez não tivessem muitos escrúpulos em ir denunciá-lo. Afinal de contas, tinha que ter mais cuidado...

E a verdade é que, tenham sido eles ou tenham sido outros, a notícia da morte do capataz egípcio chegou aos ouvidos do faraó. O faraó tratava-o como filho, mas o facto é que nunca tinha gostado muito que a sua filha o tivesse recolhido das águas do rio Nilo. O faraó nunca tinha esquecido que ele, afinal de contas, não era egípcio, mas sim hebreu. E nunca tinha conseguido vencer uma pontinha de desconfiança em relação a ele. «Temos que ser muito prudentes, – pensava ele – porque nunca se sabe. Quando a gente menos espera, estas pessoas arranjam sempre qualquer desculpa para se revoltarem e... há que ter cuidado»! E, no fundo no fundo, não estava senão à espera duma razão qualquer para pôr Moisés no seu lugar.

 

Tendo, pois, chegado, ao conhecimento do acto que Moisés tinha praticado, decretou um mandato de captura. Só que Moisés, desconfiado, tinha já tomado a sua decisão. Nessa mesma noite, desaparecera do palácio... Dirigiu-se rumo ao leste por estradas perigosas, que ficavam inundadas quando a maré enchia. Fugiu para o deserto, sem nenhum plano muito definido. E por ali andou, dias e dias, sem rumo, não sabendo o que fazer da sua vida...

 

Felizmente, depois de vários dias de peregrinação, Moisés foi dar a um poço. Era o sinal mais evidente de que estava perto dum lugar habitado. Quando lá chegou, sentou-se a descansar. Daí a pouco, chegaram umas moças (nada mais nada menos que sete). Eram todas filhas dum sacerdote daquela terra. A terra chamava-se Madiã. Elas tinham vindo buscar água para levar para casa; e também tinham vindo para dar de beber aos animais. Moisés, como bom cavalheiro que era, ajudou-as a tirar a água. Uma das moças, chamada Séfora, gostou muito daquele gesto e nunca mais o esqueceu. Enfim, foi amor à primeira vista. E, quando voltou para casa, contou tudo ao pai, que se chamava Jetro.

 

Moisés foi acolhido em casa de Jetro que, além de sacerdote, tinha a profissão de pastor. Naquele tempo, a hospitalidade era sagrada e, por isso, nesse caso, nada mais natural do que acolher Moisés, que não tinha nem casa nem ninguém e, por isso, precisava de ajuda.

 

Com o tempo, Moisés foi aprendendo a cuidar do gado e foi ouvindo todas as histórias que Jetro tinha para lhe contar; sobretudo sobre os antepassados. Falou-lhe de Abraão, de Isaac e de Jacob. E falou-lhe também do que tinha acontecido a um dos filhos de Jacob, um tal José, que tinha sido vendido como escravo no Egipto. Foi só nessa altura que Moisés ficou a par da história do seu próprio povo. E por ali ficou, sobretudo depois que casou com a filha mais velha de Jetro.