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O navio que levava Paulo para Jerusalém passou por Chipre. Depois, parou em Tiro e na Síria. Aqui passou sete dias com a comunidade dos cristãos. Aí teve ainda tempo para se deslocar a Cesareia, onde se hospedou em casa de Filipe... Quando Paulo chegou a Jerusalém, foi recebido com muito carinho pelos cristãos. No meio deles, sentia-se seguro. Mas, as coisas com os que não eram cristãos já eram diferentes. Quando, por acaso, puxava conversa com algum estranho, na rua ou na praça ou no Templo, então expunha-se a alguns perigos, sobretudo quando se apresentava como cristão. É que os cristãos eram considerados como uma raça de pessoas que os judeus consideravam inimigas. Os cristãos, segundo os judeus, não respeitavam as tradições dos antepassados. E, portanto, era natural, a desconfiança de que Paulo era alvo por parte deles.
É verdade que Paulo tinha alguns conhecidos entre os doutores da Lei, porque alguns deles tinham sido seus colegas de estudos. Mas o facto é que Paulo já não era o mesmo. Os seus antigos colegas sentiam-se como que traídos e, por isso, os primeiros a ver se encontravam motivos para se desfazerem dele foram precisamente os seus antigos colegas de estudo...
Só que Paulo não tinha medo de falar. Simplesmente, por causa duma força especial que tinha lá dentro, ele nada receava. E, sendo assim, e como é natural, os primeiros problemas não tardaram muito a aparecer. Morava, por exemplo, em Jerusalém um homem que tinha sido colega de Paulo durante o seu curso com o grande mestre Gamaliel. Agora esse homem era um beato fervoroso e tinha decorado tantas partes da Bíblia que parecia que nada mais havia para ele. Era como se tivesse uma venda nos olhos. Parecia que não via um palmo à frente do nariz. Para ele, só havia regras e mais regras. E ai de quem se atrevesse a não as cumprir na sua presença!
Ora, acontece que um dia Paulo e esse seu antigo colega se encontraram por acaso no Templo de Jerusalém. Logo o homem reconheceu Paulo e começou a gritar para todos: «Este Paulo eu, antigamente, conhecia-o por outro nome. Ainda se chamava Saulo. Se calhar, até mudou de nome para disfarçar! Ao que sei, debandou para a seita de Jesus. E, em toda a parte (Antioquia, Éfeso, Corinto e não mais aonde), ele agora não descansa enquanto não dá a volta aos nossos concidadãos. Ora, isso é uma traição imperdoável». Os presentes começaram a reagir hostilmente...
E o homem continuou: «Precisamente agora que temos que formar uma só frente para resistir a esta cambada de romanos que invadiram a nossa terra é que ele nos anda a dividir. Precisamente agora que é preciso defender a nossa pátria, é que ele nos anda a atraiçoar! Companheiros, não podemos admitir uma provocação destas! Não, não pode ser! Vamo-nos a ele, que ele é que é o responsável por esta situação!».
As pessoas ainda ficaram a olhar umas para as outras. Mas o discurso produziu efeito. E, de facto, quando Paulo voltou de novo à praça do Templo, logo foi cercado por doze estudiosos da Bíblia que vociferavam com gestos ameaçadores: «Ora, vamos lá ver! Nós temos que acertar umas contas contigo! Não és tu que andas por aí a dizer que o Templo de Deus é para todos? Independentemente do facto de serem judeus ou gregos, e até romanos? Então, conta-nos lá como é que são as coisas!»...
E nem sequer esperaram pela resposta de Paulo. Foram-no empurrando para fora da praça. Eles achavam que tinham toda a autoridade para lhe bater. Só que não podia ser nem no recinto sagrado nem perto. Pela rua, juntou-se logo uma multidão ávida de barulho. Muitos deles queriam meter-se também na confusão. Mas a guarda romana, que estava sempre atenta a estas coisas, não demorou muito a aparecer. Foi a sorte de Paulo, porque, caso contrário, teria saído dali sem vida.
O facto é que os soldados romanos tinham meios para impor a ordem e o respeito. E era isso mesmo que os judeus achavam insuportável. Eles bem tramavam mil planos para resistir aos romanos, mas não conseguiam... Então, com medo da reacção das autoridades romanos, os judeus soltaram Paulo imediatamente. Mas não deixaram de continuar a protestar veementemente...
O grupo das pessoas dispersou um pouco, é verdade, mas a gritaria continuava. E diziam os mais exaltados que aquilo era uma vergonha; que deviam prender Paulo, se realmente queriam manter a ordem. Então o comandante pensou consigo mesmo: «Não estou lá a entender muito bem este hebraico esquisito! Mas, se os deixo aqui, vão engalfinhar-se de novo!». Então, reflectindo um pouco melhor, disse assim para a multidão: «Bom, já que estais a falar de prisões e coisas semelhantes, acompanhai-me até à esquadra da cidade!». E foram. Paulo foi levado lá para dentro para ser interrogado...
Cá fora, continuava a gritaria. Um gritava bem alto: «Que pouca vergonha! Olha ele agora a dizer que Deus também se preocupa com os que não são judeus. Já alguma vez se ouviu semelhante coisa?! Isso é uma blasfémia. Tal homem não merece viver!». Nessa altura, estava ali perto um garoto a escutar tudo. Nada lhe tinha escapado. Viu como arrastaram Paulo para fora do Templo e como os soldados romanos o tinham levado para a esquadra. Este garoto era um sobrinho de Paulo...
O sobrinho de Paulo, não se sabe bem com que artes, conseguiu entrar na fortaleza e prevenir o tio do que é que os judeus ali fora tencionavam fazer. Paulo então chamou um dos centuriões dizendo-lhe: «Leve este rapaz ao tribuno, porque tem uma coisa a comunicar-lhe». E lá foi o garoto levado ao escritório de Cláudio Lísias. O tribuno tomou o rapaz pela mão e, à parte, perguntou-lhe: «Que tens a comunicar-me?». Ele respondeu-lhe: «Os judeus combinaram pedir-te que mandes comparecer Paulo amanhã diante do Sinédrio. Mas, no caminho, querem armar uma cilada. E juraram até que não vão comer nem beber enquanto não o matarem!»...
O comandante respondeu ao garoto: «Nada disso! Mas ainda bem que nos vieste avisar dos planos deles. Não digas a ninguém que me contaste estas coisas, está bem? Nós vamos estragar-lhes os planos. Ainda hoje à noite, vamos levar Paulo para o presídio central que fica na Cesareia. Vou mandar também uma carta que explica tudo tintim por tintim. E, agora, sai pela porta das traseiras, entendido?»
E, de facto, de noite, Paulo foi conduzido, debaixo de forte escolta, para a Cesareia. Afinal, o comandante não encontrou em nenhuma das acusações que lhe faziam qualquer motivo para lhe dar a morte, como os judeus pretendiam. Ficou guardado no pretório de Herodes.