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Categoria: A história dum povo.
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  1. DIREITO POR LINHAS TORTAS

 

Os familiares de José que foram viver para o Egipto ficaram instalados, com direito de propriedade, nos melhores terrenos da cidade de Ramsés. E por aí foram ficando, visto as terras serem de facto muito ricas. Aí foram criando raízes e foram-se multiplicando... O tempo de permanência ia já perto dos quatrocentos anos quando os hebreus começavam a encher o país.

 

Dá-se o caso que, após esses anos todos, subiu ao trono do Egipto um soberano que não ligava nada à tradição. Ele não via com bons olhos os estrangeiros a viver no seu país. Já nesses tempos, havia problemas deste género...Tratava-se de um faraó com manias de grandeza e determinado a defender o brio do seu povo. Não via, pois, com bons olhos, como se disse, os estrangeiros. E então começou a apertar com eles, obrigando-os a pesadas tarefas e pagando-lhes mal.

Mandou publicar decretos que castigavam particularmente o povo hebreu, porque era o núcleo mais numeroso de estrangeiros. Só que os hebreus estavam habituados a trabalhar e estavam muito unidos. Perante tão grande número e perante a sua capacidade de trabalho, o faraó começou a ter um certo receio. Parecia-lhe gente a mais. Se assim continuava, qualquer dia eram mais numerosos que os próprios egípcios...

 

Não é então de admirar que as leis se fossem tornando cada vez mais restritivas. É certo que o faraó achava que devia proceder com prudência, mas, ao mesmo tempo, com determinação. Afinal, pensava ele, os egípcios é que eram os habitantes legítimos daquela terra. E, a multiplicar-se dessa maneira, os hebreus não tardariam a representar um perigo muito grande. «Imaginemos que um dia há uma guerra!» – pensava o faraó – «Se eles se aliam aos nossos inimigos, estamos perdidos! Acabamos por ser expulsos da nossa própria terra. E isto não pode ser! Temos que fazer qualquer coisa para impedir que isto aconteça a todo o custo»...

Então, o rei ou faraó do Egipto teve a ideia de nomear capatazes para controlar os hebreus. Depois, um dia, mandou os seus arautos a todos os lugares onde eles moravam para proclamar o seguinte: «O faraó publicou uma ordem que todos têm que acatar. Os que o não fizeram serão severamente punidos. Por decreto real, vai ser construída uma pirâmide e vai ser precisa muita mão-de-obra. Todos são obrigados a trabalhar nessa obra. Ninguém ficará dispensado». E o decreto do rei começou logo a ser cumprido. Foram construídas pirâmides e várias cidades segundo as mais modernas técnicas daquela época.

 

A intenção deste decreto era prejudicar principalmente os hebreus. Mas o facto é que, quanto mais eram oprimidos, mais eles se multiplicavam. Então o faraó teve que pensar numa medida drástica. E, um dia, apareceram emissários do palácio a comunicar: «A partir de hoje, fica decretado que os hebreus não podem multiplicar-se como até aqui. A ordem do faraó é a seguinte: «Se nascer nas famílias dos hebreus um filho varão, virão os soldados do faraó a matá-lo. E mais: vão ser escolhidas parteiras para matar os filhos dos hebreus logo à nascença. É uma ordem dolorosa, mas tem que ser mesmo assim. E agora... de novo ao trabalho»!

 

Os hebreus estavam fartos das condições de vida e de trabalho que lhes eram impostas. A raiva podia explodir dum momento para o outro. Por outro lado, manifestar-se publicamente seria motivo suficiente para as autoridades egípcias os trucidarem. Mas não podiam permitir que os seus filhos fossem mortos e, por isso, procuravam meio de os salvar. Se nascia um rapaz, tratavam de o esconder bem escondido.

 

Certa vez, por exemplo, uma mulher, casada com um homem chamado Levi, teve um filho. Toda a família ficou muito feliz por ser um rapaz, mas ao mesmo tempo muito triste, com medo que fosse descoberto e morto pelos emissários do rei. E não tardou muito que os soldados aparecessem por ali para a rusga habitual. Mas a mãe do rapaz já tinha tudo preparado. Rápida como um raio, pegou no seu filho, envolveu-o em alguns panos e deitou-o num cesto que tinha preparado de antemão. Entregou o cesto à filha mais velha e mandou-a sair pela porta de trás...

 

Quando os soldados chegaram e começaram a fazer perguntas, a mãe respondeu-lhes: «Ora, ora! Isso são histórias. Aqui não nasceu rapaz nenhum. Se não acreditam, revistem a casa. São acusações de quem não gosta de nós. Estejam descansados que aqui não há nenhum rapaz»... Entretanto, a sua filha já tinha chegado à beira do rio. Ali havia uns canaviais e ela pôs o cesto entre as canas e ficou à espera... à espera nem ela sabia bem do quê! Seja como for, sempre esperava que pudesse vir alguém, visse o cesto e o retirasse. E ficou ali a ver o cesto todo betumado a boiar na água e a afastar-se ao longo do rio.

A irmã do menino começava já a chorar de saudade do bebé e prepava-se para voltar para casa quando ouviu a voz de alguém: «Olhem que lindo! Olhem que lindo menino que eu encontrei! Que encanto! Quem teria sido a estouvada da mãe?! Gente sem coração nem sentimentos»! Quem assim se exprimia era uma donzela elegante. Estava a tomar banho com outras ali mesmo no rio. Mais concretamente, era a filha do faraó, que era acompanhada por algumas das suas amigas. Tinham visto o cesto a boiar e tinham também ouvido chorar e então foram ver o que era. Ela gostou tanto do menino que resolveu levá-lo para o palácio para o criar como se fosse um egípcio.

 

O faraó não gostou muito da brincadeira da filha. Ele mesmo teria atirado com o menino para o rio. Mas, enfim, como é que podia contradizer a princesa? Seria um gesto que iria deixar cheia de tristeza a sua própria filha. Então lá acedeu à vontade da filha que ficou contentíssima com isso. Mandou chamar uma mulher que o pudesse alimentar. E, sem que ninguém soubesse, a mulher que chamaram foi precisamente a mãe do próprio menino...

 

Esse menino foi crescendo e teve uma educação completamente egípcia. Aprendeu a falar e a escrever. E pouco a pouco o próprio faraó acabou por se afeiçoar a ele. Acabou mesmo por considerá-lo como seu próprio filho. O nome dele era Moisés. Moisés, por circunstâncias fortuitas, foi criado pela sua própria mãe, depois de ter sido salvo de morte certa pela filha do rei do Egipto.

 

Moisés era um rapaz inteligente, aplicado, e aprendia como poucos. E, por isso, bem depressa descobriu também que não era egípcio, mas hebreu, embora tivesse vivido sempre no palácio real. E agradecia a sorte que tinha tido: «Tive muita sorte. De resto, sou dos poucos hebreus, senão o único, que podem viver entre gente tão fina»! É verdade, ele dava consigo mesmo a pensar nestas coisas. Mas havia nele alguma coisa – seria a raça, seria o sangue, nem ele sabia o que era – que lhe diziam que esse não era o seu lugar. O futuro o diria...