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Tinham nascido comunidades cristãs praticamente em todos os cantos da Grécia e da Ásia Menor, sobretudo na zona que é hoje a actual Turquia. No fundo, tudo era ainda mais impressionante porque os cristãos, que nem sempre eram cultos, diziam pura e simplesmente coisas que, para os bons judeus tradicionalistas, era um escândalo e, para os gregos cultos, era um absurdo. Em poucas palavras, o que constituía escândalo para judeus e absurdo para os gregos era o seguinte: Jesus de Nazaré, que tinha sido crucificado em Jerusalém, no tempo do governador Pilatos, era o filho de Deus, ele próprio era Deus.
Apesar disso tudo, a expansão do cristianismo era evidente. Mas Paulo continuava preocupado. Porquê? Porque, embora fosse defensor da liberdade dos filhos de Deus, estava também profundamente convencido de que era necessário construir a unidade e o amor entre todos. Ora, acontecia que os cristãos do exterior, ou seja, os convertidos do paganismo, corriam o perigo de se esquecer que existiam também os cristãos provindos do judaísmo. Afinal, tudo tinha começado em Jerusalém e não se podia esquecer que o próprio Jesus era judeu. E, da mesma forma, continuava a haver o perigo que os cristãos provindos do judaísmo não tivessem em consideração os cristãos provindos do paganismo.
Dava-se também o caso que, em Jerusalém, nessa altura, passavam muitas necessidades. A Igreja fora da Palestina já estava bem implantada, mas a de Jerusalém passava por dificuldades. Foi por isso que Paulo se começou a interessar pela comunidade de Jerusalém. Eram dificuldades de ordem moral e também material. E então Paulo escreveu uma carta a todas outras comunidades para que não se esquecessem dos cristãos de Jerusalém...
Essa carta dizia mais ou menos assim: «Posso pedir-vos um favor? Pois bem! Trata-se do seguinte: eu vou viajar até Jerusalém. Durante a minha viagem, vou passar pelas vossas cidades. Não me vai ser possível demorar-me, mas espero poder ver alguns de vós. Seja como for, gostaria de fazer entre vós uma colecta em favor da comunidade de Jerusalém. Eles realmente estão a precisar muito. E depois também têm necessidade de saber que nós pensamos neles com carinho. E a colecta é precisamente o sinal externo desse carinho. Eles precisam muito da nossa solidariedade. Portanto, a sugestão que eu vos faço é a seguinte: até à minha chegada, cada um procure guardar cada semana algum dinheiro. Quando eu chegar, então já não será preciso passar de casa em casa... Saudações em Cristo!».
A viagem de Paulo de regresso a Jerusalém foi preparada com bastante cuidado. Paulo tinha que passar por muitas comunidades e não dispunha de muito tempo. Finalmente chegou o dia. E lá foi ele parando de cidade em cidade. Em todos os lugares juntou dinheiro para levar aos cristãos de Jerusalém. Infelizmente, não pôde deslocar-se a uma das comunidades de que ele talvez gostasse mais, que era a de Éfeso. As circunstâncias não lho permitiram. Todavia, não quis deixar de escrever então uma carta aos cristãos de lá.
E a propósito desta viagem dizia-lhes: «Desta vez, não posso ir ter convosco. Mas vou passar por Mileto. Não poderia aí encontrar-me com alguns? Conheceis aquela pequena cidade ao pé do porto? Atravessa-se a rua em frente ao muro do porto e vê-se logo um largo. Peço aos que puderem que se encontrem lá quando eu chegar. Enquanto o navio carrega e descarrega, vamos ter tempo de conversar um pouco»...
Todos os que puderam foram ao local indicado. Os amigos de Paulo estavam contentes por poder vê-lo de novo. Depois de alguns momentos de silêncio, que denotavam também uma certa tristeza, alguém do meio do grupo disse a Paulo: «Não sei se será boa ideia ir para Jerusalém. É verdade que os cristãos lá passam mal, mas também ouvimos dizer que eles estão a ser perseguidos. Ora, se o senhor chega lá nesta altura, os judeus estudiosos da Bíblia certamente vão saber da sua chegada e, se calhar, ainda vai ser pior. Lembre-se, Paulo, do que aconteceu com Estêvão. Lembre-se de como ele perdeu a vida!».
Como é que Paulo se podia esquecer da forma como Estêvão tinha sido martirizado, se ele próprio tinha estado lá para guardar as roupas aos que atiravam pedras a Estêvão! Mas limitou-se a dizer aos presentes: «Eu compreendo a vossa preocupação, mas também não posso ficar aqui assim sossegado, quando sei que os cristãos de Jerusalém estão a enfrentar enormes dificuldades. Mas, apesar disso, tudo, estão a fazer um trabalho muito bom. Soube ultimamente que estão a estudar os livros de Moisés e dos profetas. Assim, continuam em contacto com a comunidade judaica. É certo que arriscam a vida sempre que discutem com os doutores da Lei, mas o que estão a fazer é importante. E, por isso, é bom que também eu esteja com eles para os apoiar!».
Um dos presentes disse a Paulo: «Nós entendemos o que o senhor quer dizer. Só queríamos acautelá-lo, mais nada. É que não queremos que o senhor seja preso ou morto. Gostaríamos de lhe evitar todo o tipo de dificuldades. Seja como for, o senhor é que sabe. E aceitamos a sua decisão. Em todo o caso, uma vez que não pode ficar agora connosco, esperamos sinceramente que regresse depressa.». «Eu sei disso!» – rematou Paulo – «Vamos ver como é que as coisas se compõem. Depois de Jerusalém, é minha intenção fazer uma viagem até Roma. Roma é a cidade mais importante para os romanos e eu acho que devo ir até lá. Sinto cá dentro qualquer coisa que me indica que, depois de Jerusalém, realmente é a última coisa que me resta fazer: ir a Roma!»...
«Ir para Roma?» – soluçou uma senhora – «Mas, assim, pode acontecer que a gente nunca mais se torne a ver!». «Pois, pode realmente acontecer. Pode ser esta a última vez que nos encontramos! Mas é importante a gente cumprir a sua própria missão. De resto, vós já tendes pessoas que vos podem conduzir perfeitamente e já não precisais de mim. Claro que a mim também me custa muito deixar-vos, porque tenho muitos amigos aqui. Mas, mais dia, menos dia, temos que nos ir deixando uns aos outros, não é verdade?»...
As palavras de Paulo não eram nada animadoras, mas talvez não fosse possível dizer outras aos presentes. Então Paulo continuou assim: «Eu sei que, depois da minha partida, ireis sentir problemas e dificuldades e que vão aparecer pessoas que procurarão desviar-vos da doutrina de Jesus. Mas isso é uma coisa muito natural. O que é necessário é que tenhais confiança que o Espírito de Deus está convosco e vos indicará o caminho a seguir. E sobretudo não vos esqueçais do que o próprio Jesus Cristo disse um dia: “Há mais felicidade em dar do que em receber”. Sede, pois, corajosos e também generosos uns para com os outros»...
O barco estava a partir. Muitos começaram a chorar e abraçavam comovidos Paulo. Ainda ficaram muito tempo ali no cais a ver o navio desaparecer ao longe e acenando em sinal de despedida. Mas era a vida: Paulo tinha mesmo que partir.