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Categoria: A história dum povo.
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  1. PAULO NA CADEIA
 

 

Às três da madrugada, duzentos soldados armados com espadas, setenta cavaleiros e mais duzentos soldados armados com lanças, e respectivos oficiais, estavam prontos à espera de ordens para levar Paulo preso para a cidade da Cesareia. Lísias, o comandante romano em Jerusalém, escreveu uma carta a Félix que era o comandante em Cesareia nestes termos: «De Cláudio Lísias ao Excelentíssimo governador Félix. Saudações! Este homem que lhe mando foi preso pelos judeus que pretendiam matá-lo, quando apareci com a tropa e o libertei por saber que era cidadão romano. Querendo inteirar-me do que o acusavam, mandei-o comparecer diante do Sinédrio. Verifiquei então que o incriminavam por causa de questões relativas às leis deles, mas não havia qualquer delito que merecesse a morte nem sequer a prisão. Tendo sido avisado de que planeavam uma conspiração cuja finalidade era assassiná-lo, aqui o envio. Ao mesmo tempo, notifiquei os seus acusadores de que deviam ir declarar na sua presença as queixas contra ele»...

 

Só cinco dias depois disso, apareceu o Sumo-sacerdote Ananias, juntamente com outros homens do seu conselho e mais um advogado, um certo Tertulo, para apresentarem queixa contra Paulo. O advogado iniciou a acusação nestes termos: «Não posso nem quero negar que é graças a V. Ex.ª, nobre Félix, que gozamos de paz na nossa terra. Permita-me que lhe roube um pouco do seu precioso tempo. Mas ouso fazê-lo porque sei da natural bondade que lhe é peculiar. Infelizmente, temos aqui diante de nós Paulo, que é um flagelo para o nosso bom povo, um agitador louco, que conspira contra a segurança do Estado. Mas esta agitação é rejeitada pela maioria sã do nosso povo. Sabe V. Ex.ª quem está aqui diante de si no tribunal? Um cristão. O chefe dessa quadrilha de revoltosos que têm por mestre um tal Jesus de Nazaré. Peço, pois, a V. Ex.ª que trata este Paulo como merece».

 

Tratando-se dum tribunal romano, o governador acenou a Paulo para se defender. E Paulo não se fez rogado: «Eu sei que, de há muitos anos a esta parte, este país se encontra sob a sua jurisdição. Por isso, confiadamente, tomo a palavra para me defender. Nunca ninguém me viu no Templo de Jerusalém a discutir com qualquer pessoa e muito menos a incitar o povo à revolta. Ninguém é capaz de provar as acusações que me são feitas. O que eu digo é que sirvo o Deus dos nossos pais. Acredito em tudo o que foi escrito pelos nossos Profetas e tenho esperança em Deus, que eles também aceitam, de que há-de haver a ressurreição dos justos e dos pecadores. Agora, que os que estão aqui presentes digam ao menos de que delito me reconhecem culpado!».

 

«Pois bem!» – concluiu o governador Félix que presidia à sessão, dirigindo-se aos acusadores: – «O governo ocupar-se-á com a atenção devida deste caso. Nós vamos abrir um inquérito e conduzir o processo segundo todas as normas legais. Agradeço-lhes muito pela colaboração que me deram. Mas, por hoje, não há mais nada a fazer. Eu dou por encerrada esta sessão»... Acontece que Félix estava casado com uma judia. Esta já tinha ouvido falar do movimento cristão e estava pessoalmente interessada em aprofundar o assunto. Por seu lado, o próprio Félix achava interessante ter um cristão na cadeia. Não que isso lhe desse prazer. Mas, ao menos, assim tinha a oportunidade de ouvir mais alguma coisa sobre esse novo movimento. E depois, ter na cadeia apenas e sempre ladrões e rebeldes, era algo que não lhe agradava muito.

 

Por outro lado, Félix queria fazer carreira. E este novo episódio levou-o a pensar para consigo: «Quem sabe se este Paulo não conhecerá muita gente importante! Pode acontecer. Como ele me parece um elemento indispensável neste novo movimento, se calhar até é capaz de haver gente interessada em pagar um bom resgate para eu o soltar!». E então ordenou ao centurião que retivesse Paulo preso, mas que lhe concedesse alguma liberdade e não impedisse nenhum dos seus de o ir visitar... Entretanto, nessa mesma noite, Félix disse à mulher: «Hoje, chegou-nos à cadeia alguém que tu vais gostar de ver com certeza. É um dos chefes do novo momento cristão. Olha, se calhar, até poderíamos um dia destes convidá-lo para jantar cá em casa!»...

 

Uns dias depois, apareceram na prisão Félix e a mulher para convidar Paulo a passar umas horas lá em casa. Eles estavam interessados em ouvir dele um pouco da sua vida e das suas aventuras pelo mundo. Paulo aceitou o convite de bom grado. Conversaram do mais e do menos e, já no fim da ceia, Paulo foi dizendo: «No princípio da minha carreira, eu julgava que era uma pessoa muito importante e inteligente, sobretudo mais inteligente e importante que os cristãos. Mas, depois do que me aconteceu no caminho de Damasco, onde eu ia à caça de cristãos, acabei por entender uma coisa: que Jesus quer que nós estejamos ao lado dos fracos, judeus ou não... E cheguei à conclusão que o nosso valor não depende do facto de nós arrogantemente pensarmos que sabemos tudo. Agora, tudo mudou na minha vida...».

 

Félix e a esposa ouviam interessados. Então Paulo continuou: «Mas há mais. Há algo de estranho em tudo isto: quando começamos a pensar que, afinal de contas, todos somos fundamentalmente iguais, porque todos somos filhos de Deus, então é que nos sentimos realmente livres. Os senhores podem calcular como me senti aliviado, livre, quando descobri isto. Que direito tinha eu de estar a perseguir fosse quem fosse? Não é preciso ser nem o mais importante nem o mais inteligente para viver tranquilo e contente!».

 

Paulo continuou, durante bastante tempo, a discorrer sobre a justiça, os bons costumes e também sobre o julgamento futuro. E, por fim, concluiu: «Sabem, meus nobres Drusila e Félix, se quiserem, também os senhores podem ser livres como eu! Eu realmente sou livre, apesar das algemas e de estar retido no cárcere». «Certo, certo!» – rematou Félix – «Tudo o que acaba de nos dizer é muito interessante! Acho que ainda teremos tempo de conversar de novo sobre o assunto. Quando for oportuno, vamos mesmo pensar nisso a sério!».

 

Não se sabe ao certo quais eram as intenções de Félix, mas o facto é que mandou chamar Paulo mais vezes. Mas, quando se tratava de coisas mais sérias, deixava tudo sempre para a próxima vez. Ou seja, gostava de ouvir Paulo, mas não estava para se comprometer com nada. Ou então talvez estivesse a fazer tempo à espera que alguém viesse pagar o resgate de Paulo! Seja como for, era assim a maneira de proceder de Félix: deixava sempre as coisas para depois... E tanto deixou que nunca mais voltaram a conversar sobre o assunto a sério.

 

Paulo ficou ainda muito tempo na cadeia de Cesareia. Por acaso, até nem era mal tratado. Mas, vendo que as coisas não atavam nem desatavam, Paulo começou a perder a paciência. Afinal, era um cidadão romano e o processo tinha que se resolver. Ali, preso sem motivo, não podia exercer a sua missão de anunciar a doutrina de Jesus. E, além disso, em sua opinião, estava detido ilegalmente. Por isso, apelou para Roma e o governador não teve outro remédio senão satisfazer as suas pretensões...