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Tinham decorrido dois anos e Paulo ainda estava preso na cadeia de Cesareia. Félix, o governador da cidade, não tornou a ligar ao assunto. Entretanto, para ocupar o cargo de governador romano dessa província de Israel foi nomeado Pórcio Festo. Como a cadeia dependia directamente do governador, Festo teve que lidar com o caso de Paulo que, de resto, não era nada fácil...
Três dias após ter tomado conta do cargo, por motivos de administração, Festo teve que deslocar-se da Cesareia a Jerusalém. E logo teve que ouvir os sacerdotes do Templo que não o deixavam em paz e não lhe davam tréguas. Diziam, nomeadamente, que Paulo era perigosíssimo e que, portanto, era preciso resolver o seu caso duma vez por todas. Chegaram até a sugerir-lhe que, para o resolver, bastava transferir Paulo para Jerusalém, que aí eles encarregar-se-iam de resolver a questão. Mas o que eles realmente pretendiam era armar-lhe uma emboscada durante a viagem, de modo que não chegasse vivo à cidade.
Só que festa não era parvo nenhum. Se tinha sido escolhido para aquele cargo era porque devia perceber algo de leis. E ele sabia perfeitamente que Paulo era cidadão romano e que a lei proibia que fosse julgado pelos judeus. Festo não podia fazer nada que fosse contra a lei. Só que a lei, que proibia que um cidadão romano fosse julgado por não romanos, também era omissa quanto ao que se devia fazer com o sujeito naquelas circunstâncias. Festo não sabia como resolver o caso de Paulo.
Estava num beco sem saída. Por isso, perante as insistências dos sacerdotes do Templo de Jerusalém, limitou-se a arranjar uma explicação pontual: «Eu vou partir em breve para a Cesareia. Ora bem, o que eu sugiro é que alguns de vós, os entre os mais qualificados, e se houver algum delito por parte desse homem, apresentem provas concludentes.». Pensava assim ver-se livres deles, mas o facto é que eles mandaram mesmo testemunhas para acusar Paulo. Só que Paulo era bem capaz de se defender: «Não cometi qualquer delito nem contra a lei dos judeus nem contra César. Se de facto for culpado e por isso merecer a morte, não me recuso a morrer. Mas não há fundamento nas acusações desta gente e, por isso, ninguém tem o direito de me entregar a eles. E, já que sou cidadão romano, apelo para César». Festo, depois de se aconselhar, disse a Paulo: «Já que apelaste para César, pois então a César hás-de ir!».
Alguns dias mais tarde, por ocasião duma festa, Festo convidou o rei Agripa, rei da Judeia, para um banquete no seu palácio. Este rei não tinha assim muito poder, mas os romanos eram espertos e, neste caso, achavam que era importante ter para com ele alguns gestos de deferência. O raciocínio era simples: a ilusão concedida aos judeus de que tinham um rei sempre era melhor que um exército de rebeldes, sempre dispostos a armar ciladas e a levantar sedições contra as tropas romanas!
Por concessão dos romanos, o rei Agripa vivia no maior luxo. Num dia em que ele se deslocou à Cesareia, foi inaugurada uma estátua em sua honra e houve festa. Foram-lhe feitas honras militares. À noite, durante o banquete, Festo aproveitou para falar de Paulo a Agripa: «Está aqui um homem que o meu predecessor Félix deixou preso e contra o qual os sacerdotes apresentaram queixa quando eu fui a Jerusalém. Eu respondei-lhes que não era costume dos romanos entregar ninguém sem ter os seus acusadores à sua frente e sem lhe conceder a hipótese de se defender das acusações. Só que os acusadores não provaram nenhum dos crimes de que eu suspeitava. O que havia entre eles eram apenas discussões acerca da sua religião e dum certo Jesus que morreu e que Paulo afirma estar vivo... O que me aconselha a fazer neste caso complicado?».
Paulo foi assim apresentado mais uma vez e mais uma vez teve que contar a sua história. Festo não queria mandar assim o preso ao imperador sem ter uma acusação concreta contra ele. Então Agripa fez o seu discurso e disse a Paulo: «Estás autorizado a falar em tua defesa». Paulo, que sabia também de cerimónias, fez um gesto de respeito e consideração que indicava que ia falar. Agripa naturalmente sentiu-se todo honrado e importante...
Paulo disse: «Sinto-me honrado, ó rei Agripa, por me poder defender na sua presença. A minha vida, desde a juventude, é conhecida de todos. Não foi enfadá-lo com coisas sabidas. O que acontece é que me encontro detido por, afinal de contas, dizer coisas que estão na Bíblia. De facto, se lermos os profetas atentamente, descobrimos que Deus deseja um rei que seja igual aos outros homens; um rei que, afinal, não tem nada a tirar aos outros reis. E os profetas dizem que esse rei, depois de morrer, seria glorificado. Pois bem, é isso mesmo que eu venho dizendo. O rei que Deus mandou foi Jesus de Nazaré que, como se sabe, foi crucificado em Jerusalém. Mas, como está escrito, Deus já o glorificou, já não está morto...».
Paulo continuou: «Também eu, ao princípio, julguei que os que seguiam esse Jesus eram gente que merecia a morte e, por isso, os persegui. Mas depois cheguei à conclusão de que realmente Deus já enviou o seu enviado, que o seu enviado é Jesus de Nazaré e que ele continua vivo, porque ressuscitou dos mortos. É isto e só isto que eu tenho vindo a dizer em Jerusalém e em toda a parte».
Estava Paulo ainda a fazer a sua defesa quando Festo o interrompeu: «Eu não sei, mas ou eu não percebo nada do que estás a dizer ou então tu estás doido! Vir dizer que alguém morreu e agora está vivo é mesmo de doidos!». Mas Paulo não respondeu ao insulto e continuou a falar dirigindo-se sempre a Agripa: «Vossa majestade, deve conhecer a Bíblia. E, portanto, também conhece os livros de Isaías e também os de Moisés, não é? Eu sei que acredita no que lá está escrito. Pois bem, então segundo o que disseram os profetas, também deve concordar comigo que é esse Jesus o enviado de Deus!».
Agripa começou a ficar nervoso: «Vamos lá devagar! Então queres-me fazer a mim também cristão assim dum momento para o outro?». E depois, voltando-se para o governador romano, disse: «Olha, para te dizer a verdade, também concordo que este homem não desobedeceu a nenhuma das nossas leis e, portanto, deve ser posto em liberdade». Paulo, que alimentava o secreto desejo de ir até Roma, aproveitou para discordar: «Uma vez que fui mandado prender pelas autoridades romanas, acho que tenho direito a que o processo seja levado até ao fim segundo as normas dos romanos». A resposta de Festo não se fez esperar: «Já que queres ser julgado segundo as leis romanas, então vamos ter que te encaminhar para o Tribunal Supremo de Roma!». Era precisamente isso o que Paulo esperava. Finalmente podia viajar até Roma. Só que não podia prever o que lhe iria acontecer na capital do império.